O que faz um futuro gestor de empresas numa aula de risoterapia? “Foi a primeira vez que participei e adorei. Estava à espera de uma palestra teórica, com um orador a explicar os benefícios do riso, e acabei deitado no chão a fazer uma série de jogos com pessoas que não conheço”, conta ao Observador Rui Neto, aluno da licenciatura em gestão de empresas no Instituto Superior de Administração e Gestão (ISAG), no Porto. Não foi o único naquela sessão, eram 20 os participantes. Filipa Castanho, licenciada em gestão hoteleira, também lá esteve — e pela segunda vez. “Para mim, esta é mesmo uma das melhores experiências que o ISAG já me proporcionou. Em época de exames e de muito trabalho aqui, consigo relaxar. Penso que todas as empresas deviam apostar nestas terapias”, explica em entrevista ao Observador.
Estas aulas extracurriculares, bem diferentes das que integram um plano de estudos normal, começaram em dezembro. São gratuitas, realizadas em horário pós-laboral e abertas a toda a comunidade académica, entre alunos, antigos alunos, professores, funcionários, colaboradores e parceiros. A ideia partiu de Elvira Vieira, diretora geral do ISAG – European Business School, que, através do feedback que foi tendo por parte dos alunos e do próprio mercado de trabalho, identificou algumas necessidades. “Achámos que era importante que os nossos alunos desenvolvessem outro tipo de competências além do técnico-científico. Num contexto de trabalho, estão expostos a realidades muito diferentes daquelas que vivem numa instituição de ensino”, explica ao Observador.
Ter essas competências, acredita o psicólogo Paulo Moreira, pode, aliás, fazer toda a diferença em pessoas formatadas para resistir a grandes níveis de stress, pressão e necessidade de concentração e foco permanente. “Cada vez mais os recursos humanos valorizam as chamadas soft skills. As próprias entrevistas são hoje desenhadas com dinâmicas, debates e questões mais pessoais”, explica.
No ISAG, desenvolver a criatividade, a inovação e a sensibilidade foram alguns dos pontos de partida. “A parte técnica qualquer um, treinando, consegue lá chegar. Pode ser mais eficaz ou esforçado, mas, se estudar, consegue ser competente. A criatividade é mais difícil, pode não ser inata ou natural na pessoa e aí é necessária alguma ajuda e experiência”. Essa formação específica não se faz só a rir. Também há aulas de biodanza e mindfulness.
Rir, dançar e descontrair
A vontade de encontrar metodologias dentro da inteligência emocional que respondessem a este objetivo traduziu-se em muita curiosidade, pesquisa de casos internacionais, estudo por parte de alguns docentes, que inicialmente estranharam esta busca, e até consultas de sociologia e psicologia. “Estamos a ser extremamente arrojados, nas escolas de gestão internacionais fazem-se algumas atividades de coaching mas não encontrei nenhum projeto que reúna o que estamos a fazer. Não replicamos nenhuma ideia, fomos buscar vários elementos dentro do que nos pareceu fazer mais sentido”, explica Elvira Vieira.
“Fizemos uma atualização do plano de estudos, mas não era possível acrescentar unidades curriculares diretamente ligadas ao desenvolvimento criativo e cultural, pois não temos cursos nessas áreas. Podemos, sim, realizar atividades extracurriculares complementares e foi o que fizemos.” O primeiro passo foi dado há dois anos, numa parceria estabelecida com a Run Porto, uma organização de eventos desportivos. Seguiram-se os protocolos com a Casa da Música, o Teatro Nacional de S. João ou o Teatro Municipal Rivoli, onde, através de atividades e workshops, promove-se o gosto pela arte, pela cultura e pelo desporto.
Mas, afinal, por que razão é importante um aluno de gestão correr uma maratona, ver uma peça de teatro ou saber apreciar um concerto de uma orquestra sinfónica? Elvira Vieira acredita que “cultivar este tipo de interesses aguça uma certa sensibilidade necessária para nos conhecermos melhor e isso ajuda a obter melhores resultados”.
Num mercado “cada vez mais exigente e competitivo”, a professora defende que a formação técnica tradicional é importante para atingir os objetivos, mas não chega para alcançar o sucesso. “Quem faz a diferença é quem consegue ser mais criativo e inovador, quem encontra caminhos diferentes e tem ideias novas. Estas atividades vão ter resultados, pode ter a certeza.”
Além do desporto, da cultura e da arte, Elvira Vieira selecionou três terapias para sustentar ainda mais a aposta na inteligência emocional em contexto académico e profissional: risoterapia, biodanza e mindfulness. Este é, no entanto, apenas o início de uma iniciativa plural e abrangente, onde a intenção é alargar o leque de oferta consoante os resultados obtidos. Aulas de yoga, workshops de alimentação saudável ou sessões sobre sustentabilidade são algumas atividades pensadas, assim como uma pós graduação dentro desta área e um projeto de investigação, que está já a decorrer. Aliviar o stress, aumentar a autoconfiança e a concentração, controlar comportamentos expansivos ou saber gerir situações de crise são apenas algumas vantagens apontadas pela professora para os alunos de gestão, “geralmente mais sérios e compenetrados, que muito dificilmente saem da sua zona de conforto”.
Os benefícios do riso, por exemplo, “são muitos”. Quem o diz é Carolina Vilano, risoterapeuta e formada em yoga do riso. Começou a estudar esta área em 2010, “pela curiosidade de perceber como funcionava e sem ter qualquer experiência”. Fez voluntariado em escolas primárias e universidades seniores, até que, em 2016, criou o Rir Agora, onde atua “em todas as classes sociais e faixas etárias”. “Este é um projeto focado no desenvolvimento pessoal, tendo o yoga do riso como base, pois foi a atividade que o fundou. Tem também outras iniciativas como o programa de massagens nas escolas, o mindfulness, o empreendedorismo infantil, a educação emocional ou o team building para empresas”, diz Carolina em entrevista ao Observador.
Orienta as sessões de risoterapia no ISAG duas vezes por mês, fazendo um convite simples e direto: rir sem motivo. “O yoga do riso trabalha muito o rir sem motivo. Não é fácil incutir essa ideia porque naturalmente é estranho, mas, depois de todos entenderem o objetivo e os benefícios associados, acabam por aderir.” Segundo a especialista, “o cérebro responde ao estímulo do nosso corpo, quer estejamos a forçar o riso ou caso a gargalhada seja verdadeira”.
Para os alunos do ISAG, esta é, segundo Carolina Vilano, uma prática importante porque, “mais do que a matéria teórica ou prática, precisam de se encontrar a si mesmos e perceber o que são e o que realmente querem”. “O riso não resolve problemas, mas ajuda a pensar melhor. É uma porta para o autoconhecimento.” Em contexto académico, a professora realça as relações interpessoais que se criam numa aula de risoterapia, “uma vez que os alunos são obrigados a partilhar e a relacionar-se de uma forma muito genuína, mesmo que não queiram”. Dentro destas portas não há espaço para máscaras, vergonha ou desconforto. “Isto acaba por ser um treino para os deixar livres de preconceitos, barreiras ou limites que a própria sociedade impõe.”
A longo prazo, num cenário profissional, Carolina Vilano defende que o riso pode funcionar como uma estratégia valiosa capaz de relaxar, motivar e até aumentar o rendimento. “Quando nos sentimos saturados, podemos usar o riso como uma ferramenta num intervalo de cinco a dez minutos. Ao rir, conseguimos mais oxigenação no cérebro, a circulação fica ativada, estimulamos as hormonas da felicidade e retomamos o que estávamos a fazer com outra disposição, com mais energia, criatividade e concentração. Quando estamos a rir, não pensamos em nada e isso é bom, é relaxante.”
As aulas 100% dedicadas ao riso têm 60 minutos e são compostas por dança, jogos, exercícios de respiração, meditação e relaxamento, entre muitos momentos que remetem à infância e “nos levem à nossa criança interior”. As dinâmicas e as temáticas são sempre diferentes, razão pela qual não existam “duas sessões iguais”, e falar é expressamente proibido.
O silêncio também marca uma boa parte das aulas de biodanza, uma prática que envolve movimento e música, sendo “um método de desenvolvimento humano que ajuda as pessoas a melhorar a sua qualidade de vida”. Ana Maria Silva descobriu-a através de uma simples pesquisa na internet. “Tenho uma filha asmática que estava a precisar de ajuda, fiz uma pesquisa sobre formas que ajudassem os asmáticos a respirar melhor e descobri a biodanza”, conta em entrevista ao Observador.
“O que me encantou nesta área foi, por um lado, os conteúdos teóricos, o suporte histórico e bibliográfico, mas também os efeitos positivos ao nível da saúde.” Melhor regulação do sono e do humor, efeito antidepressivo, aumento da imunidade e da auto estima, melhoria do relacionamento com os outros são alguns benefícios fisiológicos e emocionais associados. A professora é coordenadora da Escola de Biodanza do Porto, fundada em 2004, embora a metodologia tenha surgido em 1965 a nível mundial. “Em Portugal estamos, neste momento, a tentar profissionalizar esta atividade”, refere.
Ana Maria garante que esta é uma aula abrangente a qualquer idade ou condição física. “Trabalho com grupos inclusivos com participantes autistas ou cegos, mas também com engenheiros ou professores universitários”. E o que distancia a biodanza dos estilos de dança comuns que conhecemos? Aqui não há coreografias, medidas ou níveis de performance, existe apenas a capacidade que cada um tem de se expressar através de um movimento livre, individual ou em grupo, proposto pelo professor, onde o contacto pode ser feito através do corpo ou do olhar.
No ISAG, a biodanza acontece quinzenalmente e tem a duração de uma hora e meia, onde, após uma partilha verbal, os participantes são convidados a não falar. Aí dão-se três momentos distintos, um com músicas ritmadas onde é ativado o sistema nervoso simpático, com mais adrenalina e mais movimento; um segundo momento, onde é ativado o sistema nervoso parassimpático, com um nível maior de descanso; e depois voltam a ouvir-se músicas mais intensas para regressar ao ritmo normal. As dinâmicas da aula assemelham-se ao ciclo de um dia, do acordar ao deitar, e são reaprendidas funções básicas da nossa vida, como a respiração ou o simples caminhar.
Para a professora, “as pessoas aprendem melhor através das emoções” e, muitas vezes, as competências intelectuais “não acompanham a maturidade emocional”.
Há muita competência técnica, mas falta inteligência emocional
Além dos benefícios para a gestão do stress, por exemplo, os especialistas dizem que atividades como esta podem ajudar a melhorar especificamente o desempenho profissional, sobretudo na gestão de recursos humanos. Paulo Moreira, psicólogo e fundador do projeto Treino de Inteligência Emocional, explica que “a grande maioria dos conflitos que surgem no dia a dia não surge por falta de conhecimentos técnicos”, apontando mais a um défice de inteligência emocional nas empresas.
O especialista dedica-se, desde 2014, a dar formação e consultoria nesta área a empresas e curiosos de norte a sul do país. “Formei-me em gestão, trabalhei na banca durante alguns anos e, autonomamente, procurava cursos complementares para melhorar os meus resultados. Foi assim que encontrei a inteligência emocional e comecei a aplicar os seus conceitos no meu dia a dia profissional”, explica ao Observador. Em Portugal “não existia uma certificação nesta área”, então Paulo debruçou-se sobre três grandes correntes mundiais, nas quais centrou os seus estudos em Londres e nos Estados Unidos na América, estudando mais tarde em psicologia.
No universo da gestão, o formador, acredita ser ainda mais importante a aposta nestes novos conceitos. “Cada vez mais os recursos humanos valorizam as chamadas soft skills, as próprias entrevistas são hoje desenhadas com dinâmicas, debates e questões mais pessoais.” E nessa formação específica, diz, tanto a risoterapria, como a biodanza e o mindfulness são “métodos que se complementam e ajudam” e que a gestão de stress e de conflitos são as principais necessidades das empresas em Portugal que procuram este tipo de serviços.
Mas se alguns aderem com rapidez, outros ainda demonstram alguma resistência. “A quantidade de informação que existe sobre estas matérias faz com que as pessoas fiquem confusas e comecem a ter dúvidas: será que resulta? Será que é apenas mais um novo conceito?”
Nos workshops que faz, em empresas de restauração às de mobiliário, passando por câmaras municipais e startups, Paulo Moreira, que é também autor do livro “Inteligência Emocional – uma abordagem prática”, trabalha estes conceitos numa perspetiva mais cognitiva, através de debates, reflexões e trocas de experiências, “com exemplos concretos do quotidiano”. A ideia é explorar, ao detalhe, a relação entre o pensamento e os resultados, assim como o autocontrolo, a consciência emocional, a resiliência perante as adversidades, o poder da comunicação ou as relações interpessoais com colegas e chefias. O formador diz que assim, sabendo dividir a emoção da razão, é possível tomar decisões mais objetivas e conscientes.