O país está bem, mas Lisboa é um problema. Na reunião da elite política com especialistas no Infarmed, o primeiro-ministro disse mesmo que iria refletir “seriamente” antes do Conselho de Ministros de sexta-feira sobre a hipótese de adiar a reabertura de centros comerciais na região de Lisboa e Vale do Tejo, contaram dirigentes partidários ao Observador. É assim possível, embora isso não tenha ocorrido nas duas primeiras fases de desconfinamento, que nesta última etapa a região de Lisboa reabra a um ritmo mais lento que o resto do país, num desconfinamento “assimétrico”.

Para esta segunda-feira está ainda prevista a reabertura, a nível nacional, de outros espaços como teatros, cinemas, creches, pré-escolar, salas de espetáculos ou lojas do cidadão, que podem vir a reabrir na mesma na região de Lisboa, mantendo o governo um travão apenas nos espaços considerados mais propício a ajuntamentos: os centros comerciais. Tudo está a ser equacionado e ainda haverá reuniões de última hora (e contactos com os partidos) antes da reunião do Conselho de Ministros desta sexta-feira, onde a decisão será tomada.

António Costa, segundo contaram dirigentes partidários ao Observador, registou também que são os números de Lisboa que estão a inflacionar os números nacionais e a colocar Portugal com piores resultados do que outros países. Como os especialistas explicaram na reunião, Portugal tem um índice de transmissão de 0,99, à boleia de Lisboa (que tem Rt de 1.01), o que é, por exemplo, superior ao da Suécia (que está nos 0,96). No resto do país, o Rt está a cair: é de 0,93 no Norte, 0,9 no Centro. O exemplo de Espanha também foi referido pelo primeiro-ministro, que mostrou “preocupação” por a região de Lisboa estar com um índice de contágio superior ao da vizinha Espanha, daí que “mereça especial atenção”.

Há razões para cautela: a infeção aumentou 0,7% ao dia na região de Lisboa nos primeiros 15 dias desconfinamento (quando estava a descer 0,5% ao dia durante o confinamento). Além disso, lembram fontes presentes na reunião, os especialistas “ainda só têm dados dos primeiros quinze dias do mês de maio, podendo entretanto a situação ter piorado e estar já menos controlada”.

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O primeiro-ministro referiu ainda a questão económica lembrando, segundo fontes partidárias ouvidas pelo Observador, que também há a necessidade de as empresas recuperarem o seu capital de manter os níveis de emprego.

Os especialistas disseram na reunião que, apesar de ser um problema, a situação de Lisboa “não é dramática“, e “ainda está sob controlo”, já que, como a maioria dos infetados são jovens, este fenómeno não está a sobrecarregar o Serviço Nacional de Saúde. Aliás, muitos dos infetados na região estão assintomáticos ou têm sintomas ligeiros e isso até ajuda a aumentar a “imunidade”. O problema é como evitar que os mais jovens infetem os mais velhos e os grupos de risco. A que acresce um outro problema: os dados disponíveis refletem apenas os efeitos do desconfinamento nos primeiros 15 dias de maio, podendo neste momento a situação já estar mais complicada e isso ainda não ser visível nos números.

É aí que entram os centros comerciais, que podem ser zonas onde as gerações se juntam. Neste momento, estes espaços estão abertos mas com uma circulação muito limitada: só para idas ao supermercado, lojas de eletrodomésticos, salões de beleza e pouco mais, mas a maior parte de lojas de retalho (como as lojas de roupa ou calçado) estão fechadas, o que reduz significativamente a circulação nesses espaços.

Na reunião foi ainda foi colocada a hipótese de fechar os centros comerciais apenas nos concelhos afetados, mas essa opção foi rejeitada. Por exemplo, não reabrir o Dolce Vita Tejo por a Amadora ser um concelho particularmente afetado, ou o Loures Shopping, por Loures ser também muito afetado, mas os especialistas chegaram à conclusão de que isso só irá “pressionar e aumentar os outros centros comerciais de Lisboa ou outros concelhos vizinhos”. Ou seja: caso não seja dada ordem para os grandes espaços comerciais reabrirem, a medida será aplicada a toda a região e não apenas a um concelho específico.

Um dos gráficos mostrados pelos especialistas mostra os concelhos mais afetados da região de Lisboa

As preocupações de Marcelo. E as reuniões de última hora com os partidos

O Presidente da República fez três questões à porta fechada. A primeira delas sobre as aplicações informáticas no combate à pandemia e de como estava esse processo. A segunda questão de Marcelo foi sobre a reabertura das fronteiras e as lições aprendidas com os demais países europeus. O Presidente referiu os casos de República Checa (reabriu fronteiras aéreas para o espaço Schengen a 26 de maio) e Áustria (reabre a 1 de junho), mas lembrou que “nenhum desses países tem fenómenos [de regresso no verão] como nós temos com os emigrantes”. Marcelo quis saber o que se vai fazer para preparar o resultado deste impacto.

Por último Marcelo fez uma questão sobre a perceção pública e a forma como estão a ser tratados os surtos no mundo laboral, que afetam, acima de tudo, comunidades de migrantes.

Segundo fontes presentes na reunião, foi o PSD que levantou o tema do perigo da reabertura dos locais propícios a grandes ajuntamentos na região de Lisboa e, na intervenção do Presidente da República, que falou imediatamente antes do primeiro-ministro, Marcelo “reforçou que a situação de Lisboa e Vale do Tejo merecia uma atenção especial”. Foi então que António Costa “foi mais longe” e confirmou que iria haver uma reflexão cuidada para equacionar o “adiamento” da reabertura de espaços como os centros comerciais em Lisboa. Certo é que, ainda esta quarta-feira, ao Observador, fonte governamental afirmava que não estava a ser equacionado nenhum tratamento diferente para a região de Lisboa, uma vez que o número de internados continuava estável. Ou seja, a reunião desta quinta-feira na sede do Infarmed terá sido decisiva para o Governo equacionar um tratamento diferenciado para esta região, que está a merecer maior preocupação junto dos especialistas.

Trata-se, ainda assim, de um travão no calendário previsto, e não de uma marcha atrás — Costa sempre disse que não teria problemas em dar um passo atrás se fosse preciso.

Para já, o máximo que o primeiro-ministro revelou foi que o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro, que é o coordenador da situação da Covid-19 na região de Lisboa, ficará responsável por coordenar, junto do Ministério da Saúde, uma última ronda de reuniões e consultas. É nesse sentido que haverá novos contactos do Governo com os partidos políticos, antes do Conselho de Ministros que reúne esta sexta-feira e onde haverá uma decisão final sobre o possível desconfinamento “assimétrico” na região de Lisboa.

Os 33 surtos ativos e os contágios de trabalhadores que ocorrem fora do local de trabalho

Na reunião, segundo apurou o Observador, foram divulgados gráficos e tabelas com os concelhos mais preocupantes e os surtos específicos (as “bolhas”) que há nesses mesmos concelhos. No topo dos concelhos mais preocupantes, em termos de casos confirmados por cada 10 mil habitantes está a Amadora (48,2 casos confirmados por 10 mil habitantes), seguida de Loures, Lisboa concelho, Odivelas, Barreiro, Azambuja e Vila Franca de Xira.

Entre os surtos ativos, foi também referida a existência de 33 surtos ativos em instituições coletivas, sendo a maioria deles na região de Lisboa e Vale do Tejo: 13 surtos ativos em lares, 16 em empresas, 3 em hosteis, 1 em serviço de saúde.

Foi neste contexto que foram analisados pelos especialistas alguns surtos em específico, como o caso da empresa da Azambuja ou do Bairro da Jamaica. Segundo fontes partidárias presentes na reunião, os especialistas acreditam que no caso da Azambuja (só a SONAE já apresenta 175 casos) o “contágio não ocorreu tanto no local de trabalho, onde os trabalhadores estão à distância uns dos outros e há cuidados, mas sim fora do trabalho, ou em casa, porque vivem juntos, ou nos transportes ou em locais onde convivem”. Uma das fontes partidárias diz que “a maior parte dos infetados são migrantes, que têm poucas condições de habitabilidade, com muitas pessoas que vivem juntas na mesma casa, o que aumenta o contágio.”

Outro dos focos explorados foi o que ocorreu no Bairro da Jamaica, onde os especialistas acreditam que a maior parte do contágio ocorre em locais de convívio social, como os cafés. Nesse sentido, as autoridades ponderam aumentar a vigilância e até fechar esses estabelecimentos de convívio, medida que seria mais eficaz do que um cerco sanitário que ainda colocaria o bairro social mais guetizado.

Há ainda surtos enganadores, como é o caso do de Alenquer. O alegado foco de Alenquer, explica uma fonte na reunião, “não é de Alenquer, é um foco de Arroios, porque trata-se dos imigrantes que estavam no hostel e foram alojados na base aérea da Ota”. Daí que não se deva tomar medidas por concelho. Alenquer tem números elevados, mas são, na verdade, números importados de Arroios, em Lisboa.