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ANDRÉ CARRILHO/OBSERVADOR

ANDRÉ CARRILHO/OBSERVADOR

Roda Bota Fora. Aqui a comédia é um clube de combate e no fim ganha só um

Seis comediantes escolheram o Teatro Ibérico como arena de combate. Se valem alguma coisa ao vivo, é o público que decide, sem botão de like, só com o riso. Fomos ver como funciona esta pancadaria.

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Primeira regra do Fight Club: “Não se fala do Fight Club”. Regra básica para qualquer associação underground evitar que o que se passa lá dentro saia cá para fora, com medo de represálias. O filme ou o livro ficam para uma tarde chuvosa de domingo, passemos antes para a vida real em Xabregas. Foi nesse bairro de Lisboa que um grupo de seis comediantes decidiu inaugurar um clube de porrada no Teatro Ibérico. A única (mas grande) diferença é que os golpes têm graça. Literalmente. Têm piada porque aqui os duelos fazem-se em formato stand up comedy. Uns contra os outros, a ver quem saca mais gargalhadas e aplausos do público. Fomos ver como estas sessões de pancadaria em modo galhofa acontecem: o antes, o durante e o depois.

Preparação

Como em qualquer outra situação de luta, primeiro é preciso preparação. Substitui-se a cave de um bar americano pelo “Cantinho dos Grelhados”, restaurante típico da zona lisboeta, onde a televisão está sintonizada no telejornal e a rádio passa a “Mafiosa” da artista brasileira Carolina, rodeada por garrafas e quadros de clubes desportivos. Perfeito.

Pedro Durão, Duarte Correia da Silva e Daniel Carapeto, três dos membros deste grupo, estão à porta, de cerveja na mão, a puxar o cigarro e já a pensar nas próximas piadas que vão usar. A chuva não lhes tira a vontade de desferir mais uma punchline. “Tenho texto bom”, chuta Carapeto, o mais confiante de todos os elementos. Nota-se na postura, no olhar mais intimidante, que contrasta com Durão, “o mais nervoso” – opinião consensual entre os seis –, de chapéu na cabeça, a esconder a ansiedade de pisar outra vez a mesma arena, só porque tinha escrito o texto no carro, a caminho do teatro. Cada um luta com o que tem, já se sabe.

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Esta foi a segunda data, ainda por cima esgotada. E há mais duas, dia 6 e dia 13. Nunca há termo de comparação, porque apesar de os protagonistas serem os mesmos, as armas — leia-se os textos de cada um — vão mudando. Na primeira parte, cada um tem dez minutos a solo, na segunda, há um combate de oneliners (piadas curtas), onde os lutadores têm duas vidas cada. Ganha quem tiver mais risos. Na primeira sessão ganhou Diogo Abreu. É por isso que enquanto mais de metade do grupo está na rua, Diogo está a jantar tranquilamente: e o melhor é não interromper a hora sagrada.

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Esta semana, Duarte parece querer levar o troféu, começando a partilhar material que trazia do Twitter. Houve pouca reação: roda, bota, fora, que o botão do like não funcionou ao vivo. “Resulta melhor escrito”, remata, sem desmoralizar, porque há mais golpes para dar. Logo a seguir surge Guilherme Fonseca, que tinha chegado atrasado ao jantar, e é, dos seis, o mais velho no circuito do stand up. “Esta piada quer dizer que o jogo hoje vai ser bom, é isso?”, diz para quebrar o silêncio que se instalou por segundos.

Guilherme volta para dentro e aproveita para falar com o Observador. “Achávamos que faltava um complemento, além desta bazófia de sermos amigos. E queremos que parte do espectáculo vá para a internet”, porque a comédia em Portugal tem de seguir a moda do que se faz lá fora: conteúdo ao vivo que ganha vida no online. Todos eles têm lá o seu espaço, o seu público, mas ali despem o fato que esconde o humorista atrás de caracteres e dão o salto cru e genuíno, mano a mano, para o palco.

O combate

Feita a preparação, seguem-se os camarins, testar as luzes, treinar gargantas, beber mais uns líquidos. A chuva deu tréguas, é bom sinal. No caminho ficamos para trás com o mais novo no circuito, Pedro Durão. “Sim, sou sempre o mais nervoso, mas eu sou assim na minha vida, tenho imensos ataques de pânico. Não tenho máscaras, como os outros”, ironiza. É que apesar de isto ser um combate, para Durão serve também quase como terapia, pois lida com os seus demónios em palco.

E se os diabos estão ali na frente, os anjos estão nos bastidores. É que Durão, de vassoura na mão, e Duarte, de microfone em riste, começam a cantar a “Noite Branca” dos Anjos em pano de fundo, enquanto Pedro Sousa faz testes de som, já que é ele hoje que faz o warm-up — e não se pode deixar o público gelar. Foi este humorista que teve a ideia para o espectáculo, é ele que comanda as tropas esta noite.

"Quando passam o testemunho, cumprimentam-se a seco, numa espécie de ritual involuntário que não pode distrair do que aí vem. “Senti-me bem, fui medroso no fim, tive aplausos e hesitei em sair”, larga Abreu, com as mãos na cabeça, como quem viu fugir a auto-confiança na reta final."

Nos lugares para os espectadores, encontramos o convidado especial da sessão (todas as noites têm um): Guilherme Duarte (Por Falar Noutra Coisa), que “como não tinha mais nada para fazer”, resolveu calçar as luvas e tentar vencer os anfitriões. Para ele, a comédia por cá está mais forte que nunca, achando, porém, que faz falta “um circuito regular”.

Nesta nossa ronda pela arena, seguimos para os camarins, onde é proibido fumar, mas essa não é a única regra. Ninguém copia o texto do outro, não há marcações, mas há um cronómetro para respeitar: dez minutos a solo e o tempo que for preciso até haver um vencedor quando estão todos juntos. É por isso que nas três salas, onde o piso ainda está escorregadio, vamos encontrando os comediantes, ora sozinhos, ora acompanhados. Carapeto prepara-se com as suas pequenas notas, Durão desliza de espaço em espaço a tentar perceber como é que se fuma aquela coisa do tabaco aquecido, Guilherme bate bolas com o convidado e Sousa vai mantendo a pose mais tranquila, enquanto exercita os músculos.

Já Diogo passa mais tempo na casa de banho. “Eu fico ansioso, não nervoso, e como em tudo o que faço na vida, tenho sempre de ir ao WC, mesmo que coma só uma azeitona”, conta. Duarte resguarda-se sozinho ao espelho a treinar o texto. Os risos que vão ter são de cada um e é preciso testar o material, a solo e em grupo, transformando os colegas em saco de boxe das piadas. O que não resulta ali dentro, não segue para o palco.

“Acontece a todos, é texto novo”

O relógio bate nas 21h40, é hora “de fazer humor”, como explica Sousa, que entra em palco, qual anunciador de ringue, para sentir o pulso a quem veio. Atrás das cortinas já estão o Diogo e o Guilherme, o nervosismo instala-se no cubículo. “Ele está a testar o texto comigo e eu finjo que estou a ouvir”, confessa o segundo, por entre abraços. Sai Sousa, entra Guilherme, o relógio não pára, tin, tin, próximo comediante.

Sousa, que passou toda a noite em paz, parece derrotado. “Foi duro”, partilha, em jeito de desabafo com Carapeto. “Acontece a todos, é texto novo”, tranquiliza o seu par, até porque não é hora de deitar a toalha ao chão. Já Durão continua nervoso, a cambalear nas escadas, distraindo-se com o raio do tabaco do outro mundo. As insónias ficam para mais tarde, até porque bafos stressados relembram-lhe que está bem acordado.

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Sai Guilherme, entra Abreu, roda mais um, bota mais comédia, viram-se mais uns golos nas bebidas que restam. “Fiz dez, não fiz? Eu vi a luz a dar a indicação do fim do meu tempo!”, exclama o também guionista para os restantes, que no primeiro combate se tinha excedido uns minutos. Duarte, o próximo a entrar, largou as suas expressões dramáticas ao espelho, e seguiu para o cubículo, espreitando o round de Abreu, para ver se o riso não se esgota. Quando passam o testemunho, cumprimentam-se a seco, numa espécie de ritual involuntário que não pode distrair do que aí vem. “Senti-me bem, fui medroso no fim, tive aplausos e hesitei em sair”, larga Abreu, com as mãos na cabeça, como quem viu fugir a auto-confiança na reta final. Durão, o que fecha, continua fascinado com o tabaco futurista, sentado nas escadas. Sousa volta a estar em paz, porque “fazer humor” é um ciclo vicioso de ir ao chão e levantar.

Carapeto está pronto, de phones no ouvido, capuz para cima, só falta o saltitar de pugilista. Não tem olhos de tigre, mas este Rocky gosta de entrar assim, a meio, porque no início o público está frio e no fim o comediante passa muito tempo à espera de entrar.  “Comigo, a casa vai abaixo”, diz bem alto, de peito cheio. Afinal temos tigre na sala, pronto a rosnar. Roda Carapeto, fora Duarte. “O público está na onda de rir por isso é que gosto de ir no meio, no início quebra-se o gelo, no fim fecha-se com chave de ouro”, conta-nos o também radialista. Ou não. Se o encore de uma banda for mau, só se vão lembrar desse encore e Duarte quer ser lembrado do início ao fim. Lá dentro a régie pede que falem mais baixo, porque passada a desilusão de ter falhado alguma coisa, o espírito festivo do grupo regressa, como uma república onde a testosterona deve estar sempre lá bem alto. Carapeto sai como entrou: confiante. Durão entra como começou: nervoso. São David e Golias esta noite, mas não há inimigos, porque estão aqui para o mesmo.

Round final

Fora Durão, adeus demónios, fim do primeiro round a solo. É hora do jogo final, aquele por que todos esperavam, os corpos estão cansados, mas a cabeça ainda funciona e isso é que interessa.

"Cai o pano, rodam todos para o camarim, reveem-se piadas, abraçam-se os pares, e anseia-se por puxar um cigarro a sério, que a bateria do tabaco da moda já acabou. “Bora lá fora tirar fotografias com os fãs”, finaliza Sousa."

Guilherme Duarte, o convidado especial, levou o título, já Abreu, o vencedor da data anterior, foi logo o primeiro a sair de cena. Afinal este clube tem boas maneiras. Durão, o David desta arena, derrotou o Golias, Carapeto, e chegou ao combate final, mas como não tinha mais socos para dar, ou oneliners para debitar, caiu redondo no chão. Quer dizer, caiu de pé, como os outros cinco, não foi knockout. Durão fez jus ao apelido que soa a alter-ego, apesar de Pedro ter estado sempre hesitante. É que se levam todos KO, não há mais espectáculos.

Cai o pano, rodam todos para o camarim, reveem-se piadas, abraçam-se os pares, e anseia-se por puxar um cigarro a sério, que a bateria do tabaco da moda já acabou. “Bora lá fora tirar fotografias com os fãs”, finaliza Sousa. E pelo caminho, bota mais comédia, se der.

Fotografias de André Carrilho

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