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Aviso: a arcaica utilização neste texto da letra “c” nas palavras de onde foi elidida é uma manifesta e assumida desobediência ao acordo ortográfico. Gregório e Ricardo consideram-no inútil e a irritação alimenta um espectáculo, com “c”.
Gregório Duvivier (GD) e Ricardo Araújo Pereira (RAP) voltam a estar juntos em palco, desta vez no Brasil. Depois de três anos fisicamente separados, os dois amigos “inventaram” um espectáculo que os juntou em Lisboa e no Porto, em novembro de 2021. Agora, actuam no Rio de Janeiro e em São Paulo. Em “Um português e um brasileiro entram num bar…” o título diz quase tudo. Ricardo e Gregório apresentam-se num palco onde conversam sem guião e sem ensaios — como vamos perceber na primeira e última respostas.
Os dois admiram-se, trocam gargalhadas e livros de poesia, mas discordam quanto à capacidade que Ricardo Araújo Pereira tem de influenciar o país e a política. RAP rejeita que isso seja uma realidade e Duvivier, pelo contrário, considera que o programa “Isto é Gozar Com Quem Trabalha” é um exemplo único no mundo de influência da opinião publica através do humor.
Ricardo Araújo Pereira ficou conhecido no Brasil pelos vídeos do Gato Fedorento, que Gregório Duvivier via online e que serviram de inspiração para a Porta dos Fundos, um caso de sucesso nos dois lados do Atlântico.
O Observador conseguiu juntar os dois humoristas numa conversa sobre o amor à língua, ao que é ser português e brasileiro, ao humor sem barreiras e ainda, sobre a bizarria na política em ano de presidenciais no Brasil e de celebração do bicentenário do Grito do Ipiranga.
Ouça aqui a entrevista em podcast.
Obrigado por conseguirem encontrar algum tempo entre os rigorosos ensaios para os quatro espectáculos que vão dar aí no Brasil…
Ricardo Araújo Pereira (RAP) — É isso mesmo. Cheguei hoje de manhã ao Rio de Janeiro e ainda não me encontrei com o Gregório, tirando nesta vídeochamada e estive todo o tempo na praia.
Gregório, está tudo pronto para para os espectáculos?
Gregório Duvivier (GD) — Está! Acabei de passar por uma aula de percussão, mais tarde tenho ballet (risos)… Acredito que sim, vai estar tudo perfeito. Estou aquecendo a voz, porque também tem um momento musical muito bonito. A gente faz um dueto (risos)…
Quando fizeram os espectáculos “Um português e um brasileiro entram num bar…” em Lisboa foi um grande êxito. Agora, repetem no Rio de Janeiro e também em São Paulo, no Brasil, onde estão. Ricardo, os brasileiros entendem bem o teu sotaque ou vais ter de fazer aquele esforço de abrir bem a boca e abrir as vogais?
RAP — Isso depende dos brasileiros. À cautela, acho que é melhor abrir a boca. Corrigindo uma pequena informação: fizemos e com grande êxito — aí está certo — e de tal forma retumbante espectáculos em Lisboa, que o Porto exigiu a nossa presença. Fizemos vários espetáculos também a norte e os portuenses perceberam depois que não valia a pena terem exigido. Foi importante ensinar-lhes essa lição para eles aprenderem. Mas como estava a dizer, hoje fui entendido por todos os brasileiros com quem interagi, no entanto, eles só não consideraram que eu estava a falar português. De resto, as interações foram todas satisfatórias. Um senhor queria vender-me umas coisas e perguntou-me: “Fala português?” e eu respondi: “Sim. Agradeço, mas não tenho aqui dinheiro e não posso comprar…” e ele retorquiu: “Fala português, mas só um pouquito”.
Gregório, os portugueses soam todos a argentinos?
GD — Não, às vezes são gringos, americanos. Uma vez o Ricardo pediu um expresso (risos) e o que é que a pessoa respondeu?
RAP — Yes… (risos) Mas via-se que ele estava encantado por constatar, naquele momento, que compreendia perfeitamente uma língua estrangeira, que era a minha.
GD —Eu adoro. O Ricardo é muito compreendido no Brasil, porque — como reparou — ele é bilingue. Acabei de dar uma entrevista com ele e… claro, ele não perde o sotaque português, não começa a falar ‘brasileiro’, mas faz um belo meio termo entre os dois e a gente fica feliz. Não é assim tão difícil entender os portugueses. Quando vou a Portugal, especialmente ao Porto e se for aos Açores… então, não entendo nada. Um brasileiro ouvindo um português é tipo: “gafdsgfhasfdasgftehafdh” (risos) é assim que a gente ouve vocês, é meio ucraniano. Por acaso, eu já sou um pouco bilingue também. Estou com o ouvido treinado para identificar as palavras. Mas demorei a entender algumas como “colesterol”. “Colstrol” para a gente é russo, a gente fala “colés-té-ról” ou “telfone-te” — demorei — parecia-me “elefante”. Hoje em dia já entendo, estou bem letrado no português de Portugal e sou quase bilingue como o Ricardo.
“Cocô” mandante, a gente tem um “cocô” mandante no Brasil”
Essa vossa conversa em palco vai respeitar o acordo ortográfico ou o acordo vai servir apenas como base de copos?
RAP — Nós embirramos com o acordo ortográfico. É excelente. É um dos pilares da nossa amizade, a embirração com o acordo ortográfico, que é inútil. Aquilo é mais do que a unificação da grafia, porque no preâmbulo fala em unificação da língua, que é uma coisa que a língua não precisa. É importante que a língua continue a ser diversa e que se acabe com esta inclinação reaccionária que acha que outros falantes de português estão a abusar da língua, o que não é verdade. Estão a usá-la tão legitimamente quanto nós e a acrescentar-lhe coisas que a tonam mais rica. Aproximarmo-nos, sim e unificar esse interesse. Até falamos disso no espectáculo. A frase “Eu estou no acostamento, porque a minha perua não tem estepe” é algo que todos os brasileiros entendem e nenhum português percebe, embora compreenda todas aquelas palavras. A frase não significa: “Eu estou encostado, porque o meu peru do sexo feminino não tem uma planície típica da Mongólia…” Significa: “Estou parado na berma da estrada, porque a minha carrinha não tem pneu sobresselente”. O acordo ortográfico não mudou nenhuma destas palavras. As razões pela quais os portugueses e brasileiros se entendem menos é fonética, sintática e pode ser semântica. Não tem a ver com o facto de escrevermos “acção” com “c” antes do “ç” e eles não.
GD — O acordo não resolveu nenhum dos supostos problemas. Não era uma necessidade do povo. A explicação era para fazer com que os brasileiros lessem mais literatura portuguesa e vice versa. O povo brasileiro não lê Camões por causa do “c” a mais, não é por causa de um hífen… “Ai, tá muito chato isso daqui… Essa cedilha a mais, que a gente não usa. Vou parar de ler os Lusíadas”, não é por isso. O problema da educação no Brasil não é a ortografia da língua. Resolve um falso problema e cria novos problemas. Até hoje não entendi a regra do hífen. Porque é que “pão-de-ló” tem hífen e “pé de moleque” não? Até hoje não entendi e perdão, porque até posso estar falando trocado — pão de ló perdeu o hífen devido ao acordo. E cria problemas novos como “cocopiloto” — na pronúncia brasileira é cocô o mesmo que cocó na pronuncia portuguesa. Hoje em dia, o “cocô” é o piloto desse país e isso diz muito sobre o Brasil. “Cocô” mandante, a gente tem um “cocô” mandante no Brasil. Perdeu-se um hífen que era fundamental e sem falar no trema que transformou “lingüiça” em “linguiça”. Enguiçou a linguiça. Os pinguins perderam os pontinhos em cima deles. É uma tragédia sem precedentes.
Este ano celebram-se os 200 anos da independência do Brasil, o que é ficou de Portugal, além da língua?
GD — Cara, ficou muita coisa. É curioso que somos o único país cuja independência foi declarada pelo colonizador (risos). Eu estava lendo sobre a independência e os primeiros governos eram todos de portugueses. A nobreza não foi trocada. Toda a corte de D.Pedro I (para vocês o IV)… aliás, acho que ele só declarou a independência para poder pular os outros Dom Pedros e virar o “primeiro” em algum lugar (risos). Dom Pedro não só declarou a independência como desistiu do próprio país que fundou… e voltou dizendo “prefiro aquilo lá”. Portugal deixou aqui muita coisa. Eu me sinto muito em casa em Portugal. Eu moro nas Laranjeiras — Rio de Janeiro — que é um bairro muito “português” e (bairro) Santa Teresa — Rio de Janeiro — nem se fala, lembra Portugal. A música, claro. O nosso choro parece fado e o até o samba tem a tristeza do fado. Acho que foi a Carminho que falou: “O fado fala de alegria chorando e o samba fala de tristeza sorrindo” e acho que é uma boa definição. A parte que eu mais gosto do Brasil é meia lusitana, amor pela música, pelas palavras, pelo humor (apesar de ser diferente, em alguns sentidos é muito igual). Eu morria de rir de ver o Gato Fedorento e fico muito feliz por tanta gente em Portugal ver o Porta dos Fundos. Acho que o humor pode ser uma bela ponte que ajuda a aproximar os dois países, que são tão próximos, mas, infelizmente, às vezes tão distantes.
Ricardo, é mais fácil fazer piadas no Brasil do que em Portugal?
RAP — Para mim é difícil em todo o lado e no Brasil é pior ainda, porque não temos as mesmas referências. O nosso espetáculo chama-se “Um português e um brasileiro entram num bar…” e conversam sobre o que têm em comum, a língua e uma certa atitude, que faz com que eu esteja noutro hemisfério, noutro continente e me sinta mais em casa do que quando estou no meu próprio continente na Suécia, por exemplo. O vosso Dom Pedro I, que era o nosso IV… claramente outra pessoa, Gregório. Pois, se no Brasil é primeiro é porque é outra pessoa (risos). Ele fingiu muito bem: “Chega! Chega deste domínio português! Quem é que vai mandar agora? Posso ser eu. Vou mudar aqui o numeral” e seguiu. Este é um momento fundador em que os nossos povos ficaram irmanados. Esse tipo de malandrice nunca mais passou. Eu sinto-me em casa no Brasil não é só por causa da língua, é também por uma certa atitude.
“Eu estou muito conformado com o facto de não ter poder nenhum. Estou até aliviado”
E também encontras semelhanças na política brasileira e portuguesa?
RAP — Algumas, mas o Brasil é uma espécie de Portugal vezes 20. Às vezes queixamo-nos que a nossa política é um pouco bizarra, mas sempre que tento compreender a deles… vejo que não estamos assim tão… Eu acho que o Gregório concorda com isto. Noutro dia, estávamos a falar sobre isso, sobre uma figura que eles têm que é o deputado Pastor Sargento. Eles têm um deputado que acumula todos esses cargos: pastor e sargento e ele curou a sua própria homossexualidade, não foi Gregório?
GD — Ele é ex-drogrado e ex-homossexual e actual Pastor Sargento.
RAP – Exato. Nós temos muita bizarria, mas este nível de refinamento é difícil para nós.
Gregório, ter entre os dois principais candidatos à presidência Jair Bolsonaro e Lula da Silva também é um pouco bizarro ou não?
GD — No Brasil tem o problema da política ser um pouco maniqueísta. Não tem muito como você dizer “todos os lados têm problemas”. O Bolsonaro tem problemas, mas o Lula também têm. Essa visão sensata, que tem em vários países do mundo, no Brasil não dá. Temos um presidente que é a personificação de tudo o que há de ruim no mundo e em todos os sentidos: corrupção, homofobia, passando pelo racismo. Ele conseguiu a proeza de fazer do Lula… que era um candidato com o qual teríamos muitos problemas em qualquer outra situação, a gente estar apaixonada por ele. O Brasil está mais lulista do que nunca. O Bolsonaro conseguiu canonizar o Lula. Ele fez o melhor serviço para esquerda na América Latina, quiçá no mundo, porque as pessoas olham para o Brasil e falam assim: “Isso não!”. Todo o país teve um Bolsonaro. No Chile, o José Antonio Kast perdeu. Na Colômbia tinha um Bolsonaro colombiano, perdeu, porque ninguém quer ter o Bolsonaro, nenhum país quer. Ele conseguiu essa proeza.
Acho que Portugal tem uma coisa muito diferente do Brasil, vocês tiveram a Revolução dos Cravos, em 1974. Parece pouco, mas faz muita diferença. Os militares tiraram o poder e deram para o povo. O Brasil nunca teve isso. A nossa ditadura terminou com uma amnistia para todos e eles continuaram no poder até hoje. O Bolsonaro tem um monte de militares no governo. A nossa ditadura militar meio que não acabou. A gente não teve uma Revolução dos Cravos e não fala de valores de Abril. Mesmo a direita portuguesa tem algum respeito pelos valores de Abril. Claro, tem um Bolsonaro idiota lá, mas ele até agora não passou muito do fantoche, do palhaço, ele não saiu do meme. Em Portugal, o país concordou que: “Podes dizer o que quiseres, mas a ditadura é ruim e a democracia é boa. Vamos concordar? Vamos”. No Brasil não teve esse momento. Nunca decidimos que a nossa ditadura tinha sido ruim. Isso é muito mau, porque tem vários defensores da ditadura a começar pelo Bolsonaro, o presidente democraticamente eleito, mas que não acredita na democracia. Ele não acredita na urna eletrónica, ele acha que foi viciada, ele acha que a vitória dele foi alvo de fraude…
E já está a falar agora em fraude também, na possibilidade de fraude.
GD — Exatamente, ele é tipo uma pessoa que reclama de um jogo de futebol do juiz que ainda não aconteceu: “Aquele penálti vai ser roubado…”, o jogo ainda não aconteceu, mas ele já reclama da arbitragem.
Ricardo Araújo Pereira, estas características são bons ingredientes para uma piada: um presidente democrata eleito em democracia e que não acredita no sistema. Até que ponto o humor pode fazer aqui uma parte de “trabalho” político?
RAP — Eu tenho célebres desconfianças relativamente ao trabalho político que o humor pode fazer. Acho que o humor pode fazer trabalho humorístico e isso é excelente. Valorizo muito a ideia que fazer rir as pessoas, acho que isso é de facto milagroso. É uma coisa que me deixa encantado.
Mas isso não tem consequências?
RAP — Duvido que tenha consequências, pelo menos, que tenha as consequências que a gente imagina que tem, porque me parece que a esmagadora maioria dos humoristas americanos não quereriam que o Trump fosse eleito, que boa parte (talvez a maior) dos humoristas brasileiros não queriam que o Bolsonaro fosse eleito e que a maior parte dos humoristas ingleses não queriam que o Brexit tivesse acontecido e, ainda assim, aconteceu. Todas essas coisas aconteceram independentemente do trabalho dos humoristas. Estou muito conformado com o facto de não ter poder nenhum. Estou até aliviado.
O Gregório Duviver concorda?
GD — Concordo, a não ser com o Ricardo. O Ricardo talvez seja o único exemplo do mundo de humorista que realmente muda alguma coisa. Ele vai dizer que não, óbvio. Acho que isso é verdade a não ser para o Ricardo. Acho bom que ele continue achando que não tem poder, mas eu nunca vi em nenhum lugar do mundo, onde um humorista tem esse tipo de interferência direta na realidade política assim. O programa de humor dele é o mais visto de Portugal e isso não existe no Brasil. O nosso mais visto… nem quero mostrar para vocês o que é. Não é um programa politizado de alguém que está constrangendo políticos. O nível de politização em Portugal, de amor pelo humor e pelo Ricardo faz com que vocês tenham talvez o único humorista político de verdade do mundo, é Ricardo Araújo Pereira.
RAP — Os ouvintes da Rádio Observador tiveram aqui uma ideia do desconhecimento que o Gregório tem da nossa realidade (risos).
“Menino, graças a Deus muitas; graças com Deus nenhumas”
Há também a questão do cancelamento e do respeitinho. A ideia de que o humor não pode “ofender” nada nem ninguém. Como é que o Gregório lida com isto?
GD — Não conheço essa expressão “respeitinho”…
“Respeitinho é muito bonito” dizemos aqui em Portugal…
GD — Ah tá. No Brasil não tem muitas histórias de cancelamento. Aqui é uma discussão um pouco importada dos Estados Unidos. Lá tem uma política muito incorreta e insuportável. Eles têm uma cultura das proibições de palavras que não podem sequer ser evocadas. Você não pode falar a palavra nem para dizer que as pessoas não podem falá-la. Têm um puritanismo linguístico e humorístico insuportável. O Brasil não tem não. Arriscaria dizer que o problema é o contrário. No Brasil tem um humor muito despolitizado, não no sentido ingénuo da coisa, mas no sentido ruim mesmo. Ainda existe muito humor francamente racista na televisão aberta e não é exagero dizê-lo. Racista, porque pinta o rosto de preto e faz uma imitação. O Brasil tem um humor muito tradicional no mau sentido e sobretudo na televisão aberta. Não significa que esse humor tem de ser proibido e os humoristas têm de ir para a cadeia, não! Mas é importante lembrar que o humor não é um salvo conduto para se falar qualquer coisa, porque o próprio presidente faz isso. Temos um presidente que usa um “suposto humor” para falar absurdos. Ele imitou uma pessoa morrendo de Covid durante a pandemia tossindo. As pessoas falavam: “Nossa, você já viu?!”. Temos um culto ao humor tão imbecil, tão estúpido e tão, para mim, sem graça, que às vezes acho importante lembrar que existe uma responsabilidade quando você fala para um monte de gente. Eu sou antipunitivista para tudo, inclusive para o humor. Se eu acho que a pessoa que usa droga não tem de ir para a cadeia, quem faz uma piada inadequada também não. Aquele tapa — estalada — na cara do Will Smith no Chris Rock, achei aquilo uma estupidez, até porque tapa na cara não educa ninguém. As pessoas falaram: “Ah! Vai ser bom para os humoristas pensarem antes de fazer uma piada.” Desde quando é que tapa na cara faz você repensar alguma coisa? Todo o mundo que apanhou na infância sabe disso, só te dá mais raiva. É bom lembrar que o humor não está isento de discussão e uma piada tem um monte de coisa envolvida. E eu gosto de discutir, mas problematizar é o contrário de proibir. Adoro quando critico uma piada, mas essa crítica tem de despertar novas críticas e novas piadas e não pode ser uma interdição do debate.
Ricardo Araújo Pereira, pode o humorista também ser criticado e depois criticar a crítica?
RAP — Mas com certeza! Isso ninguém nega. Por exemplo, a Porta dos Fundos teve cocktails molotov lançados à sua sede. Isso não são bem críticas. Agora, os humoristas podem ser criticados e essa crítica também pode sofrer críticas. Um humorista inglês chamado Jimmy Carr fez uma piada que referia, não era sobre, mas referia o holocausto e ciganos. Como é óbvio, aquilo foi dito num contexto humorístico e toda a gente que estava presente naquele espetáculo sabe que ele não estava a dizer aquilo a sério. Se ele estiver a falar a sério, não era uma piada. No entanto, há pessoas que propuseram que o programa fosse retirado da Netflix. Mesmo não havendo casos de cancelamento, no sentido em que as pessoas perderam o seu emprego (embora conheçamos casos desses no estrangeiro), o certo é que, mesmo em Portugal, há vontade de o fazer. E essa vontade é significativa. Por exemplo, as pessoas que tentaram deportar o Mamadou Ba também não conseguiram, mas acho que ficam definidas quando assinaram aquele petição para o deportar. Aquilo que aconteceu à Porta dos Fundos… estou muito habituado a isso, porque fui educado em colégios de padres e de freiras (não tenho nenhuma razão de queixa, antes pelo contrário), mas não era inédito ouvir… Havia sempre um padre mais reaccionário que dizia: “Menino, graças a Deus muitas; graças com Deus nenhumas.” O que é que mudou? Agora basta substituir “Deus” por outra coisa que seja muito cara a alguém. “Graças a essa coisa muitas, graças com essa coisa nenhumas”. É o mesmo tipo de sacerdote a tentar impor o mesmo tipo de censura.
Ainda não estiveram fisicamente juntos aí no Rio de Janeiro. Ainda vão ter algum encontro antes do espetáculo, ou vai ser … “bar aberto”?
GD — É “bar aberto”. Vamos chegar um pouco antes para conversar sobre outras coisas. Conversar sobre o que a gente vai falar até estraga um pouco, não é?
RAP — Acho que o público até ficava ofendido se a gente levasse alguma coisa preparada.