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O publicitário brasileiro André Gustavo, o grande estratega de Passos Coelho nas legislativas de 2011 e 2015, não vai voltar a trabalhar com o PSD. De acordo com as contas anuais do partido, divulgadas no final de junho pelo Tribunal Constitucional (TC), a empresa Arcos Propaganda ainda cobrou 89.232 euros aos sociais-democratas em 2017, ano em que Gustavo foi envolvido no caso Lava Jato. Em seis de sete anos da liderança de Passos, o publicitário cobrou um total de 1.388.456 euros ao PSD. Agora, o atual secretário-geral do partido, José Silvano, confirmou ao Observador que, sob a liderança de Rui Rio, os sociais-democratas não voltarão a contratar André Gustavo.
José Silvano acrescentou ainda que, para já, o PSD não vê qualquer necessidade de fazer contratações externas na área da comunicação, área que é coordenada e está centralizada numa pessoa da confiança de Rui Rio: Florbela Guedes, antiga diretora de comunicação da câmara municipal do Porto durante os mandatos de Rio (2002-2013).
É preciso, contudo, sublinhar que só é possível saber quanto é que o PSD gastou com André Gustavo porque, já durante a liderança de Passos, em 2013, o partido começou a comunicar com detalhe nas suas contas quem eram os seus fornecedores. Já o PS, o PCP e o Bloco de Esquerda por exemplo, só divulgam — nas listas de ações de propaganda política e meios, que são tornadas públicas pelo TC — o número do fornecedor e não o seu nome.
A lei não exige, de facto, de forma clara esse dado e, por isso, nem todos indicam o nome da entidade que lhes presta os serviços. O CDS também divulga o nome de alguns dos fornecedores, mas não o faz em todas as ações.
O PSD é assim, dos maiores partidos, o mais transparente neste capítulo. Ao Observador, José Silvano não só destacou que o PSD vai continuar, nas contas de 2018, a apresentar o nome de todos os fornecedores, como a partir do próximo ano e em nome da “transparência” o próprio PSD vai colocar essa informação online. Ou seja, disponível a todos os que a queiram consultar.
De Menezes a Relvas: como começou a ligação ao “mago” Gustavo
André Gustavo conheceu Luís Filipe Menezes numas férias e, desde então, ficaram amigos. Através de Menezes, o publicitário brasileiro acabaria por conhecer o número dois do autarca na câmara de Gaia, Marco António Costa. Seria Marco António a apresentá-lo, mais tarde, a Miguel Relvas.
Quando as internas do PSD estavam em curso, Relvas entrou em contacto com André Gustavo, com quem chegou a estar no Brasil. Depois da vitória de Passos nessas diretas, Gustavo foi convidado por Relvas para fazer um diagnóstico sobre o cenário político em Portugal. Passos gostou do que leu. Relvas teve assim luz-verde para convidar o brasileiro a trabalhar nas legislativas de 2011.
Depois da vitória — que levaria Passos a primeiro-ministro — o PSD convidou André Gustavo a continuar a trabalhar com o partido. O próprio explicou o que ficou a fazer entre 2011 e 2015, em entrevista ao Expresso, por altura da campanha de 2015: “Fiquei a fazer um trabalho de monitoramento estratégico, de pesquisa (o que vocês chamam as sondagens), de acompanhamento do cenário. Até este ano, quando fui convidado para esta campanha. Trouxe uma equipa de seis ou sete brasileiros, que se juntaram a mais vinte ou 25 portugueses.”
Como em equipa que ganha, não se mexe, Passos voltou a contar com André Gustavo na campanha das legislativas de 2015. Voltaram a vencer (embora sem maioria absoluta à direita e Passos tenha, entretanto, deixado de ser primeiro-ministro) e o ‘marqueteiro’ continuou a trabalhar para o partido da São Caetano à Lapa. Mas em julho de 2017, Passos Coelho foi surpreendido pelas notícias da imprensa brasileira que davam conta que André Gustavo tinha sido detido.
Publicitário que fez campanha de Passos Coelho detido no Brasil na operação Lava-Jato
O publicitário acabou mesmo condenado, mas já em 2018. A 7 de março, André Gustavo foi julgado pelo juiz Sérgio Moro na Operação Lava Jato e condenado por corrupção e lavagem de dinheiro a uma pena de 6 anos, 6 meses e 20 dias de prisão em regime semiaberto. De acordo com a Globo, Moro decidiu pela progressão da pena porque André Gustavo confessou os crimes e colaborou com a Justiça.
O livro de campanha que custou 7,3 mil euros
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Em 2015, o PSD fez uma compra no valor de 7.346 euros à Alêtheia Editores, a editora da antiga deputada do PCP e PSD, Zita Seabra. Foi nesse mesmo ano que a Alêtheia editou a biografia de Passos Coelho “Somos o que Escolhemos Ser”, da autoria de Sofia Aureliano. Ao que o Observador apurou, este valor nada teve a ver com os livros de Passos — que chegaram a ser vendidos em eventos do partido, como os 40 anos do PSD na Aula Magna — mas sim com um livro elaborado no final da campanha Portugal à Frente (em coligação com o CDS). Os livros (foram comprados 700 exemplares) foram distribuídos por todos os que participaram na campanha das legislativas de 2017.
Apesar de ter saído, no imediato, da prisão, o publicitário ficou impedido de sair do país, de ser contratado para cargos públicos e de ter contacto com outros arguidos na investigação. De acordo com o Ministério Público Federal brasileiro (MPF), André Gustavo teria participado da negociação de 3 milhões de reais (696.600 euros) em vantagem indevida para o ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobras, Aldemir Bendine. Ou seja: o PSD até podia voltar a contratar a Arcos Propaganda, mas André Gustavo não poderia vir a Portugal.
O PSD só divulga com detalhe o nome dos fornecedores desde 2013, por isso não é possível ver — através destas listas — quanto foi cobrado pela Arcos Propaganda em 2012 e 2011. Ainda assim, um relatório da ECFP divulga que, em 2012, foram registados 80.000 euros em serviços prestados pela Arcos Propaganda, SA só entre setembro e dezembro desse ano. Somando esses seis anos, André Gustavo custou por isso aos cofres do PSD pelo menos 1,39 milhões de euros.
Foi em 2015, ano de legislativas, que se registaram os maiores gastos com a empresa de André Gustavo: 868.943 euros euros num só ano: 268.943 registados nas contas anuais do partido aos quais se somam 600.000 euros na campanha das legislativas, sob o nome Portugal à Frente, em coligação com o CDS.
Em 2011, taambém ano de legislativas, não é possível apurar o valor já que, nessa altura — à semelhança do que ainda agora acontece com outros partidos, o PSD não revelava o nome dos fornecedores na listagem que é pública.
Quase 200 mil euros em sondagens no último ano de Passos
De acordo com as contas anuais de 2017, o PSD gastou mais 194 mil euros em sondagens, o que faz das empresas de tratamentos de dados alguns dos maiores fornecedores do partido. As sondagens e estudos de opinião encomendados a empresas como a Pitagórica, a Intercampus, a Multidados e a Consulmark custaram 194.036 euros nesse ano. Ainda assim, um valor abaixo cobrado a apenas três destas empresas (Pitagórica, Intercampus e Consumark) no ano anterior: 227.684 euros.
Os dois pareceres que custaram 43 mil euros
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Nas contas de 2013 do PSD entrou uma fatura no valor 43.050 euros pagos ao constitucionalista Paulo Otero. Ao que o Observador apurou trata-se do pagamento de dois pareceres jurídicos:
- Um parecer sobre a lei n.º 22/2012, de 30 de maio, que aprovou o Regime Jurídico da Reorganização Administrativa Territorial Autárquica.
- Um parecer sobre a lei n.º 46/2005, de 29 de Agosto, que estabeleceu limites à renovação sucessiva de mandatos dos presidentes dos órgãos executivos das autarquias locais.
No último ano de Passos à frente do partido, a empresa Pitagórica — pertencente a Alexandre Picoto, próximo do antigo passista Miguel Pinto Luz — cobrou 55.966 euros em sondagens ao PSD, o que ficou aquém dos 124.009 euros cobrados em 2016. Já a Intercampus prestou serviços no valor de 15.595 euros em 2017, o que significou um ligeiro aumento face aos 9.350 euros cobrados em 2016. Quanto à Consulmark, a empresa cobrou 67.005 euros em 2017, ainda assim menos que os 94.325 euros cobrados em 2016. Em 2017, o PSD passou, no entanto, também a contratar a agência Multidados, por 55.470 euros.
Marta Sousa (Relvas) regressa ao PSD
Na área da comunicação e do marketing político, destaque ainda para o regresso de Marta Sousa, mulher do antigo secretário-geral Miguel Relvas. A empresa de Marta Sousa trabalhou com Passos Coelho no PSD e depois no Governo até 2013. Depois continuou, no privado, a trabalhar na área da comunicação. De 2013 a 2016 não há registo de qualquer ligação aos sociais-democratas, mas isso mudou o ano passado.
Existem três faturas, apontadas como “gastos correntes”, de serviços contratados à March Strategy, Lda, a empresa de Marta Sousa, que totalizam 10.455 euros. Os três contratos estão, no entanto, longe do valor cobrado pela March Strategy em 2015 e 2016 à junta de freguesia da Estrela, liderada pelo social-democrata Luís Newton.
Autarca do PSD contratou mulher de Relvas e omitiu contrato durante mais de dois anos
As consultoras também foram requisitadas pelo PSD em 2017. A Deloitte cobrou ao partido serviços no valor de 83.389 euros, à frente dos 36.531 cobrados euros pela KPMG. Outro dos grandes fornecedores do partido é a Smart Choice, uma empresa de meios audiovisuais, mobiliários, cenografias e tradução simultânea. Apesar do PSD ter meios para fazer eventos que tenham até 40/50 participantes, quando excede esse número tem de recorrer a empresas externas. É aí que entra a Smart Choice, que foi um dos principais fornecedores do PSD durante os mandatos de Passos Coelho. Em 2017, a Smart Choice cobrou 77.837 euros ao PSD. Um valor muito inferior a 2016, em que os serviços da Smart Choice custaram 177.455 euros aos cofres da São Caetano à Lapa.
O que diz a lei?
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A lei de organização e funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, de 2005, define no seu artigo 16º o “dever de comunicação de dados”. No ponto dois desse mesmo artigo, a lei estabelece que “os partidos políticos estão também obrigados a comunicar à Entidade as demais ações de propaganda política que realizem, bem como os meios nelas utilizados, que envolvam um custo superior a um salário mínimo”. Ora, na lei não é especificado que os partidos têm de colocar nesta lista o nome dos fornecedores. Ao contrário dos anexos — que são enviados para o Tribunal Constitucional e onde podem constar cópias das faturas — na lista que é pública cabe aos partidos colocar ou não o nome dos fornecedores. PSD e CDS colocam o nome, PS, PCP e Bloco de Esquerda, não.
Nas contas de 2017, destaque ainda para o Hotel Sana — onde o PSD realizou a maior parte dos Conselhos Nacionais durante o ano — cujo aluguer das salas custou 10.255 euros. A Oriental — Agência de viagens, à semelhança dos últimos anos, é o maior fornecedor do partido nessa área, uma vez que é esta a agência que fica responsável pela maior parte da contratação de hotéis e viagens (inclusivamente no estrangeiro) dos dirigentes sociais-democratas.
Quanto a oficinas, a favorita continua a ser a Pneus dos Prazeres, Lda — bem próxima da sede — tendo o PSD gasto 1983 euros em serviços contratados. A fatura mais pequena passada à oficina foi de 16 euros e a maior de 764 euros.
O PSD detalha assim as faturas, no valor de 7.281.412,94 euros de serviços que prestou em 2017. O PS, ao invés, só descreve 135. 261,39 euros dessas ações e sem revelar o nome do fornecedor.
As contas (menos detalhadas) dos outros partidos
Nesses 135 mil euros em faturas, no caso do PS, é possível saber quanto o partido gastou em determinados eventos, mas não quem foi o fornecedor. Por exemplo, é possível saber que os socialistas gastaram 3.274,16 euros em refeições nas comemorações do aniversário do partido e mais 172,32 euros em “higiene, limpeza e conforto” no mesmo evento. Mas não se sabe quem prestou o serviço (só o número: “fornecedor n.º 6207”).
Na lista de gastos nas cerimónias fúnebres de Mário Soares, o PS comunicou ter pago 450 euros num serviço que descreve apenas como “recibos verdes“. Neste caso, não só não se percebe o fornecedor, como não se percebe o serviço contratualizado. Já, por exemplo, numa reunião do Partido Socialista Europeu em Bruxelas, as faturas são descritivas quanto baste para perceber ao que se referem: tratam-se de três faturas de táxis no valor de 40.21,55 euros e 80,30 euros. No caso do envio da publicação Ação Socialista para casa dos militantes, em vez da descrição do serviço, é colocado o nome do fornecedor: os CTT. Só por isso se percebe a quem foram pagos os 6.426,35 euros da distribuição.
Há também um gasto que não seria possível verificar no PSD: a contribuição para a CGTP. No caso do PS, o partido pagou 2.711,70 euros à central sindical (dominada pelo PCP). Há ainda faturas em que é possível identificar o fornecedor devido à localização. É o caso do Hotel Altis, o chamado hotel do PS. Em seis faturas, o PS pagou 7.415 euros, sendo a maior parte deste valor (3.950 euros) referente a “decoração de salas e montagem de estruturas”.
PCP aluga o hotel de charme Plaza
O PCP também não indica o nome do fornecedor, mas apenas o número. Ainda, assim, pelo descritivo e a localização dá para perceber a que entidade foi pago o serviço prestado. É o caso do Hotel Plaza, um “boutique charme hotel”, no qual os comunistas escolheram a sala Eça de Queiroz, para três eventos: a sessão pública “Capitalismo, Soberania, Desenvolvimento tecnológico: novas e velhas questões”, em abril; um “ato público da CDU”, em março; e o seminário “Direito Constitucional à Habitação – o Papel do Estado“, em fevereiro. O PCP pagou 349,59 euros ao hotel por cada uma das três vezes. Há, porém, uma boa razão para os comunistas fazerem ali sessões públicas. O hotel fica precisamente em frente, do outro lado da Avenida da Liberdade, ao Centro de Trabalho do PCP Vitória, que funciona no antigo Hotel Vitória.
O preço é ligeiramente superior ao aluguer de uma sala na Casa do Alentejo, que o PCP também fez, por 300 euros. Nas mesmas contas dos comunistas é possível verificar que pagaram 1.380 euros por sinal de Internet à operadora NOS na noite eleitoral, uma vez que essa informação está no descritivo da fatura.
No caso do Bloco de Esquerda, como não é indicado o local da ação, não é possível perceber sequer um único fornecedor na lista que é tornada pública online pelo Tribunal Constitucional.
Os restaurantes do CDS
Dos cinco maiores partidos, o CDS é — além do PSD — o único que revela o nome dos fornecedores na lista de ações e meios. Mas de gastos de umas centenas de milhares de euros, muito abaixo dos mais de sete milhões de euros em faturas apresentados pelo PSD.
Ainda assim, é possível perceber, por exemplo, que a agência de viagens que os centristas usam mais é a Geostar. E também o nome de vários restaurantes onde os dirigentes fizeram refeições. Sem surpresa, nenhum é a Meta dos Leitões : Bruxa Bar, Cervejaria Baleal, Café Restaurante “Pessa” ou o Restaurante Zambéze são alguns dos exemplos.
O CDS também gastou 5.269,33 euros com o aluguer de auditório, montagem de palco, audiovisuais e serviços externos contratados à Fundação Serralves.