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ANTÓNIO COTRIM/LUSA

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Recuperação e desenvolvimento económico: o que separa Governo e PSD?

Empresas ou investimento público? Indústria ou energias renováveis? E na saúde e educação? Como é que os dois principais partidos pretendem gastar os fundos europeus? Um ensaio de Abel Mateus.

Os Ensaios do Observador juntam artigos de análise sobre as áreas mais importantes da sociedade portuguesa. O objetivo é debater — com factos e com números e sem complexos — qual a melhor forma de resolver alguns dos problemas que ameaçam o nosso desenvolvimento.

A preparação do próximo plano dos fundos estruturais para o sexénio 2021-2027 (PT27) deveria exigir a elaboração de um plano de desenvolvimento do País para a década. E o que é um plano de desenvolvimento? É um documento que apresenta uma visão estratégica, consubstanciada em objetivos quantificáveis, e os programas de medidas e projetos de investimento para os atingir.

Ensina-nos a teoria do desenvolvimento económico que o país aumenta o seu rendimento através da acumulação e melhoria da qualidade dos fatores produtivos (capital humano, capital físico e trabalho) e da melhoria das suas políticas e instituições, enquanto a inovação e progresso técnico proporcionam o desenvolvimento tecnológico. O que está em causa é o aumento da capacidade produtiva das empresas através do investimento e de uma mão-de-obra mais qualificada, a redução dos seus custos de produção pelo aumento da produtividade e redução dos preços dos inputs básicos (energia, telecomunicações, justiça e administrativos) que levem a um aumento da competitividade do país.

epa08419871 Autoeuropa employees work at the construction line for the Volkswagen T-Roc at Autoeuropa's plant in Palmela, Setubal, Portugal, 13 May 2020.  EPA/JOSE SENA GOULAO

JOSE SENA GOULAO/EPA

Não encontramos ainda entre nós este documento. O que existe é um Plano Nacional de Investimentos (PNI), desgarrado de qualquer estratégia de desenvolvimento, com projetos de rentabilidade bastante controversa, como veremos abaixo, e sem um enquadramento de programas e medidas estruturais. Onde está o programa para desenvolvimento do capital humano e educação, da saúde ou do desenvolvimento tecnológico?

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Na primeira secção apresentamos as metodologias e técnicas que a moderna ciência económica criou e desenvolveu para elaborar programas de recuperação e ajustamento macroeconómico e programas de desenvolvimento económico. Estas técnicas já se praticaram largamente entre nós até meados dos anos 1990, mas foram sendo progressivamente esquecidas.

Alta velocidade Lisboa-Porto em 1h15 e uma linha até Vigo. As medidas do Plano Nacional de Investimentos 2030

A segunda secção compara os programas de recuperação e do Quadro Plurianual Financeiro (QPF) para 2021-2027 do Governo PS e da proposta do PSD, utilizando os dados já disponíveis — estes dados permitem-nos já discernir as grandes orientações de cada um dos partidos. Como as empresas são o motor do crescimento numa economia de mercado, a secção 3 discute a estratégia e as políticas propostas por cada partido para o apoio ao setor empresarial. As restantes secções discutem as outras grandes políticas setoriais, nomeadamente a de infraestruturas (4), energia e clima (5) e sociais, em especial a saúde e educação (6).

A afetação dos recursos do país e um plano de recuperação

Uma outra ótica importante é a da afetação de recursos do país. Primeiro, que os recursos sejam aplicados na criação de riqueza e apenas o necessário na repartição da riqueza. Recordamos o que dizia Tom Sowell, o economista afro-americano mais reputado da sua geração: “os países que só se preocupam com a distribuição da riqueza acabam por distribuir a pobreza”. Segundo, criar as condições para o desenvolvimento tecnológico, pela criação de ecossistemas que permitam a inovação e apoiar a transferência de técnicas e tecnologias mais avançadas (IDE). Terceiro: facilitar a transferência de recursos de setores menos para outros mais produtivos, ou de empresas menos para outras mais produtivas, através da concorrência e de mercados flexíveis do capital e do trabalho. Quarto: reduzir o desperdício de recursos em projetos públicos e privados de rentabilidade negativa ou baixa rentabilidade, para que estes não acabem em malparado dos bancos, ou a desperdiçar os dinheiros dos contribuintes. Quinto: aumentar a eficiência do Estado, para reduzir o desperdício, melhorar as políticas de redistribuição e reduzir a carga fiscal. Finalmente, “but not least”, construir uma meritocracia e sociedade justa e inclusiva, e reformar as instituições para combate à corrupção e ao domínio dos interesses públicos pelos privados.

Uma outra ótica importante é a da afetação de recursos do país. Primeiro, que os recursos sejam aplicados na criação de riqueza e apenas o necessário na repartição da riqueza. Recordamos o que dizia Tom Sowell (...): “Os países que só se preocupam com a distribuição da riqueza acabam por distribuir a pobreza".

A má afetação de recursos do país já retirou mais de 1,5 pontos percentuais à taxa de crescimento potencial do PIB no período de 1995 a 2010. Irá a afetação de recursos no futuro continuar a afetar tão profundamente a economia portuguesa? Desde logo sabemos que os custos da atual crise para as famílias e empresas são enormes, e que o Estado teve de colmatar parte, que terá de ser paga pelos contribuintes mais tarde ou mais cedo. E o resto das políticas?

A aplicação destas lógicas e modelos levaria a uma alteração profunda das políticas e ao reconhecimento da necessidade de reformas estruturais. Os governos socialistas de António Costa apoiados pela extrema esquerda deram uma prioridade absoluta à redistribuição em detrimento da criação da riqueza, e, por conseguinte, com uma visão estatizante. Por exemplo, os orçamentos são dominados pela distribuição de “migalhas” pelos programas sociais, devido à restrição orçamental que o Pacto Orçamental europeu impõe e à falta de crescimento económico. Não há preocupação para incentivar o investimento privado e reduzir os custos das empresas para as tornar mais competitivas, ou de atrair IDE produtivo.

Em termos institucionais, pretende-se ignorar todo o desenvolvimento económico conseguido nos anos 1980 e metade dos 1990, com Mário Soares e sobretudo Cavaco Silva, com as privatizações e industrialização do país. Já se nacionalizaram os transportes urbanos metropolitanos, a TAP e agora pretende-se nacionalizar o Novo Banco, acabaram-se com as PPPs na saúde apesar de haver evidência de melhor eficiência, e cerra-se a porta a todo o tipo de Parcerias Público-Privadas (PPP) no futuro. Os empresários, bastante dependentes dos subsídios e ajudas, têm receio de enfrentar o governo com tendências estatizantes, enquanto alguns lóbis tradicionais mantêm-se ou ganham mais força, não só no governo como nos principais partidos e na sociedade civil.

Hospital de Braga chegou a ser considerado o melhor do país. Parceria público-privada nesta estrutura terminou em 2019.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Infelizmente entre nós, o QPF é elaborado com base em interesses já estabelecidos, em orçamentos de organismos que são financiados por este tipo de recursos e por inércia dos quadros anteriores, sem atenção à sua eficácia.

O outro documento fundamental é o Plano de Recuperação Económica e de Resiliência (PRR) que deveria dar resposta à crise pandémica e económica que afetou e continua a afetar profundamente o país. Este deve enquadrar-se num Programa de Ajustamento Macroeconómico, com um horizonte 3 a 4 anos, e deveria conter as políticas e medidas fiscais, despesa social e investimento, bem como ajuda financeira e capitalização de empresas, com vista a (i) combater de forma eficaz a pandemia e restabelecer as condições sanitárias propicias ao restabelecimento da vida social normal e da atividade económica, que agora sabemos poderá durar até finais de 2021; (ii) incentivar a reabertura da economia; e (iii) estabilizar a economia, reequilibrando os défices orçamental e externo, reduzindo o desemprego e restabelecendo a capacidade produtiva. O programa referente ao ponto (iii) é do tipo do que a troika elaborou em 2011-2014, mas evidentemente de conteúdo bastante diferente, mas que infelizmente não deixará de conter uma certa dose de austeridade: os custos da pandemia e da crise têm de ser pagos e nem os recursos de Bruxelas chegam, sobretudo se não forem empregues eficientemente. E ou nós continuamos a ser frugais e eficientes ou vem uma nova troika implementar essa austeridade.

Os custos da pandemia e da crise têm de ser pagos e nem os recursos de Bruxelas chegam, sobretudo se não forem empregues eficientemente. E ou nós continuamos a ser frugais e eficientes ou vem uma nova troika implementar essa austeridade.

O Conselho Europeu e a Comissão Europeia estabeleceram o Programa Next Generation EU, que pede aos países um programa de investimentos a serem financiados integralmente através de transferências e empréstimos, e reformas estruturais que ajudem num Programa de Recuperação e Resiliência para 2021-2026. O programa surgiu tarde para ajudar os países a financiar as despesas na altura mais críticas da pandemia e dos custos do lockdown, pelo que assumiu uma lógica bastante diferente. O programa assenta em três lógicas: (a) recuperação da crise e criação de resiliência sanitária e económica, (b) digitalizar a economia, e (c) descarbonizar a economia.

Compreendem-se estas lógicas em termos das transformações necessárias de médio e longo prazo, mas as componentes (ii) e (iii) enquadram-se mal num programa de curto prazo de ajustamento estrutural. Digitalizar tem um significado completamente diferente se aplicado numa economia ainda com baixos níveis de capital humano no contexto europeu. Segundo a Comissão, Portugal tem um índice de digitalização de 49,6 contra a média de 52, tendo os países nórdicos índices na casa dos 70. Os piores índices são exatamente o nível de capital humano e o uso da internet, tendo a conectividade e os serviços públicos digitais uma classificação superior à média. Isto significa que o programa de digitalização tem de ser acompanhado e assente num reforço da formação de capital humano. Veja-se que em muitas experiências feitas em escolas a introdução de meios informáticos não produziu melhores resultados na aprendizagem.

Embora não esteja ainda fechado o envelope final dos apoios europeus, as melhores estimativas atuais são a de que estará disponível para Portugal um pacote de financiamento de 42,7 mil milhões de Euros para o período de 2021 a 2027, conforme o Quadro 1.

Será possível ainda alargar este envelope através do programa SURE da Comissão Europeia, com cerca de 5 mil milhões para financiar os programas de apoio ao emprego, esperemos que com retroatividade. Outros programas, como Connect Europe e React EU e o Fundo Europeu de Investimentos Estratégicos, também poderão ser acedidos. Porém, não faremos aqui a sua análise.

Estratégias do Governo e do PSD

Segundo o PRR apresentado pelo Governo à Comissão Europeia, o principal objetivo é uma “ação … para dar resposta concertada a três grandes desafios: (i) o do controlo e combate da pandemia; (ii) o da superação dos seus efeitos sociais e económicos, recuperando uma trajetória de crescimento sustentado; e, (iii) construção de um futuro mais robusto, mais coeso e mais sustentável…”. É uma terminologia nova para economistas, pois não sabemos identificar como se carateriza e mede um futuro robusto. E contém três programas: resiliência, transição climática e transição digital.

Em termos mais simples, a estratégia do Governo PS baseia-se no investimento público porque se diz que tem maior probabilidade de ser efetuado no curto prazo, numa estratégia digital que não dá a devida ênfase ao capital humano e em especial ao ensino e qualificações profissionais dos jovens e trabalhadores, e continua a pressionar uma liderança do tipo “Portugal campeão mundial das renováveis e descarbonização”. A visão estratégica do PSD traduz-se em: “Recuperar a economia e tornar Portugal um país muito mais competitivo e, no médio/longo prazo, um dos países mais competitivos no quadro da zona Euro”. No contexto de economia aberta, mais competitivo significa mais produtivo.

MÁRIO CRUZ/LUSA

Nenhum dos planos fala abertamente da convergência para a UE, e do facto de o País estar a caminhar para a cauda da Europa. Por causa deste facto é que muito se aprenderia com o benchmarking das nossas estratégias e programas com os países de sucesso da Europa de Leste, que estavam bem atrás de nós ainda há uma década e meia e hoje estão claramente à nossa frente. Temos de aprender com as melhores experiências internacionais, pois não vamos reinventar a roda a todo o momento.

O programa do PSD é mais adequado do que o do Governo do PS, pois tem uma estratégia mais clara, mais bem alinhada com as teorias do desenvolvimento prevalecentes, abarca todos os fundos, tem um orçamento detalhado por programas e fontes de financiamento. Como convém lembrar que, como estamos numa economia de mercado, o PSD atribui prioridade ao setor privado e ao crescimento, ao contrário do PS que dá prioridade à redistribuição a que nos habitou desde 2016, devido à sua aliança à Esquerda. Porém, e o que parece paradoxal, é que no programa de investimentos dá relevância a certos grupos de interesse (por exemplo, à construção e às energias renováveis), onde se afasta de uma política orientada pelo bem-estar económico e social.

A análise da aplicação dos fundos comunitários para 2021-2027 mostra que o Governo PS dá prioridade ao clima, inclusão social e investimento público, enquanto o PSD dá prioridade às empresas, ensino e saúde, e prevê maior cooperação entre público e privado.

Não faz sentido analisar apenas o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), pois este é   contemporâneo com o Quadro Plurianual Financeiro (QPF) dos fundos estruturais (PT30) —e é possível que um dado programa ou subprograma seja incluído em qualquer deles, embora as regras da sua implementação sejam diferentes. Assim, os Quadros 2 e 3 apresentam estimativas dos quadros de aplicação dos fundos comunitários propostos pelos PSD (documentos de referência aqui e aqui) e o programa preliminar apresentado pelo Governo PS a Bruxelas (documentos de referência aqui e aqui, aos quais se junta o Plano Nacional Investimento, 2030, 22.10.2020). O Quadro do PS especifica as rubricas do Plano de Investimento que o Governo já indicou que seriam alocadas ao QPF (PT30). Para que os Planos do Governo e do PSD sejam comparáveis, tivemos de fazer estimativas de aplicação dos restantes fundos estruturais para 2021-2027 (PT30), supondo que a alocação seria semelhante ao do QPF 2014-2020.

Deste exercício tiram-se várias conclusões. Primeiro, o PSD dá uma prioridade claramente maior às ajudas às empresas, nomeadamente através dos apoios às PMEs, à I&D e à capitalização de empresas, disponibilizando mais 4,8 mil milhões de Euros (MME) do que o PS. Confirma-se, assim, que o Governo dá prioridade ao reforço do Estado e aos investimentos públicos. Segundo, o PS tem um montante muito superior na inclusão social (+2,6 MME), que traduz a linha de dar prioridade à repartição em vez de criação de riqueza. Terceiro, o Governo atribui uma maior verba aos investimentos na ferrovia, portos e aeroportos do que o PSD (+2,2 MME), dada a sua preferência pelo investimento público. Terceiro, o Governo dá maiores verbas ao Ambiente e Energia (+2 MME), continuando a dar uma grande prioridade aos programas de descarbonização. Quarto, o PSD propõe maiores verbas para o Sistema de Saúde (+1,8 MME), Ensino e Formação Profissional (1,5 MME), e Recursos Naturais (+1,1 MME). Quinto, a verba para a Política Agrícola Comum e outros fundos para a floresta e mar já estão fechados com a Comissão Europeia, pelo que não se supôs diferença. Também não existem grandes diferenças nas verbas atribuídas à Administração Pública.

Deste exercício tiram-se várias conclusões. Primeiro, o PSD dá uma prioridade claramente maior às ajudas às empresas, nomeadamente através dos apoios às PMEs, à I&D e à capitalização de empresas, disponibilizando mais 4,8 mil milhões de Euros (MME) do que o PS. Confirma-se, assim, que o Governo dá prioridade ao reforço do Estado e aos investimentos públicos.

Políticas setoriais: apoio ao setor empresarial

Façamos uma análise crítica das políticas setoriais dos Planos do Governo e do PSD do ponto de vista das reformas estruturais propostas e dos investimentos planeados. Comecemos pelas políticas de apoio ao setor empresarial, políticas de desenvolvimento das infraestruturas, políticas energética e ambiental e políticas sociais.

O programa do PSD assenta em duas linhas de orientação: medidas de apoio à economia, ao investimento e às empresas, e uma política fiscal que promova a competitividade. Só nas medidas de apoio ao investimento há um aumento de 61,2% em relação ao QPF de 2014-2020. O PSD começa por propor, o que nos parece de elevada prioridade, um programa específico de recuperação económica da crise pandémica aos setores mais afetados, como o turismo e associados e comércio não alimentar. Os dois programas básicos que propõe a médio prazo são o PEDIP 4.0 e o programa de captação de grandes projetos industriais de multinacionais.

O programa PEDIP 4.0, de reconversão da indústria nacional e atração de mais investimento, está baseado no conceito da Indústria 4.0, e assente no reforço/ criação dos clusters de desenvolvimento tecnológico, nas áreas estratégicas e fundamentais para a nossa competitividade: indústria transformadora, têxtil, agroalimentar, floresta, farmacêutica, automóvel, energia, construção, turismo, cerâmica e vidro, e economia do mar. Em vez desta compartimentalização por setores, faz-se uma aproximação horizontal com base tecnológica: reforço da clusterização de base tecnológica (um novo Projeto Porter), robustecendo os clusters tecnológicos em que o país já tenha uma base razoável – materiais, biotecnologia, tecnologias de informação e comunicação, ciências da saúde, aeronáutica, mobilidade – e apoiando o upgrade tecnológico dos clusters ligados aos sectores tradicionais.

Fábrica da Embraer em Évora.

Nuno Veiga/LUSA

O outro programa é o de captação de grandes projetos industriais de multinacionais de reconhecida credibilidade e em que o país já tenha “kow-how” e capacidade científica reconhecida e com escala (primordialmente nos setores farmacêutico, robótica, software, floresta e energias renováveis). A questão da captação de IDE para Portugal, e do tipo que interessa que é o de elevado conteúdo tecnológico, é bastante mais complexa do que se pensa entre nós. Primeiro, Portugal tem de ter uma vantagem competitiva clara em relação a outros países da UE e do mundo. Segundo, tem de haver políticas de contexto, como a carga fiscal, a disponibilidade e qualidade das infraestruturas, que são favoráveis. Terceiro, é fundamental que o Governo tenha uma atitude entusiasta de abertura ao mercado e um track-record de medidas concretas pró-business, para além do respeito pelas regras de conduta em termos de rule-of-law, respeito de contratos e celeridade de justiça. Finalmente, tem de ter um organismo que ande pelo mundo a negociar agressivamente a atração de grandes projetos, como tinha a Irlanda nos anos 1980, com instrumentos fiscais e ajudas que possam fazer a diferença, a nível internacional. Existem estas condições, atitudes e track-record?

Algo mais controverso é o apoio à concentração de empresas. Se é verdade que nos faltam grandes empresas, e aqui distinguiria no setor dos bens e serviços transacionáveis, é sobretudo a falta de médias empresas dinâmicas que faz a diferença. Mas esta fraqueza decorre da fragilidade do nosso tecido empresarial, em que a miríade de pequenas empresas não consegue crescer em dimensão devido a problemas de baixo nível de qualificações da mão-de-obra, insuficiências da gestão, e os custos de contexto. Só atacando estes problemas se levará à densificação da faixa das médias e grandes empresas.

O PSD propõe ainda medidas de redução temporária ou permanente da carga fiscal, sobretudo sobre as empresas. O objetivo é reduzir a carga fiscal dos 35% do PIB em 2019 para 32% do PIB em 2030. Em particular, reduzir a taxa marginal máxima de IRC de 31.5% em 2020 para um valor abaixo dos 25% em 2030. Também é importante, na fase de recuperação, incentivar o investimento produtivo através de créditos fiscais ao investimento, à semelhança do regime do Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento, implementado em 2013.

Algo mais controverso é o apoio à concentração de empresas. Se é verdade que nos faltam grandes empresas, e aqui distinguiria no setor dos bens e serviços transacionáveis, é sobretudo a falta de médias empresas dinâmicas que faz a diferença. Mas esta fraqueza decorre da fragilidade do nosso tecido empresarial

O PS não só propõe um envelope financeiro bastante mais reduzido no apoio às empresas, como um programa de industrialização que nos parece focado nas prioridades erradas. Por exemplo, afirma que vai “apostar na reindustrialização do país e desenhar fileiras estratégicas associadas às energias renováveis, ao hidrogénio verde, à bioeconomia sustentável, aos recursos minerais e ao mar, garantindo a descarbonização das atividades e assegurando uma transição justa.” (p. 69). Ora para um setor ser um motor de desenvolvimento não só tem de ter um mercado e procura em forte expansão e em que pode afirmar-se em termos de concorrência internacional, pelas suas vantagens competitivas, como ter capacidades tecnológicas de o desenvolver pela deteção de qualificações ou técnicas específicas ao setor. Não vemos que em nenhum dos setores apontados estas condições estejam satisfeitas. Criem-se as condições institucionais propícias ao desenvolvimento das empresas e inovação e deixemos ao mercado a definição das oportunidades.

Políticas setoriais: desenvolvimento das infraestruturas

Ambos os programas (governo e PSD) dão prioridade à ferrovia. O desenho da rede transeuropeia aprovado nos anos 2000 contém as ligações de Lisboa-Sines a Badajoz, e do Porto-Aveiro a Salamanca, e à ligação de Lisboa a Porto. O PSD propõe a implementação destas rotas em bitola europeia, para facilitar a ligação ao centro da Europa, enquanto o PS só considera a bitola ibérica. Não se compreende a opção pela bitola ibérica, que já foi abandonada pela própria Espanha na rede de alta velocidade (AV).

Contudo, existe um problema fundamental. É que, até à data, a Espanha não construiu ligações em bitola europeia à ligação do Norte nem do Sul. Está em construção a ligação em AV até Badajoz, mas não na linha de Salamanca. Esta falta de coordenação é grave e põe em causa os tempos para os planos portugueses.

IAN LANGSDON/EPA

A proposta de orçamento do PSD é claramente insuficiente, ao destinar 1,5 MME à linha Lisboa-Porto, e cerca de 800 ME ao corredor do Norte e 500 ME ao corredor do Sul. Só através de PPPs, o que já se fez em França, com subsídio fixo à construção, seria possível fazer estes projetos com estes orçamentos do Estado. O PS projeta um envelope global de 5,8 MME, o que sendo superior é mesmo assim insuficiente. Só esta verba seria o necessário para uma linha de alta velocidade entre Lisboa e Porto.

Mas o problema mais complicado é a rentabilidade da construção de uma nova linha de alta velocidade para substituir a atual entre Lisboa e Porto. De facto, o Pendolino já tem uma velocidade semelhante a muitas linhas europeias. Um recente relatório da Autoridad Indepiendente de Responsabilidad Fiscal espanhola, semelhante ao nosso Conselho de Finanças Públicas, fez uma análise do programa ferroviário espanhol de alta velocidade, que é o maior do mundo em termos per capita, e o segundo em extensão só abaixo da China. Todas as linhas de alta velocidade têm uma avaliação dos custos e benefícios negativa. Por exemplo, a linha do Norte que liga Madrid a Leon e Valladolid tem uma diferença entre os custos e benefícios de -5,7 MME, uma TIR de -0,21% ou um rácio de benefícios sobre custos de 0,6. Também conclui que a rede em nada contribui para a coesão social e territorial de Espanha. E não vemos como ganhar 30 ou 40 minutos nesta ligação contribua para melhorar a produtividade das empresas portuguesas. O mesmo já não se pode dizer de uma ligação ao centro da Europa de uma linha mista de passageiros e mercadorias, que possa reduzir o tempo de transporte e reduzir o tráfego rodoviário pesado, com forte redução de emissões.

Um recente relatório da Autoridad Indepiendente de Responsabilidad Fiscal espanhola, semelhante ao nosso Conselho de Finanças Públicas, fez uma análise do programa ferroviário espanhol de alta velocidade (...). Todas as linhas de alta velocidade têm uma avaliação dos custos e benefícios negativa.

Políticas setoriais: políticas energética e ambiental

Em Portugal, não existe uma política energética que tenha como objetivo a minimização dos custos para a economia, dadas as restrições climáticas. Não só pretendemos ser o campeão mundial das renováveis, como não nos preocupamos com os custos para as famílias e empresas têm de suportar.

O PNEC apresentado pelo Governo à Comissão contém uma meta de renováveis superior a 17 pontos percentuais acima do esperado por uma norma em que as emissões estão dependentes do nível de rendimento. E o PNEC não contém nenhum preço ou custo associado: ignoramos a economia correndo riscos incalculáveis. Por exemplo, o plano espanhol, que também é ambicioso, não deixa de conter objetivo de redução dos preços de 30% até 2030. Os planos dos países da Europa do Leste têm como objetivo subordinar a política climática a manter a competitividade da economia. E estes estão-nos a ultrapassar na corrida do desenvolvimento. Os nossos dirigentes e partidos ainda não compreenderam que o problema climático é planetário e que Portugal só contribui com 0,17% das emissões, pelo que estamos a fazer um esforço desmesurado, quando a pobreza ainda atinge 20% da população portuguesa.

O PSD tem uma política que não alinha com esta visão, e reconhece-se que está sujeita a correntes conflituantes de pensamento internas. Apenas se distingue no assento tónico na eficiência energética, que é uma política que pode contribuir para a redução dos custos das famílias e empresas. Porém, propõe um investimento que nos parece excessivo. Há formas com maior racionalidade económica de promover a eficiência energética sem recorrer a subsídios — como, por exemplo, constituir fundos que apoiem estes projetos, que se autofinanciam pelas poupanças conseguidas.

Wind Energy

dpa/picture alliance via Getty I

Mas o Plano do Governo PS é muito mais grave, pois além de o PNEC ser contra o crescimento da economia, ainda propõe um projeto megalómano e que implica um total desperdício de recursos, que é o Plano do Hidrogénio. No Manifesto que assinámos, expõem-se as razões desta posição. A tecnologia está imatura e apresenta riscos tecnológicos elevados, a sua adoção conforme os planos do Governo fará subir os custos do gás natural cerca de 20% a 30% e os custos finais de eletricidade em taxa semelhante, sem que se possa antever uma redução significativa das emissões na pegada final do carbono.

Políticas setoriais: políticas sociais

Perante a crise pandémica grave que atravessamos, o Plano do PS para a saúde é manifestamente insuficiente. Propõe a reforma dos cuidados primários de saúde do SNS com vista a uma melhor harmonização e integração, e reforma dos serviços de saúde mental. O envelope financeiro é de uns meros 463 ME. Propõe também uma verba de 196 ME para equipamento dos hospitais da grande Lisboa e uma verba de 205 ME para a rede de cuidados continuados e paliativos, o que é muito reduzido perante as necessidades. No PIN não se inclui qualquer investimento em novos hospitais.

O PSD propõe a Construção de seis novos hospitais (Lisboa – Todos os Santos, Algarve, Évora, Gaia, Madeira, Póvoa de Varzim/Vila do Conde) em regime PPP, quer para o edifício, quer para a gestão dos serviços médicos. Em Coimbra, construir uma nova maternidade. Os encargos orçamentais adicionais são apenas na renda dos edifícios, dado que os serviços médicos já são prestados nos hospitais antigos (existindo até uma ligeira poupança por via da melhoria da eficiência dos contratos PPP). Assim, para a expansão do Serviço Nacional de Saúde propõem-se 1 MME. Para as redes de continuados e paliativos e saúde mental 1,5 MME, bastante acima do PS. Propõe-se também o cofinanciamento de 300 ME para os setores de saúde privado e social.

Perante a crise pandémica grave que atravessamos, o Plano do PS para a saúde é manifestamente insuficiente. Propõe a reforma dos cuidados primários de saúde do SNS com vista a uma melhor harmonização e integração, e reforma dos serviços de saúde mental. O envelope financeiro é de uns meros 463 ME.

À semelhança da saúde, o PSD tem um programa para a educação bastante mais desenvolvido que o do PS. No PRE propõe reforçar a mobilidade e flexibilizar os percursos académicos na escolaridade obrigatória, expandir a oferta de alojamentos, equipamento científico, encorajar a I&D nas empresas, doutorados nas empresas, ligação empresas-universidades, internacionalização das universidades. Quanto aos QPF, propõe qualificar o ensino profissional e definir especialidades, equipamentos informáticos e científicos das escolas do ensino básico. O envelope financeiro proposto é de 5,5 MME.

O PS também propõe no PRE um programa de modernização do ensino profissional e competências industriais de 1,1 MME. E se supusermos a mesma afetação das verbas dos fundos estruturais, a educação poderá vir a receber cerca de 4,4 MME, que nos parecem insuficientes para responder ao grande desafio de formação do capital humano, em que o gap em relação à Europa de Leste continua a ser monstruoso.

Quanto à habitação social, o PSD propõe um programa de arrendamento de Imóveis Públicos Devolutos, consistindo na mobilização de imóveis públicos devolutos para cumprir a função social da habitação. Pretende-se que cada obra lançada sobre propriedades públicas para efeitos de arrendamento acessível se pague a si própria com as rendas que gera. A ideia é interessante, mas depende da localização e caraterísticas dos edifícios. Em muitos deles, mais valerá vendê-los e com as receitas construir habitação social. O PS tem um programa de construção de habitação social e de alojamento temporário pelo Estado de 1,6 MME, que é manifestamente insuficiente para resolver o problema de cerca de 40 mil famílias que vivem em condições precárias nos centros urbanos.

Zona de habitação social em Marvila, Lisboa.

TP/LUSA

Conclusões e follow-up

Em conclusão, os dirigentes políticos portugueses continuam a ignorar as técnicas económicas modernas de avaliação de projetos benefícios e custos, com consequências graves para o bem-estar e crescimento. Deste facto decorre que os programas do Governo PS apresentem dois projetos de rentabilidade negativa, representando cerca de 30% do total, que irão desperdiçar recursos do País. Investe-se para reduzir o horário da ligação ferroviária Lisboa-Porto em 30 minutos, em vez de se apoiar o reforço da capacidade produtiva das empresas, tornando a economia mais competitiva. Investe-se no projeto megalómano e imaturo do hidrogénio, em vez de se utilizar os 7 MME em projetos da saúde, educação e redução da pobreza, que são essenciais para recuperar a economia e cortar o atraso que nos separa da UE.

No importante domínio das reformas estruturais, não se vislumbra nos programas apresentados pelo PS, que vão na tradição dos planos nacionais de reforma apresentados a Bruxelas, qualquer progresso. São centenas de medidas sem hierarquia e sem rigor metodológico que não têm tido qualquer impacto significativo na modernização económica e social do país. A principal medida do Governo PS tem tornado o mercado do trabalho mais rígido a favor dos trabalhadores com contratos permanentes e em detrimento dos jovens, desempregados e trabalhadores precários, dificultando a flexibilidade do ajustamento tão necessário na recuperação económica. Outra medida tem sido a subida do salário mínimo que terá neste momento um efeito limitado sobre a redistribuição do rendimento, mas com efeitos negativos sobre a competitividade. Não houve redução da carga fiscal, e reduziu-se a eficiência das despesas públicas aumentando a cobertura de centros de saúde, escolas, tribunais, câmaras municipais, etc., com efeitos discutíveis em termos de melhoria destes serviços à população. E nada se tem feito a favor da sustentabilidade da segurança social. Os relatórios da Comissão Europeia sobre as medidas estruturais apresentadas pelo Governo são muito críticos, embora sem consequências práticas.

Os dirigentes políticos portugueses continuam a ignorar as técnicas económicas modernas de avaliação de projetos benefícios e custos, com consequências graves para o bem-estar e crescimento. Deste facto decorre que os programas do Governo PS apresentem dois projetos de rentabilidade negativa, representando cerca de 30% do total, que irão desperdiçar recursos do País

A Comissão Europeia tem de modernizar os seus métodos de supervisão da aplicação dos fundos comunitários, exigindo a países métodos de planeamento e avaliação de projetos. Já fez algum progresso no QPF 2014-2020, no qual exigiu pela primeira vez mecanismos de avaliação e controle dos programas, mas ainda falta muito a fazer.

Está em causa o futuro do país e a resposta a uma das maiores crises que Portugal já enfrentou. Serão os líderes políticos capazes de responder a estes desafios? Um dia a História os julgará.

Professor Universitário de Economia. Doutorado pela Universidade de Pennsylvania, EUA. Foi economista sénior do Banco Mundial e administrador do Banco de Portugal. Presidiu à Autoridade da Concorrência

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