Discurso de candidatura de Rui Rio
Estou disponível para disputar as eleições, liderar o PSD na oposição ao PS e conduzir o PSD nas próximas eleições autárquicas”
A frase marca o momento em que Rui Rio diz claramente que vai à luta e que está disponível para fazer uma travessia no deserto como líder da oposição. Admite que a tarefa não será fácil e nomeia o PS como principal adversário. Embora queira posicionar o partido ao centro, deixa claro que o PSD, consigo ao leme, vai assumir o seu papel de oposição ao governo socialista. Uma oposição mais dura ao PS é, aliás, um dos trunfos que o adversário Luís Montenegro tem na manga. Quanto ao horizonte a que se candidata, Rio sabe que há primeiro um ciclo autárquico antes do ciclo eleitoral para liderar o país. Por isso, e tendo em conta que o próximo mandato de presidente vai de 2020 a 2022, Rui Rio estabelece como meta “conduzir o PSD nas próximas eleições autárquicas”. Se Rio conseguir recuperar algumas dezenas de câmaras ao PS, com uma estratégia autarquia-a-autarquia, pode começar a desgastar um governo minoritário do PS que aí já levará dois anos sem maioria e seis anos de governação de Costa. Será essa a primeira meta de Rio se conseguir ganhar a Montenegro: ganhar as autárquicas. Depois, lá virá então um eventual terceiro mandato rumo às longínquas legislativas de 2023 (a tal travessia do deserto).
A minha não-recandidatura pode levar o partido a uma grave fragmentação de consequências imprevisíveis (…) De um lado estava a parte pessoal, familiar e profissional, do outro os interesses do PSD e do país, que acabam por ser os mesmos porque se o partido ficar sem rumo isso não é bom para Portugal”
Ou eu, ou o caos. Na famosa batalha do “impeachment”, em janeiro deste ano, o líder do PSD chegou a testar esta fórmula no discurso que fez para dizer a Montenegro que não aceitava ir para diretas, ao alegar ser “uma caminhada insensata para o abismo”. Mas agora a estratégia ganha uma vida nova, já que as eleições internas estão mesmo aí à porta e Rui Rio quis dramatizar no anúncio da sua recandidatura à liderança do PSD. Em bom rigor, ao longo dos últimos quase dois anos, aquilo que se viu foi sobretudo uma guerra interna entre os críticos de um lado e os apoiantes de Rio, do outro. E se é verdade que há duas candidaturas adversárias à da atual direção, nada indica que Montenegro ou Pinto Luz viessem a protagonizar uma luta fratricida “de consequências imprevisíveis” caso Rio não avançasse. O presidente do PSD escolheu, ainda assim, alertar indiretamente para a hipótese do partido “ficar fragmentado” e “sem rumo”, podendo acontecer-lhe “o mesmo que aconteceu a outros grandes partidos europeus”, isto é, caminharam para a irrelevância eleitoral. Uma fuga para a frente do atual líder, que tem sido criticado precisamente pelo resultado eleitoral das últimas legislativas. E que risco representam os adversários de rio (em particular Luís Montenegro)? Serem o oposto de Rio. Ou seja, se o presidente do PSD quer reforçar “a social-democracia” e situar o partido “no centro político”, os outros – de acordo com a tese de Rio – vão transformar o PSD numa “força partidária ideologicamente vazia ou de perfil iminente liberal”. Se Rio representa “uma postura corajosa e frontal”, os outros têm “um discurso falho de imaginação” marcado pela “hipocrisia do politicamente correto”. Para marcar ainda mais a carga de dramatização associada a estas declarações, lembrou que foi uma decisão tomada sem que prevalecesse o seu próprio interesse pessoal, familiar ou profissional. Rio diz que ser líder da oposição é um dos cargos mais difíceis para exercer, mas aceitou voltar a dar o corpo às balas “em nome do interesse do partido e do país”.
A tarefa não deve ser desempenhada por quem obstinadamente a deseja nem por quem liminarmente a recusa. O primeiro porque, enredado na sua vaidade pessoal, não percebe a dimensão do que se propõe, e o segundo porque não teria força anímica”
É um recado para os adversários internos que o criticam desde a primeira hora, como Luís Montenegro. Sem dizer os nomes, Rui Rio fez questão de apresentar sua candidatura à liderança como se fosse uma inevitabilidade, puxando pelas suas qualidades em oposição aos defeitos dos adversários: há os que estão na política com uma postura de quem está “permanentemente em campanha”, há os que se candidatam por “vaidade e ambição pessoal”, há os que não têm “experiência política e profissional”, e depois há Rui Rio, que tem essa experiência, não tem essa vaidade e tem “um conjunto de características pessoais específicas”. Não é a primeira vez que Rui Rio aponta, de forma velada, o dedo a Luís Montenegro pela sua falta de experiência política e pela sua ambição pessoal desmedida. Montenegro foi líder parlamentar de Passos Coelho e, em janeiro deste ano, antes de se iniciar o ciclo eleitoral de 2019 (regionais, europeias e legislativas), desafiou Rio a convocar diretas. Rio não convocou diretas mas, antes que Montenegro apresentasse uma moção de censura ao Conselho Nacional, antecipou-se e apresentou ele próprio uma moção de confiança. Ganhou. Nessa altura, não se poupou em críticas à atitude do adversário interno que, “sem qualquer motivo” que o justificasse a não ser a “ambição pessoal”, “afrontou” uma “direção democraticamente eleita”. Foi uma ideia central a toda a intervenção de Rui Rio: a ideia de que pesou os dois pratos da balança, o prato pessoal/familiar e profissional, e o prato do interesse do partido e do país, sendo que o que pesou mais foi o segundo. Se tirasse o segundo da equação, Rio não tem dúvidas de que, se fosse só por motivos pessoais e profissionais, não hesitava em bater com a porta. Mas o interesse do partido e do país falou mais alto do que o desprendimento de cargos que Rio afirma ter. O imperativo é não entregar o partido a quem está cego por vaidade e ambição, e nem sequer percebe a dimensão da responsabilidade que aquele cargo representa, por isso mostrou-se disponível para assumir a recandidatura, mesmo que a título pessoal nem o quisesse fazer.
Eu gosto muito do PPD e do PSD pelo que fez nos últimos 40 anos, mas não gosto mesmo nada do que vejo nos partidos políticos, incluindo o meu”
Na manhã seguinte às legislativas, ainda nem o resultado tinha ainda arrefecido, e já Miguel Relvas surgia na TSF a classificar a derrota do PSD como “uma das maiores” e a dizer que era “fundamental que venha um novo líder e uma nova equipa”. Foi o primeiro a vir dizê-lo publicamente, mas não é só por isso que Rui Rio se dirige ao secretário-geral do PSD da era Passos com especial animosidade, sendo mesmo o único social-democrata que nomeou no discurso desta segunda-feira. Em plena campanha das diretas sociais-democratas (final de 2017), Rui Rio já atirava às “rasteiras” de Relvas (que apoiava Santana Lopes na corrida à liderança) e avisava que, a ser eleito, não iria “admitir uma coisa destas”. Essa “coisa” tinha sido um tiro de Relvas à sua (então possível) liderança, dizia o braço direito de Passos que Rio só seria líder por dois anos. Já no discurso da vitória, em janeiro de 2018, e também com Relvas na mira, Rui declarou: “O PSD não foi fundado para ser um clube de amigos, nem foi pensado para ser uma agremiação de interesses individuais”. O ano passou com Relvas pouco presente no espaço público, mas só até ao desaire eleitoral (que o líder social-democrata recusou ter acontecido). Apoiante de Miguel Pinto Luz, um dos desafiadores de Rio, Miguel Relvas foi o único que o líder referiu pelo nome esta segunda-feira. “Quando Miguel Relvas diz que não gosto do partido tem parte de razão. Gosto muito do PPD e do PSD que nestes anos fez muito por Portugal. Mas muitas vezes não gosto mesmo nada do que vejo nos partidos, incluindo no meu”. Mais do que o inimigo de estimação que identifica em Miguel Relvas, o líder do PSD acredita que uma parte do partido não gosta da figura que durante anos foi o todo poderoso do aparelho social-democrata (e onde continua a ter influência importante). Esta é, aliás, a imagem de que Rio quer ser o antagonista, por isso não desperdiça nenhuma intervenção de Relvas para lhe apontar o dedo diretamente, sugerindo ser ele o responsável máximo pelo clima de guerrilha interna permanente, sempre ligado a interesses pessoais e pouco interessado no partido em si. Faz mesmo questão de colocar um muro a separá-lo de Relvas e desta linha aparelhística de constantes jogadas de bastidores: “Há pessoas que eu gostava que não me apoiassem porque é bom que não me apoiem”. Disse e não precisou de mais para a sala saber ao que se referia. De imediato dispararam os aplausos dos seus apoiantes.
Num partido democrático e civilizado o normal é que depois das eleições internas se seja leal e se respeite a vontade dos militantes. As regras democráticas são estas e não a das vaidades pessoais”
Rui Rio não esquece o que lhe fizeram no inverno passado e voltou a lembrar o “lamentável golpe de janeiro”, ao qual cola Luís Montenegro. Neste caso pediu paz para o período pós-eleitoral. Para que o próximo líder, na travessia que terá que fazer na oposição, se concentre a combater o PS e não o próprio partido. Mais do que o sentido prático de pedir um partido pacífico (que sabe que dificilmente terá), Rio quer aqui mais uma vez lembrar o que enfrentou nos últimos anos. E que o resultado que teve (derrota para o PS e menos de 28%) foi “apesar de” tudo o que os críticos lhe fizeram. E voltou a falar das “vaidades pessoais”, sugerindo que Luís Montenegro ao tentar derrubar Rio a nove meses das eleições prejudicou o partido apenas por ambição pessoal. Pela tal vaidade e obsessão de chegar à liderança. Para finalizar, um aviso para o futuro, caso ganhe as próximas diretas: “Não estou disponível para voltar a enfrentar deslealdades e permanentes boicotes internos nos moldes em que tive de fazer ininterruptamente desde que tomei posse”.
O PSD não se pode deixar tomar por grupos organizados de perfil pouco ou nada transparente”
Não há discurso marcadamente de confronto com os adversários em que Rui Rio resista a fazer uma referência à maçonaria. Fê-lo no famoso confronto do “impeachment”, quando atacou indiretamente Montenegro pelas “permanentes manobras táticas ao serviço de interesses individuais ou de grupos, sejam estes mais às claras ou mais escondidos sob o manto de um qualquer secretismo”. Nessa altura, era evidente a referência à polémica em que Montenegro esteve envolvido em 2012 por causa da alegada presença a uma loja maçónica. Mas era também uma referência (mais uma) a Miguel Relvas, que Rio associa a um dos orquestradores de bastidores dos ataques à sua liderança. Desta vez, voltou a recorrer ao mesmo ataque até porque também chegaram a aparecer na imprensa referências a ligações de Miguel Pinto Luz à maçonaria. Ambos os candidatos negaram (ou desvalorizaram) essas supostas ligações. Mas a técnica serve para Rio associar os ataques de que é alvo às influências maçónicas. Ainda durante a campanha eleitoral, fez o mesmo mas para comentar as sondagens, num tweet onde falava de “cirúrgicos jornalistas ligados à maçonaria” por darem relevo a determinadas sondagens da Pitagórica.
No que concerne à liderança da bancada do PSD, deverá estar em consonância com o presidente do partido entretanto eleito. Nunca farei aos outros o que me fizeram a mim e por isso irei assumir eu próprio a liderança da bancada”
Foi uma tese que começou a circular na semana passada e que o Observador explicou neste artigo. Rui Rio vai mesmo assumir as rédeas da bancada parlamentar quando a Assembleia da República tomar posse, mas em regime de transição, até o novo líder (que pode ser ele próprio) ser eleito, no início do ano que vem. A ideia é não fazer aos outros aquilo que não gostas que te façam a ti. Quando chegou à liderança do partido, Rio deparou-se com uma bancada que não tinha sido escolhida por si e que era liderada por um dos fieis do seu maior adversário: Hugo Soares, fiel apoiante de Luís Montenegro, que deixara o cargo por já ter atingido o limite de mandatos. Na altura, com uma bancada repleta de anti-rioístas, Hugo Soares foi eleito com mais de 85% dos votos. O processo que se seguiu foi duro, com Rio a apontar Fernando Negrão como líder parlamentar, mas a ganhar à justa: apenas com 39% dos votos dos deputados. É para evitar divisões e guerras destas, que Rio chama a si esse cargo, mas só até a vida interna do partido estar estabilizada. A ideia é ocupar o cargo apenas até voltar a ser reeleito em diretas e, após ser entronizado, promoverá novas eleições na bancada. Se não for reeleito, a questão mantém-se: o novo líder fará o mesmo e escolherá o líder parlamentar que mais for da sua confiança política. É uma solução inédita, mas já se percebeu que Rio pouco lida a tradições. Além de que há um triplo ganho para Rio: evita divisões desnecessárias na bancada, dá uma vitória clara a Rui Rio junto dos seus deputados e ainda se afirma como o rosto do PSD na oposição a António Costa nos debates quinzenais. Ou seja, esvaziará aquela que é considerada a mais-valia de Luís Montenegro: o ataque cerrado a Costa.