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Rosneft tornou-se a maior petrolífera russa com Putin. Saída da BP é muito mais do que economia

A Rosneft tornou-se a maior petrolífera da Rússia à boleia da ascensão de Putin. A britânica BP, agora, vai sair do capital da companhia russa. Mas isso é mais do que economia.

“BP é um dos principais investidores estrangeiros na Rússia”. A porta de entrada no site da BP para a sua participação na energia russa não deixa margens para dúvidas. Ou não deixava. Este domingo a BP anunciou que vai abandonar a participação na Rosneft, a maior petrolífera russa, que ganhou esse estatuto com Putin, que ditou o fim da Yukos, falida em 2006, depois do seu líder Mikhail Khodorkovsky, opositor do presidente russo, ter sido detido em 2003.

A Rosneft foi o sucessor na proeminência da indústria petrolífera da Rússia, apoiada por Putin. E foi em 2013 que a Rosneft ficou com a TNK-BP, que era a joint-venture que, em 2003, a BP tinha estabelecido na Rússia com empresários russos, entre os quais Mikhail Fridman — um dos russos mais ricos (detentor dos supermercados Dia, que em Portugal são donos dos Minipreço) — que já pediu que a guerra parasse. Numa carta aos seus trabalhadores da LetterOne, em Londres, mostrou-se contra a guerra, mas sem apontar o dedo a Putin. Fridman é também detentor do banco Alfa Bank, que está sob as sanções dos aliados.

Mas Fridman, tal como a BP, vendeu a posição na TNK-BP à Rosneft em 2013. Fridman, cuja fortuna está calculada pela Forbes em mais de 15 mil milhões de dólares, recebeu 14 mil milhões de dólares pela venda da TNK-BP, e formou a LetterOne.

A BP ficou, então, na Rosneft. Tem 19,75% da Rosneft e assento no conselho de administração. Agora, como contam os jornais internacionais, as pressões do Governo de Boris Johnson eram muitas e a BP anuncia a saída da Rosneft, não indicando, no entanto, como o fará, mas já há quem antecipe a venda a outra entidade russa.

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O JPMorgan estimou que cerca de 9% dos ativos da BP estejam expostos à Rússia, em comparação com uma média do setor na Europa de 5%. E, por isso, sair agora da Rosneft e abdicar dos seus dividendos — poderia receber só este ano em dividendos cerca de mil milhões de euros e em 2021 recebeu cerca de 600 milhões — vai obrigar a BP a uma imparidade significativa nas suas contas.

A petrolífera europeia pode ter uma perda de estimada em mais de 20 mil milhões de euros, com a venda da posição na russa e as perdas cambiais. A BP depende da Rosneft para cerca de um terço da sua produção.

A posição da BP na Rosneft, cotada em Londres, estava avaliada, no final de 2021, em 14 mil milhões. Além da venda, o presidente executivo da BP, Bernard Looney, e o ex-presidente, Bob Dudley, vão sair do conselho da Rosneft, onde ainda se mantém o ex-chanceler alemão Gerhard Schröder como chairman.

A BP indicou, ainda, que sairia até de três outras joint-ventures que participa na Rússia, avaliada, segundo o Wall Street Journal, em 1,4 mil milhões de dólares, incluindo a participação nos campos petrolíferos da Sibéria, alguns deles “herdados” da Yukos.

A joint-venture Taas-Yuryakh na Sibéria, onde a BP detém 20%, produzia 70 mil barris de petróleo por dia, estando estimado chegar a 100 mil barris.

Até há poucos dias a BP não equacionaria este movimento. No início de fevereiro, como conta o Wall Street Journal, Looney, numa conferência com analistas, citava a histórica presença na Rússia —  com cerca de 30 anos — para desdramatizar as tensões geopolíticas.

A 8 de fevereiro, antes da invasão russa à Ucrânia mas já sob forte tensão, declarava: “Uma das coisas que aprendi cedo é a de não nos preocuparmos com as coisas antes de acontecerem, e quem sabe o que vai acontecer”. Aconteceu a guerra. E, agora, o anúncio da saída. Helge Lund, chairman da BP, declarou que a guerra mudou o jogo e, por isso,  “o nosso envolvimento com a Rosneft, uma empresa controlada pelo Estado [russo], não pode continuar”.

Mas, segundo o Wall Street Journal, houve mesmo uma chamada entre o presidente executivo da BP, Bernard Looney, e o ministro da Energia britânico, Kwasi Kwarteng, que expressou a sua profunda preocupação por causa da participação da BP na Rosneft, considerada como uma das principais financiadoras de Putin e consequentemente da invasão da Ucrânia e, segundo a BBC, é quem fornece combustível ao exército russo.

Russia's President Putin and Rosneft CEO Sechin meet in Novo-Ogaryovo

Mikhail Klimentyev/TASS

O seu presidente, Igor Sechin —  um dos oligarcas com sanções em cima, desde a crise da Crimeira em 2014, e que agora já se estenderam ao seu filho — é um aliado de Putin. Dan Peleschuk, considerado especialista de assuntos sobre a Rússia, declarou até que Sechin seria a segunda pessoa mais poderosa da Rússia.

E por isso sempre que a Rosneft pediu dinheiro ao estado russo assim o recebeu. Mas o oposto também é verdade. A Rosneft tornou-se a principal petrolífera do país no regime de Putin. Criada em 1993, era, então, também grande, mas no tempo de Yeltsin foi despojada dos seus principais ativos enquanto surgiam novas companhias privadas e nessas companhias pontuavam a Lukoil, Surgutnetfegas e Yukos. Em 1998 só representava 4% da produção russa. Mas tudo viria a mudar. Em 1999 Putin chega ao Governo como primeiro-ministro e à presidência em 2000.

Em 2005, a Rosneft já era um dos principais players do setor na Rússia, para chegar ao topo em 2011, passando mesmo a ser uma das maiores a nível mundial.

À custa de outras empresas e à custa de outros empresários. Um deles, Mikhail Khodorkovsky, que já foi o homem mais rico da Rússia, quando ainda a Yukos não tinha caído em desgraçada. Contou recentemente ao Sunday Times que esteve frente a frente com Putin em 2003, mal sabia o que o aguardava nesse mesmo ano. Foi preso na Sibéria, onde estavam muitos dos seus poços de petróleo, durante 10 anos, até que recebeu ordem de soltura mas teve de sair do país. Vive em Londres, com a mulher Inna e três filhos.

Khodorkovsky teve de sair da Rússia, depois de ter estado preso quase dez anos

AFP/Getty Images

Mas sem os ativos. Esses ficaram na Rosneft que sempre negou ilicitude nessas aquisições. Mas também foi por isso que muitos acabaram a apelidar esta companha de Rostheft (theft significa roubo).

“Putin’s People” o livro de Catherine Belton, que foi correspondendo do Financial Times em Moscovo, acusa a Rosneft de ter desembolsado 600 milhões de dólares por um negócio que valia metade para poder pagar, alegadamente, uma parte a Putin. Além de acusar a Rosneft de ter entrado na bolsa de Londres, em 2006, por um valor inflacionado. O livro sobre a ascensão de Putin teve vários processos em tribunal. 

A ascensão de Putin foi também a ascensão da Rosneft. Mas há mais empresas petrolíferas europeias com negócios na Rússia. A Shell participa no Sakhalin 2, com 27,5%, controlado pela Gazprom. Fornece gás natural. E a norte-americana ExxonMobil tem mais de mil trabalhadores na Rússia, onde está há 25 anos. Tem 30% do Sakhalin-1, onde estão subsidiárias da Rosneft. Além de haver presença de empresas dos aliados dos gasodutos Nord Stream 1 e 2.

Para já só a BP marcou a sua posição. Além do fundo soberano da Noruega que anunciou que vai vender todos os ativos russos que tem na carteira. São posições em 47 companhias e obrigações soberanas, com uma avaliação total de cerca de dois mil milhões de euros no final de 2021.

Os aliados têm dito, e repetido, que querem estrangular economicamente a Rússia, nomeadamente com as várias sanções que dia a dia vão aumentando. A Rosneft já estava sob sanções desde 2014. Agora perderá um acionista. O anúncio da BP é, no entanto, mais do que uma simples saída do capital. É o corte com a maior petrolífera russa, uma das fontes de financiamento do Kremlin, e que tem à sua frente um aliado de Putin.

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