“O que queres ser quando fores grande?” é uma pergunta que vem da infância como um pêndulo para o futuro: toda a gente quer ser tudo até perceber que algures no caminho há uma decisão a tomar. Ou porque a aptidão dita um talento ainda em bruto ou porque a descoberta é uma parte atraente da viagem. Mas se o caminho for claro – e se a dedicação for suficiente, dizem –, tudo é possível.
Luís Rita, 25 anos, comprovou-o quando venceu a edição deste ano do Top Talents Under 25 na categoria Digital, um prémio mundial de talentos que reconhece cinco jovens promessas, com idade inferior a 25 anos, em categorias como Empreendedorismo, Gestão, Digital, Sociedade, Social, Inovação, Diversidade e Educação. Foi o primeiro e único português, nas duas edições, a conseguir a distinção, devido aos dois trabalhos que apresentou: o primeiro na área da medicina computacional, o segundo na da saúde pública.
“Até aos 18 anos queria ser jogador de futebol. Depois pensei: ‘Será que existe alguma forma de conciliar aquilo que os meus pais – e eu – querem com aquilo que era o meu hobby favorito?’ Acabei por conciliar os dois: sempre gostei de Física, Biologia e Matemática, por isso é que escolhi Biomédica, e acabei por conseguir manter o hobby, passou foi a futsal a nível universitário”, conta em entrevista ao Observador. A decisão que lhe viria a mudar a vida foi tomada no dia em que fez do Instituto Superior Técnico, em Lisboa, casa.
Passaram cinco anos – é este o tempo que uma licenciatura em Biomédica demora a concluir, contando com o mestrado integrado. Pelo meio, Lisboa deu lugar a Paris, para uma temporada de Erasmus, e da capital francesa trouxe um olhar global que havia de o empurrar até Londres. “Percebi o quanto tinha gostado de estudar numa universidade fora de Portugal. Não que isso tenha valor acrescentado, é mesmo pela oportunidade de conhecer outras pessoas. Gostei dessa experiência de multiculturalidade e tentei replicá-la este ano, dentro do tema que eu gostava.”
Entrou depois no mestrado da Faculdade de Medicina, do Imperial College London, em 2019, onde começou a trabalhar em pesquisa biomédica, com especialização em ciência de dados, continuando o percurso que estabeleceu em Portugal e que o levou a passar pelo Instituto Ricardo Jorge, antes de rumar a norte. Em Londres, pegou no trabalho que o supervisor já tinha desenvolvido e levou-o a outro patamar.
“Falei com ele e decidi trabalhar nesta área, focada na nutrição como tratamento e prevenção do cancro. Desde o início que foi exploratório, não havia grande plano; vimos o que foi feito, o que tinha mais potencial e fomos escalando sobre aquilo que era importante”, conta ao Observador.
O projeto “Machine Learning for Building a Food Recommendation System” (aprendizagem automática para construir um sistema de recomendação de comida, em tradução livre) é, simplificando, uma aplicação que nos permite introduzir uma imagem de qualquer alimento e receber informação acerca do mesmo. “A app deteta automaticamente os ingredientes presentes e depois é capaz de sugerir outros alternativos aos que lá estão, com base na semelhança de sabor, de preferência do utilizador e no que é sabido acerca do seu potencial para tratar ou prevenir o cancro”, explica.
“Uma das ferramentas que usei”, esclarece Luís, “foi uma lista que o meu supervisor já tinha, que faz uma relação entre o número de moléculas anti-cancro esperadas em cada ingrediente”. No final, com base na lista de ingredientes, desenvolveu um algoritmo que nos diz a que cozinha pertence e, consoante a receita, numa perspetiva geral, se o utilizador deve ou não consumir aquele prato, tendo em conta a intenção de reduzir interações negativas e medicação oncológica.
O plano, que será aperfeiçoado durante o doutoramento, é que a dieta seja adaptada ao tipo de doença oncológica, ao invés do formato atual, pensado num prisma generalizado. Como é que isto será possível? Luís explica que terá um formato “semelhante ao Spotify”, isto é, “ao invés de músicas seriam receitas. [A app] recomenda-nos receitas semelhantes às das que gostámos no passado, divididas em categorias consoante a cozinha e fator prevenção. O objetivo é sempre conciliar os gostos do utilizador e disponibilizar receitas de fácil preparação. Mas também é fácil generalizar para outras doenças não oncológicas”.
Uma espécie de Waze para ciclistas
Mas este não foi o único projeto do investigador no decorrer dos cinco meses do mestrado. O “Using Deep Learning to Identify Cyclists’ Risk Factors in London” (utilizar sistemas de inteligência artificiais que aprendem sozinhos para identificar os fatores de risco dos ciclistas em Londres, em tradução livre), designação do segundo, tem uma área de incidência diferente, mas um ponto em comum: “Tento, nos projetos que faço, escolher um tema em que saiba que posso ser o primeiro a alterar alguma coisa no meu quotidiano. Aconteceu no projeto da nutrição e acontece neste, porque uso a bicicleta nos trajetos que faço entre o campus e a casa”.
Pensado para ajudar os ciclistas de Londres a perceber melhor a cidade, quais os perigos e quais as zonas mais seguras para pedalar, a ideia tem como ponto de partida uma base de dados de meio milhão de imagens do Google Maps. “O objetivo era detetar diferentes objetos nessas imagens: carros, camiões, pessoas, bicicletas. E, com base nisso, tinha de atribuir uma classificação positiva ou negativa a cada um deles. Se são objetos cuja presença está associada a segurança ou insegurança para os ciclistas”, explica.
Para isso, usou algoritmos que já estavam disponíveis, mas percebeu que era necessária a criação de uma fórmula que transformasse o número de objetos detetados em medidas de segurança. “Considerei a presença de várias coisas como carros, linhas de elétrico, comboio, metro como fatores negativos. Em contrapartida, sempre que reconhecia pessoas – que associamos a zonas com baixa presença de carros – ou bicicletas, considerava positivo”, diz.
A ideia é, então, semelhante ao princípio da aplicação de navegação Waze? “O passo seguinte é esse”, diz Luís. “É normal que o número de objetos seja influenciado pela altura em que as imagens foram captadas. O ideal seria fazê-lo em tempo real. Imagino que num futuro próximo, com cada vez mais carros com câmaras, seja possível utilizar as imagens que os carros nos dão. E esses algoritmos são capazes de processar essa informação.”
Isto levanta outro tipo de questões, nomeadamente do foro da proteção de dados e de privacidade. “Sim, é verdade, mas nestes casos, o que se faz é, ao invés de enviar imagens e vídeos para uma central onde estes são processados, são processados logo no carro da própria pessoa”, explica. Só após esse processamento é que os resultados chegam à central de forma anónima, sendo depois compilados num mapa total da cidade, esclarece. Será, para isso, necessária alguma alteração nos veículos? A resposta curta é não: “Porque há cada vez mais carros com câmara integrada, à partida não era preciso comprar nada”.
A ideia ganhou entretanto ramificações que podem beneficiar outras áreas urbanas. “Uma coisa que vi nas imagens foi que conseguimos prever as zonas verdes da cidade com base no mesmo método [da segurança dos ciclistas]. E utilizar isso como métrica para perceber onde é que fazem mais falta. E isto é um método muito barato porque, para executar estas ferramentas, preciso apenas de um computador”, diz.
Já na parte da nutrição, houve um resultado a surpreendê-lo mas que vem sendo discutido há várias décadas: os benefícios da dieta mediterrânica. “É a que tem o número mais elevado de moléculas anti-cancro por receita. Utilizei uma base de dados de receitas com cerca de um milhão, utilizando o algoritmo que desenvolvi calculei a cozinha a que cada uma corresponde e, com base nisso, fui ver quais as que eram as que tinham mais moléculas anti-cancro”, explica.
O percurso de Luís Rita segue agora pelo doutoramento e pelo aperfeiçoar dos projetos que levou a concurso: “São coisas que têm impacto direto na vida das pessoas e isso é importante. Se eu puder começar por mudar o meu quotidiano é um bom princípio para que os outros também o façam. Tem de partir de nós.”