Kléber Mendonça Filho está habituado a grandes e a pequenos festivais, um pouco pelo mundo inteiro. O realizador brasileiro de filmes como “Bacurau” (2019) ou “Som ao Redor” (2012) viaja com os dois filhos e a mulher, deixa-se fotografar, dá dezenas de entrevistas, de semblante sereno, como alguém que habita aquele espaço por prazer mas também por obrigação. De quem quer estar mas que tem de aceitar que as regras do jogo nunca lhe poderão mudar o feitio. Parece que nunca sai de si, das suas origens, não esquece. O Observador falou com ele em dois momentos: na edição deste ano do Festival de Cannes, que decorreu em maio e no Curtas Vila do Conde, em julho, a propósito do secu mais recente filme, “Retratos Fantasmas”, um embrulho de afectos em três actos que envolve o cinema da sua casa e do seu Recife. Um documentário que é a sua melhor ficção ainda que, a certa altura se oiça, entre as várias imagens de arquivo que nos surgem, que “as ficções são os melhores documentários”. Estreia-se hoje em simultâneo em Portugal e no Brasil.
“Retratos Fantasmas” começou a surgir-lhe há muitos anos. Não era para ser um documentário, nem sequer uma longa-metragem. Mas a vida tem destas coisas, de nos dar a volta e dar novos significados ao que já parecia esquecido. Foram filmes como “Visita ou Memórias de Confissões”, de Manoel de Oliveira, que o empurraram a abrir um baú de memórias que parte, em primeiro lugar, de um apartamento onde a sua mãe Joselice Jucá, em Pernambuco, no bairro de Setúbal, reconstruiu a sua vida. Foi aí que Kléber Mendonça Filho se fez cineasta, ao utilizar aquele espaço — e tudo o que está à volta dele, como a casa dos vizinhos — como escola para aprender sobre a arte de filmar. E foi nesse revisitar daquela casa, que descobriu, sempre do seu ponto de vista, do impacto e da influência que quatro paredes podiam ter. Do cão dos vizinhos, nunca em casa, que passava os dias a ladrar. Dos gatos que desafiavam as leis da vida ao vaguear pelos espigões, das fotografias fantasmagóricas, das obras que o seu irmão executou, ao estilo de Oscar Niemeyer, e das cenas de terror que filmou com amigos, usando uns efeitos mal amanhados. Cómico e trágico, quente mas quente.
E é quando o realizador do Recife volta a olhar para esses arquivos, seus e de outros, que percebe que tem algo maior em mãos. Foram sete anos de recolha de informação. “Quando tinha 17 minutos foi a primeira vez que decidi que tinha algo aqui. Chamei uns amigos e os meus filhos e viram. Com essa reacção, entendi que estava a tentar apresentar a minha mãe, a avó deles, a eles, que já faleceu há 27 anos. Nunca a conheceram. Estava a fazer os “Retratos Fantasma” também para apresentar a avó e o Recife aos meus filhos que nunca conheceram”, conta.
[trailer oficial de um dos filmes de Kléber Mendonça Filho, “Som Ao Redor”]
Mas Kléber Mendonça Filho não se dedicou só a esse lado mais pessoal, levou “Retratos Fantasmas” ao centro do Recife, sempre com a sua narração, onde as salas de cinema eram autênticos espaços de encontro de diferentes gerações, do cinema São Luiz ao Arte Palácio, do Veneza ao Trianon, povoados por personagens peculiares como o senhor Alexandre, já falecido, que trabalhava na projeção de um desses lugares fechado em 1992, e que endoideceu ao exibir tantas vezes “O Padrinho” (é ele que o diz de viva voz). Faz-se aqui um raio-x a uma cidade que não volta mais mas que resiste, onde as igrejas evangélicas se apoderaram de alguns dessas salas, em que a fé à cinematografia de Alfred Hitchcock foi substituída por uma fé divina, que tanto tem influenciado a cultura brasileira. “A primeira imagem do filme é uma igreja numa praça. Gosto das pessoas se juntarem num lugar para storytelling. Uma missa é storytelling, histórias da Bíblia. Guardo do catolicismo essas memórias, de comicbook, de Jesus Cristo com a lança no peito e do sangue. Há muito em comum entre a igreja e o cinema. Destrói-se uma igreja anglicana para fazer um filme e depois a Igreja evangélica toma um cinema. Muito perverso”, conta.
Quando “Retratos Fantasmas” abre portas, torna-se ainda mais uma ficção, que vai beber também a Brian de Palma ou a Agnés Varda. Há uma constante homenagem a quem lhe é próximo e a quem o aproximou do cinema. Tudo é, de certa maneira, familiar, do arquivo às imagens de agora, da assustadora e espiritual cena de Carnaval, ou a constante conexão entre este documentário e as suas obras anteriores. Das cenas de espionagem, com nazis e Segunda Guerra Mundial no pano de fundo. Ou mesmo quando vemos uma senhora dentro de uma cabine onde se compram os bilhetes, com uma máquina pitoresca, impossível de ser usada hoje em dia, que nos diz tanta coisa: que o tempo não volta para trás, e que o realizador, apesar de sentir falta daquele Recife, ainda o leva consigo para onde for.
E tudo nesta conversa com o Observador sobre cinema, entre Cannes e Vila do Conde, viajou à volta dessa sétima arte. Falou-se também de Lula da Silva e do que anda a fazer para retomar o que se parou nos anos de Bolsonaro. Do ingrato que é dedicar-se só a curtas-metragens. Do que já foi como crítico e do que é a crítica do presente. Das semelhanças entre os pernambucanos e os portugueses. Da colonização e de como o cinema deve olhar para ela e retratá-la. E daquela fotografia, uma das que surge no apartamento, onde se vê, imagine-se, um fantasma. Ainda hoje Kléber não tem justificação. Nem tudo tem, de facto, explicação. “Se continuar a fazer coisas em que acredito, tal como o “Retratos Fantasmas”, que é muito honesto, sendo ficção ou documentário, vou conectar-me ao que importa”, finaliza. Terra a terra, claro está, do sul de França ao norte de Portugal.
[trailer oficial de “Retratos Fantasmas”, novo filme de Kléber Mendonça Filho]
Porque é que lhe fazia sentido que “Retratos Fantasmas”, um filme tão caseiro e pessoal, estivesse num dos festivais mais importantes e elitistas do mundo?
Em 2015 estava em pré-produção para o “Aquarius”, e, um dos últimos filmes que vi aqui, foi o “Visita ou Memórias e Confissões”, do Manoel de Oliveira, que ele não queria que as pessoas vissem assim que estivesse feito, porque achava que ia morrer nos anos 80 e acabou a ter uma segunda carreira maravilhosa. Quando o Manoel morreu, o filme foi apresentado em Cannes. Sempre gostei do filme, amo-o. Foi dos que me deu uma base emotiva para fazer o meu. Depois, gosto muito de uma certa dinâmica, de ter feito o “Bacurau” e agora este, antes o “Som ao Redor”, de todos estarem interconectados. Nunca pensei em termos de escala para o exibir. Este festival exibe o Scorcese de 200 milhões de euros e o meu de 200 mil euros [ri-se].
Isso é bem verdade. Não se sente impotente ao perceber que o tempo que filma do Recife já não volta para trás?
Claro. Quando perdemos alguém amado e querido, há uma sensação de impotência. O cinema tem a capacidade de registar imagens, lugares e pessoas. Posso pular dez ou quinze anos na minha sala da minha casa só com um ou três cortes. Ou na ponte da Boavista, no centro do Recife, que é filmado há mais de cem anos. Quais os pontos de vista desse lugar, os materiais de gravação (“film stocks”), há VHS, 35 mm, Super 8, fotografia. Cada imagem traz a carga daquele tempo. Há um homem a urinar, no final dos anos 80, em VHS, e isso é uma imagem muito dessa altura mas, hoje em dia, os homens ainda urinam na rua. O cinema é muito bom a conseguir registar fragmentos do tempo. De uma maneira que só acontece na nossa cabeça. Podemos entrar nesta sala e perceber que há dois anos, antes da pandemia, entrevistei aquele realizador. Pode ser uma maneira de lidar com essa impotência de que falou.
Que importância têm pessoas como o senhor Alexandre, que trabalhava num dos cinemas que visitou para o seu filme, no seu próprio cinema?
Todas fazem parte da minha vida. Sinto uma enorme saudade do senhor Alexandre, que já morreu há 20 anos. Era muito especial e generoso. Peculiar e bondoso. Achei que devia estar no “Retratos Fantasmas” por ser assim. Uma boa história tem bons personagens, é muito simples. Nunca colocaria alguém de quem não gosto nos meus filmes. Depois há a questão da minha família, que também entra. O meu irmão jovem a fazer um projeto da casa que parece Oscar Niemeyer. São pormenores que nem tinha pensado. Ele não faria isso hoje, mas fez com 20 anos. É um bom arquiteto e urbanista.
Teve muitas vezes esses momentos de surpresa quando remexia nos arquivos?
Sim, porque as imagens guardadas passam por muitas mudanças. É a mesma imagem, mas porque tu mudas à volta da imagem. Uma fotografia de um ano pode não te chamar muito a atenção, mas passados 12 anos, agrega uma carga de tempo. Foi isso que aconteceu com o filme. As imagens do Arte Palácio, do Senhor Alexandre, nos anos 90, não me chamariam tanta a atenção. Mas quando as revi há cinco anos achei que eram muito fortes. A bilheteira intacta dos anos 40, por exemplo, com a senhora a operar aquela máquina registadora. Hoje compramos o bilhete umas horas antes, ali não, era na hora. Muito táctil. A imagem agregada tem peso e tempo. E percebi que tinha um retrato histórico, aos poucos, que podia ser algo de interesse para algumas pessoas.
Já conseguiu perceber quem é aquela figura fantasmagórica que surge num retrato que mostra em sua casa?
Não, até hoje não sei o que é aquilo. Na época não sabia e agora também não. Pode ser uma dupla exposição, mas, mesmo assim, não sei quem é aquela pessoa. Muito estranho.
Tenho encontrado muitos brasileiros aqui que me dizem que o Brasil está de volta também ao cinema. O país consegue retomar a força que já teve junto do cinema europeu e mundial depois dos mandatos de Bolsonaro?
O processo de desenvolvimento de obras de expressão artística não é uma matemática pura. É orgânica. Precisamos de entender os sete anos do Bolsonaro, da destruição que começou com o golpe de 2016. Tem de se perceber o que esses anos fizeram na cabeça de quem escreve e filma. Os meios de produção e apoio voltaram agora, foram normalizados. Quase como uma máquina desligada da parede que se voltou a ligar. Ontem na sessão oficial destaquei a presença da secretária do audiovisual, porque fazia sentido destacar mas é normal. É bom e natural e assim é que deve ser. O que não é natural é um ministério da cultura que tinha constrangimento da participação dos filmes brasileiros em Cannes, como aconteceu comigo, com o “Aquarius” e o “Bacurau”. Não queriam que acontecesse.
Porquê?
Lembro-me de um filme de um amigo meu, o “Joelho de Ahed” do Nadav Lapid, estava no júri e quando ele passou, percebi que estavam lá pessoas que trabalhavam com cultura e odeiam a cultura. Acontece com governos fascistas. Agora voltou a normalidade porque há quem goste e entenda a cultura. Essa é a grande diferença. Como um engenheiro que não gosta de prédios e faz tudo para que eles caiam.
Queria perguntar-lhe sobre o cinema português, que costuma marcar presença em Cannes. Como olha para ele?
Com muito interesse. Tem um olhar e uma cadência muito particular. O filme do João Pedro Rodrigues, o “Fogo Fátuo”, é totalmente incomum e divertido. Não é o tipo de coisa que se compra na farmácia. Posso falar o mesmo da trilogia do Miguel Gomes. Existe um cinema português comercial que não conheço, só conheço os prestigiosos que viajam pelos festivais e chegam ao Brasil. Já fiz uma retrospectiva dos filmes do João Pedro Rodrigues que fez com o João Guerra, no Instituto Moreira Salles. Estou muito curioso para saber o que o Miguel Gomes vai fazer. O cinema português tem um toque, uma certa cadência peculiar.
Parece que não tem género.
Tem muita personalidade. Os bons filmes, pelo menos. O João César Monteiro tinha muita personalidade. São filmes que não se esquecem. Como se fosse um canto do mundo que tem um olhar próprio e, ao mesmo tempo, ficas a entender como se formam esses filmes.
Portugal tem falado um pouco mais a sério sobre a colonização. É possível estabelecer um diálogo sobre este tema através do cinema?
Essa conversa tem de existir. E tem de existir pelas imagens. Um bom filme, feito com inteligência, pode ser muito contundente e construtivo. Mesmo que destrua. Que repense a história. Pode ser muito forte. As questões com Portugal são dolorosas e violentas. O cinema português tem muito trabalho a fazer nesse sentido. O Pedro Costa tem algo de interessante sobre isso, com aquela personagem maravilhosa, a Vitalina Varela. Muito bonito. Não tenho muito que falar sem ser como observador, que quero ver o que vai ser feito. Talvez uma nova geração faça isso. A França já o faz, a partir dos anos 90. O “Cachet”, por exemplo, foi bem chocante quando estreou. Estava aqui em Cannes, era crítico de cinema. Como observadores temos de ver o que os portugueses vão fazer com esse passado. Mas o facto é que muito pouco foi feito até agora a partir do cinema português.
Voltemos a “Retratos Fantasmas”. Nota-se a influência que a sua mãe teve na sua vida e neste documentário. Que cinema é que partilhavam?
Ela falava-me sempre do “Vertigo”. Quando o vi, já tinha morrido, e era como se já conhecesse o filme. Também me falou do “Rear Window”, que vimos juntos. Passei a infância com esses dois filmes. Era obcecada com esses filmes. Alguns detalhes estavam até equivocados, o que é maravilhoso. Falava muito da escada, que é o final do “Vertigo”. Adorava o Milos Forman, o “Hair”, não vi porque não tinha idade.
Outro grande realizador que surge referido é o Alfred Hitchcock. Essa imagem de que fala de ver o Hitchock de joelhos como se estivéssemos numa igreja, é meio perversa.
Uma grande ironia. A primeira imagem é uma igreja numa praça, gosto das pessoas se juntarem num lugar para storytelling. Uma missa é storytelling, histórias da Bíblia. Guardo do catolicismo essas memórias, de comicbook, de Jesus Cristo com a lança no peito e do sangue. Há muito em comum entre a igreja e o cinema. Destrói-se uma igreja anglicana para fazer um filme e depois a Igreja evangélica toma um cinema. Muito perverso.
[em Julho, o Observador voltou-se a encontrar com o realizador brasileiro no teatro municipal de Vila do Conde]
Kléber, voltamos a conversar mas com um pouco mais de tempo, aqui em Vila do Conde. Fiquei com muitas perguntas para lhe fazer. Tem já um registo adorado nas longas-metragens mas começou nas curtas. Pensa voltar? E o que é que as curtas lhe trouxeram além de prestígio?
Na verdade, quando me lanço para um filme estou sempre aberto para entender o que será esse filme. Durante o “Retratos Fantasmas” comecei a montagem a achar que não teria a certeza que seria uma longa. Porque, por vezes, perde-se a noção de volume e que se traduz em tempo. Quando começo a falar na minha casa, no apartamento da minha família, não sabia se seria interessante o suficiente para continuar. Essa sequência durou 24 minutos, o que é uma boa curta. Só que depois senti que podia sair de casa, que estava pronto. No “Som ao Redor” tive um momento em que não aguentava estar mais naquela rua, e daí vou para a fazenda, no interior de Pernambuco. Criativamente senti-me mais aliviado. É a mesma sensação com este documentário. Mas as curtas é uma possibilidade. Fazer um filme é como escolher a roupa para sair. Se hoje estão 26 graus, vou de uma forma. Se estivessem quatro graus, ia com outra roupa. Uma curta pode atender a todas as suas necessidades para aquele momento. O “Retratos Fantasma” vem da Copa do Mundo no Recife, de um filme que fiz com 14 minutos. Levou-me a fazer este documentário inclusivamente com a minha voz. É a primeira vez que a uso. Existe uma diferença entre o que sinto em relação a curtas e o que a sociedade sente. Fiz curtas muito bem sucedidas, no entanto, notei que não era levado a sério. Um cidadão de segunda, tratado com desprezo.
É o que acontece também em Portugal.
É. Só que me deram muito prazer. Quando fiz a minha primeira longa, que teve uma atenção muito maior do que as minhas curtas, entendi isso da maneira mais cruel.
Isso desiludiu-o?
Em relação às curtas, sim. Senti-me triste com a ideia da curta-metragem. Porque agora estava a ter uma adoração que não tinha tido, apesar de ter sido muito bem tratado. Com longa parece que as pessoas te estavam finalmente a respeitar. A minha primeira longa está cheia de pedaços das minhas curtas. Mas sim, esse formato é uma possibilidade real sempre. Não tenho nenhum problema em voltar a ela.
Os novos autores batalham-se muito por fazê-las. Colocam-nas em festival, mas tem uma vida curta. Da sua experiência, como é que se resolve esse dilema? Em Portugal só este ano é que tivemos uma curta-metragem programada sozinha numa sala comercial, o “Ice Merchants”.
Sou programador no Instituto Moreira Salles. Gosto muito de surpreender o público com curtas, que são programadas, de maneira inesperada, com longa. Se for feito com coração e de maneira inteligente, encontra-se o seu espaço. Por exemplo, existe uma lei que não é cumprida, mas nos anos 80 era. Mas era mecânico. Ias ver o “Start Trek 2”, e antes passava uma curta sobre o processo de higiene do leite [ri-se]. Era uma sabotagem para dizer: curtas não são boas. Porque não programar um filme de ficção cientifica do Ivan Cardoso daquela época com o “Star Strek 2” para as pessoas dizerem: ‘uau, o que é isto?’. Gosto dessa combinação e há quem faça. Se for bem programado, é incrível. Claro que existem curtas e longas horrorosas. No Brasil, o “Eletrodoméstica” viajou dois anos. Até a cópia estar quase como se tivesse passado um triturador.
É muito tempo.
Sim. Tem muitos festivais, pequenos e outros numa praia no norte do Ceará, com uma tela ao pé dos coqueiros. É maravilhoso. Mas é um circuito restrito. Existe um mundo da curta-metragem. Quando se é curta-metragista, fica-se em hotéis mais baratos. É completamente absurdo. Quando era crítico, dizia que existiam longas que deviam abrir para curtas.
Ui, perigoso. Deve ter chateado muita gente.
Chateou, sim. As curtas da Agnés Varda são maravilhosas, por exemplo. Surgiram-me sempre no “Retratos-Fantasmas”.
Falemos dessa vertente de crítico. Tem um filme antigo, o “Crítico”, de 2008, onde fez um roteiro com entrevistas a realizadores. Agora está no lugar do entrevistado. O que é que esse Kléber de agora diria ao Kléber entrevistador?
Pergunta muito difícil porque quando entrevistava, acho que conduzia uma boa conversa mas, muitas vezes, não tinha muito que perguntar. Ou tinha um desprezo tão grande por aquele cineasta ou uma grande admiração, que nem sabia por onde começar. Era muito complicado entrevistar. A entrevista podia vir do que tu querias ou do que te ofereciam.
É o melhor para mim. Um jogo.
Por vezes. Uma conversa com o Baz Luhrmann sobre “Moulin Rouge” pode ser maravilhoso mas não saberia o que perguntar.
Digo isto porque quando se entra no sistema, pode-se desiludir.
Não tenho desilusões com o cinema, mas o que acho perturbador é a parte relacionada de se lidar com pessoas da indústria nos Estados Unidos da América. É a parte mais difícil. É muito fantasmagórica, de perceções do cinema e de elogios fáceis. Tudo muito para cima. Quando começam com o “this is so exciting!”, aí desligava.
Aconteceu-me quando estava em Cannes e ficavam maravilhados por ser português. Ficava muito assustado.
[ri-se] “Portugal has journalists, i thought it was just about wine”.
É isso, é.
Se continuar a fazer coisas em que acredito, tal como o “Retratos Fantasmas”, que é muito honesto, sendo ficção ou documentário, vou conectar-me ao que importa. Mesmo que tenha essas reuniões com os EUA, que também tem gente interessante. Mas a linguagem da indústria cansa-me muito e tira-me energia.
Falemos destes dois blockbusters que estrearam este verão: “Barbie” e “Openheimer”. Fala-se muito na salvação da indústria contra os streamings. Têm de ser os americanos a salvar isto tudo?
Acho que tudo tem de contribuir. A atenção dada ao “Missão Impossível” vem com a quantidade de dinheiro dada à promoção desse filme. Falei com uns amigos para alguém desenvolver uma tese de mestrado e pegar em todo o sistema de divulgação destes filmes agora, do “Indiana Jones” à “Barbie”, porque é muito impressionante. Nós também estamos a preparar essa divulgação com este pequeno filme. O Christopher Nolan diz que duas pessoas que viram o “Openheimer” ficaram fodidas e toda a gente fala disso. Dos jornais aos influencers. É o realizador que diz isso. Não devia ser notícia.
Tom Cruise ficou chateado com a estreia destes dois blockbusters.
Ou ele comprar o bilhete para estes dois filmes. Ou a casa da “Barbie” gastou todas as tonalidades de rosa [ri-se].
Também vi essa notícia.
A cópia de 70 mm tem onze quilómetros. “What the fuck?” O que é que posso inventar em relação aos “Retratos Fantasmas”. Que fiz scan a 300 fotografias para o filme?
Tem de fazer algo polémico.
É. Muito estranho. Prefiro achar que o cinema continua a ser o Tom Cruise, o Jonathan Glazer a fazer um filme sobre coisas que não são mostradas como o “Zone of Interest”, “Retratos Fantasmas” que fala de arquivos de família, o festival de Vila do Conde que continua a atrair cineastas do leste europeu e da América Latina. Tudo isso é o cinema. Trabalho com programação, recebo filmes no meu telemóvel, que vejo nos transportes públicos. Vejo Netflix em HDR. Filmes que recebo em cópia 35 mm, que não roda a vários anos e que posso ver na sala depois de uma revisão. O nível de atenção é que continua a ser dado a grandes produtos. O “Indiana Jones” é um fracasso porque não atingiu as metas de uma empresa.
Que para si são impossíveis.
Sim. Será que, quando todas as contas forem fechadas, será mesmo um fracasso? Talvez não. Esse filme é uma proposta estranha, não achei mau, porque se gastou 300 milhões para fazer algo sobre envelhecimento, o herói tem 80 anos. O Indiana acorda de um sonho, a mulher chega e tem 75 anos. Muito estranho. O público alvo tem doze anos, não entende nada daquilo.
A mensagem é profunda.
Estranhamente, sim.
O papel do crítico que, hoje em dia, é partilhado por toda a gente. O modelo tradicional vai desaparecer?
A crítica nunca irá embora. Na semana da estreia do “Openheimer” em Imax, em Paris, estavam à procura das primeiras impressões dos críticos dos jornais principais, do Le Monde ao New York Times. A presença de uma massa crítica continua a insistir, mas migra para o Letterbox. Começa-se a identificar algumas pessoas interessantes, e, de repente, essas pessoas vão ser coptadas pelo mercado. Quero que nas peças de promoção do meu filme se fale nos jornais tradicionais e depois apareça um fulano interessante no Letterbox. Talvez até colocá-los em terceiro lugar. Tem gente interessante lá, realmente. A ideia da crítica continua a ser mal paga mas são muito usados.
E como está no Brasil?
É bem triste, 200 milhões de habitantes sem uma revista de cinema e poucas revistas digitais de cinema. Os espaços nos jornais diminuíram muito. Em grande parte, temos os mesmos críticos que tínhamos há 30 anos. Também temos nomes que entram e saem, não se sabe de onde vieram nem para onde vão. Essas pessoas não trilharam um caminho que os levasse a estar naquele jornal, para escrever naquele momento.
Está mais virado para as redes sociais.
Com certeza que não se vê muito estofo no que é escrito mas depois escrevem num espaço muito nobre. É muita responsabilidade. Para o bem e para o mal.
A estreia do seu filme acontece em simultaneamente em Portugal e no Brasil. Fiquei contente com essa aposta porque não sabia se ia estrear cá quando voltei de Cannes. Que receção é que o público português faz ao seu cinema?
Há uma mistura muito curiosa para mim, que sou brasileiro, porque é impossível ignorar o facto de existirem muitos brasileiros cá. Interagem com os amigos portugueses, é como se tivessem três camadas de público quando veem os meus filmes. Essa camada é difícil de perceber mas vê-se num Q&A, numa crítica ou nas redes sociais. Quando penso em França, penso nos franceses, no que aquela sociedade complexa é. Quando penso em Portugal penso nessas camadas. Há uma aproximação da língua e de um Brasil, e aí talvez me possa corrigir, que nas últimas quatro décadas meio que devolveu a colonização. Recolonizou Portugal.
Somos muito mais influenciados pela vossa cultura. Quando fui ao Rio de Janeiro senti que não queriam saber de mim. Acho que é injusto, tendo em conta o nosso passado.
Certo. É curioso a parte da teledramaturgia. Não eu mas o brasileiro médio tem um problema nos ouvidos para o sotaque português e o português não tem isso. Talvez pela natureza do sotaque e das novelas dos anos 70. A Sónia Braga fechou o vosso parlamento com o último capítulo da “Gabriela”. Já me contaram essa história várias vezes, é fascinante. Essa abertura do ouvido é muito interessante para esta colonização brasileira da cultura portuguesa.
Queria voltar a um tema de que falámos em Cannes. Nunca lhe interessou explorar o passado colonialista português?
Tenho um projeto que, de certa forma, me foi confiado e encomendado pela minha mãe, que era historiadora. Ela escreveu sobre o que aconteceu à população Rebouças, que era um baiano abolicionista, teve uma relação próxima com a princesa Isabel. Com a proclamação da República, a família real voltou para Portugal e ele voltou com eles. É um momento da história que tenho vontade de filmar, não apenas do significado de tudo aquilo, porque é uma história incrível, mas também pelo desafio de fazer um filme de época. Que se pode fazer qualquer coisa entre Bary Lyndon e Todd Haynes. O que fazer com um filme desses? É um grande desafio. Esta é uma história extremamente desagradável, porque é contada com os padrões morais no tempo em que vivemos, mas se formos para os diários da época, é muito mais desagradável. Quero que chegue dessa forma, da maneira mais do momento possível.
Existe uma produção cultural sobre estes momentos mas talvez os públicos ainda não estejam prontos para essa conversa. Sinto alguma resistência em Portugal, por exemplo. Ou se faz algo para chocar ou algo mais formal.
Não acho que o ideal seja fazer um filme choque, mas tratar de tudo com a maior naturalidade, pegando em factos históricos. O choque não deve estar na lente ou no próprio discurso. O “Bacurau” tem uma lógica de guerra, como aconteceu nos anos 40, da guerra nazista. É muito chocante quando colocamos isso numa realidade que é no Brasil, com estrangeiros que não dão atenção à ideia da vida, porque não a valorizam. Isso é muito chocante. Os brasileiros que os ajudam, também é numa lógica de guerra, porque são colaboracionistas.
Banalidade do mal.
Totalmente. Assim é muito forte. Essa relação com Portugal está nesse filme.
Voltemos ao seu documentário e a outro tema que me ficou na orelha. Alguma vez se sentiu um homem de fé? Pergunto isto porque uma das passagens mais fortes de “Retratos Fantasmas” é quando o Kléber nos mostra como as salas de cinema do Recife foram, em parte, substituídas por igrejas evangélicas.
A relação de fé com o cinema vem da minha honestidade com o que sinto e quero filmar. Não sou religioso mas tenho o catolicismo instalado, como um computador com um sistema operacional. Não sai. Estudei numa escola católica e toda essa carga foi instalada. Na Páscoa sinto algo interessante, com os rituais, por exemplo. Quando era criança, o Recife mudava a programação de cinema, foi aí que vi a “Paixão de Cristo” com a Fernanda Montenegro. Exibia-se “Os Dez Mandamentos” ou o “Ben-Hur”, ou “Irmão Sol, Irmão Lua”. Os cinemas viravam igrejas. Estavam cheios. Lembro-me de senhoras, com um véu, a ver a cena da crucificação em “Ben-Hur”, que vi, quando tinha onze anos. Pensei porque é que elas estavam ali. É a cena da ressurreição. Muito forte. Eram cinemas onde, na noite passada, estava a ver o “Blues Brothers”.
Perturbador.
Sim, sim.
Estavam a ver uma representação do que acreditavam.
Na Páscoa. Ali era permitido porque era nessa altura, domingo de Páscoa. A sala estava esgotada. O São Luiz fechou em 2006 como sala comercial e reabriu em 2010 como sala pública. Um dos últimos filmes que vi foi o “Paixão de Cristo” e ainda senti um clima de igreja. Estava lotado, na ressurreição, quando o filme acaba, vi muita gente de braços para cima. Igreja evangélica, não católica.
A ideia do pastor.
É. Essa imagem já era forte antes da Igreja Universal comprar esses cinemas. Viraram igreja quase no papel, porque, era como se comprássemos este bar onde estamos, reabri-lo na próxima semana com os mesmos produtos. Ninguém mexia em nada. O cinema era o mesmo cinema, mas a única diferença é que pintavam a tela a dizer “Igreja Universal de Deus”. Até os projetores ficavam lá.
O senhor Alexandre assistiu a essa mudança?
Sim. O Arte Palácio foi abandonado, não virou igreja.
Alguns ainda são igrejas?
Ainda. O Albatroz inaugurou em 60 e fechou em 1989, virou igreja e até hoje ainda é.
Como se vai ao cinema hoje no Recife?
Temos 90 salas de multiplex e seis salas públicas. O “Missão Impossível” pode ser visto em 2D, Imax, 3D, legendado e dublado. A opção é sua. Capitalismo.
Alguma reação das pessoas do Recife que o surpreendeu?
Estou com uma alegria muito grande. Não é medo, um temor diria, que é muito bom, mas tenho medo pelas pessoas. Algumas reações foram tão emotivas que fiquei preocupado. Como é que vai ser no Teatro do Parque, com 106 anos, restaurado, ferro belga, com 800 pessoas? A cena do carnaval foi feita aí.
Essa é muito espiritual.
É, é, um pouco estranha. É muito cinematográfica, linda, teatral, assustadora. Depois na mixagem fiz para que o som fosse absolutamente perfeito. A minha segunda mãe, que tem 86 anos, acabou o filme a chorar e… [ri-se]… não dá nem para explicar. Disse-me: “mas Kléber, como você faz uma coisa dessas?”
Isso é muito bom.
Mas a chorar.
Quase como se tivesse pregado uma partida.
Há um lado pernambucano que é muito português. Um amigo meu diz-me que o carioca expressa o apreço a coisas muito boas, gritando. Diz maravilhas. O pernambucano, não. Mais comedido.
Isso é português.
É, é. Muito ibérico.
Os espanhóis são mais ruidosos.
Verdade. A reação dela foi assim. Achou maravilhoso. Foi muito bonito.
Dos seus familiares, foi a mais emotiva.
Com o “Bacurau” também. Foi diferente.
Costuma falar com a sua família sobre os seus filmes?
Não. O meu irmão foi surpreendido, nem sabia que aparecia neste documentário.
Era genial ser processado pelo seu irmão.
É. Ficou muito tocado com a imagem da minha mãe. Só o chamei a ele e à sua mulher para vermos juntos, foi muito bom.
Uma ideia de missão cumprida. Ou ciclo que se fecha.
O filme vai-se descobrindo no processo. É preciso estar aberto sobre as razões do porquê de estar a usar determinada imagem, do porquê de estar a fazer este documentário. Quando tinha 17 minutos foi a primeira vez que decidi que tinha algo aqui. Chamei uns amigos e os meus filhos e viram. Essa é a primeira parte do apartamento. Com essa reação, entendi que estava a tentar apresentar a minha mãe, a avó deles, a eles, que já faleceu há 27 anos. Nunca a conheceram. Estava a fazer os “Retratos Fantasma” também para apresentar a avó e o Recife aos meus filhos que nunca conheceram.
Não intencionalmente?
Não, não. Na versão final, o filme é dedicado a eles e aos primos. Porque assim ficaram com uma ideia da avó.
É estranho partilhar algo tão íntimo com tanta gente?
Não.
Expôr tanto.
Nos anos 90 não estaria preparado para fazer este filme. Vai-se armazenando informações sobre o que estamos a fazer na nossa vida. Nunca teria pensado em fazê-lo há 20 anos. Todos os meus filmes são muito pessoais só que as pessoas não enxergam isso porque tem a capa da ficção. Há diálogos, atores, não parece tão pessoal. Quando se faz um documentário em minha casa, sim. Mas no “Som Ao Redor” já a mostrava. Tinha um embrulho. Há muitas verdades ali.
Aqui está tudo mais a nu.
É um pouco como uma atriz ou ator. Já conheci uns que tinham dificuldade com a ideia da nudez, não queriam despir-se nem no teatro nem cinema. Dois anos depois, vejo esses atores completamente nus. Foi um processo construído.
Entrar em casa de outra pessoa é muito pessoal.
Nós apegamo-nos à nossa honestidade, mas também aos grandes heróis que já fizeram isso. Manoel de Oliveira, a Agnés Varda. Esses dois nunca me saíram da cabeça. O “Italian’s Americans” do Scorcese nunca me sai da cabeça também. Acho que há um contracto íntimo com a honestidade onde me sinto totalmente bem. As histórias da vida são todas conectadas à nossa própria experiência. Uma vez, uma pessoa muito próxima de mim ficou impressionada porque achava que estava a usar material da família dela, mas recordei-lhe que, um dia fui a um almoço na casa dela, onde se passava também a minha versão da história. Essa visão não pode ser tão unilateral. Posso escrever sobre o José, não usar o seu nome, posso chamá-lo de mulher, mas, de alguma forma, vai entender que é o José. Mas é a minha história, porque tivemos uma conversa em Vila do Conde. A casa vizinha que surge em “Retratos Fantasmas”, por exemplo, nunca lá entrei em 40 anos.
A que tinha um cão?
Sim. Mas estava à frente do meu quarto, da nossa sala. Vivia naquela casa também. Foi uma habitação com pessoas agradáveis, mas ela teve um impacto físico na nossa, de som, de copim, de gato. É muito interessante essa relação. Todas as imagens dessa casa são do meu ponto de vista, do quarto ao telhado. Não há nenhum contra-plano da casa. É interessante.
Mudemos de assunto para falar um pouco mais a sério de política. Em Cannes falámos do Brasil estar de volta também ao cinema. Com um presidente que está mais próximo da cultura como Lula da Silva, é possível confrontá-lo como se fez com Jair Bolsonaro?
O que o Lula tem feito em seis meses parece-me bem significativo. A devolução de uma crença num país democrático não é pouca coisa. Trazer esse pensamento de volta. Tem investido muito em viagens ao exterior, há quem o critique por isso. Nos anos Bolsonaro, onde viajei muito, via-se como os estrangeiros, de franceses a canadianos, apegavam-se a mim, da cultura, para perceber o que estava a ser feito. Porque o Brasil não tinha representação exterior. Acho que é incrível o que estão a fazer. Admiro o trabalho de Lula da Silva, o homem político que foi e acredito que cada governo tem um conjunto particular de tensões e ironias. E de contradições. O de Bolsonaro, de extrema direita, é curioso que era feito quase sempre por nenhuma contradição. Só certezas e quase sempre estúpidas. O ponto era entre a razão e a estupidez. Por exemplo, a vacina não serve para nada contra sim, serve, porque está a salvar milhões de vidas. Não é realidade paralela, é estupidez mesmo. Ou também: homossexuais não são gente. Como discutir isso vindo de um líder político? É absurdo. Só trabalhavam assim. Muita gente no Brasil ficou doente, não é fácil conversar com uma pessoa que te está a dizer que isto aqui é um aquário e não é uma mesa. Uma espécie de neurose. Portanto, o clima no Brasil está muito mais saudável, de que agora tudo faz mais sentido. Aos poucos percebe-se que aquela direita não tinha muito estofo, as crenças eram muito superficiais.
Esvaziaram-se?
É. Quando o Bolsonaro se tornou ilegível, não estava ninguém à frente para defender o imbecil. Acabou. Parecia um surto de sarampo.
Mas o que fazer com essas pessoas?
Existem e estão prontas para ser atiçadas mais uma vez. Mas não acho que vá aparecer alguém tão torpe para atiçar as pessoas daquela forma. Existem ainda bolsonaristas, mas não são tão estúpidas e precárias.
Retomando a pergunta inicial: o cinema está sempre a provocar ou a atingir o poder, também o deve fazer com Lula da Silva.
Um governo como o Lula tem uma quantidade interessante de tensão interna para se montar uma história. As contradições brasileiras são épicas. Por exemplo, como lidar com uma parte da esquerda, do que faço parte, em relação à Ucrânia. Admira um professor brilhante, prémio Nobel, com 80 anos, que, de repente, descobre que está a falar da teoria da Terra plana. E aí fica-se: o que aconteceu? E o professor diz que a terra é plana. É fascinante. Venho dessa esquerda. Tentamos entender que existe um histórico relacionado com a América latina e a ideia da União Soviética. Tudo isso faz parte de versões e ideologias, formas de viver o mundo que não morrem. Vêm de uma região muito complexa também, claro. O novo filme do Nanni Moretti fala disso, de ser comunista em Itália, ao mesmo tempo que faz um documentário na Hungria, que gera tensões no partido comunista italiano. É interessante. Estou de ouvido em pé. Estou de olho. Mas sim, admiro este governo. Passei um tempo em França, depois tinha dois filmes para fazer e voltamos no fim do bolsonarismo e no início de Lula. No dia 1 de janeiro senti um cheiro de eucalipto no ar. Tinha voltado um certo sentido de lógica. As camisas amarelas desapareceram, as bandeiras das fachadas também. Uma recuperação da sanidade. Mas é importante não perder a noção da realidade.