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Manuel Luís Goucha em conversa com o Observador no Dia Mundial da Televisão, 21 novembro de 2014.
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Manuel Luís Goucha em conversa com o Observador no Dia Mundial da Televisão, 21 novembro de 2014.

Manuel Luís Goucha em conversa com o Observador no Dia Mundial da Televisão, 21 novembro de 2014.

Roupas "coloridas" de Goucha chegam ao Tribunal Europeu

O apresentador de televisão sentiu-se humilhado com os argumentos de uma juíza que recusou proferir acusação contra programa de televisão da RTP 2 que o nomeou de "melhor apresentadora".

“É uma figura pública que usa casacos de cores apropriadas ao universo feminino”

O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) aceitou o pedido do apresentador de televisão Manuel Luís Goucha, na sequência de uma queixa que apresentou em 2012. Goucha sentiu-se “achincalhado” por ter sido considerado “a apresentadora do ano” num programa televisivo. E “humilhado” pelos argumentos invocados por uma juíza de instrução, que decidiu não haver motivo para acusar o coordenador do programa “5 para a Meia a Noite”, Carlos Moura, e a apresentadora da emissão da RTP, Filomena Cautela. O vídeo está disponível e o momento aconteceu ao minuto 5’52”.

 

Manuel Luís Goucha foi escolhido “apresentadora do ano” na emissão de 28 de dezembro de 2009, conduzida por Filomena Cautela. Na altura, o apresentador mostrou o seu desagrado pela “graçola labrega e gratuita” e disse sentir-se “achincalhado”. Decidiu processar a produção e a estação de televisão. A apresentadora, por seu turno, respondeu na altura que “tudo não passou de uma brincadeira” e que não houve intenção de “ofender” Manuel Luís Goucha.

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"Não sou apresentadora, sou homem, mais homem do que muitos homens que maltratam as mulheres", referiu na altura ao antigo diário 24 horas.

O Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa não deu razão ao apresentador de televisão e decidiu pela não pronúncia dos arguidos, Carlos Moura, Filomena Cautela e o canal RTP2. Além da decisão em prejuízo do apresentador, na sentença há referências às “atitudes”, “formas de expressar” e às roupas coloridas, nomeadamente os “casacos”, de “cores apropriadas ao universo feminino”.

Manuel Luís Goucha mostrou-se descontente com a decisão “lavrada por uma juíza que entendeu” que podia “ser humilhado”, pode ler-se no texto que colocou no seu blogue. No mesmo post, acrescenta ainda que “o direito à resistência e à indignação assiste a qualquer um”. “E eu nunca me calarei perante o preconceito, venha ele de onde vier”, assegura.

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Recorreu, então, a instâncias europeias. Interpôs uma ação contra o Estado Português no TEDH, que foi enviada em outubro de 2012. O apresentador da TVI aguarda agora a sentença. O caso foi novamente noticiado esta semana porque o apresentador falou nele numa entrevista.

Contactado pelo Observador, Manuel Luís Goucha disse não querer falar do assunto neste momento. “O processo foi aceite pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e terá desenvolvimentos durante o próximo ano, por certo. Por isso, prefiro depois falar do assunto mais em pormenor”, justificou.

O TEDH não aceita todas as queixas que lhe chegam e só é possível recorrer quando esgotadas todas as instâncias em Portugal. O Observador diz-lhe como no final deste texto.

Quando as decisões dos juízes são polémicas

Esta não é a primeira vez que os juízes geram controvérsia nas suas decisões. Em outubro foi tornado público um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que reduziu o valor da indemnização que a maternidade Alfredo da Costa tem de pagar a uma mulher que ficou impedida de voltar a ter relações sexuais com normalidade, depois de uma operação há 19 anos. Um dos argumentos: a doente “já tinha 50 anos e dois filhos”, isto é, “uma idade em que a sexualidade não tem a importância que assume em idades mais jovens, importância essa que vai diminuindo à medida que a idade avança”. Entre os juízes, com idades entre os 56 e os 64 anos, há uma mulher.

O Tribunal da Relação do Porto, em 2013, obrigou uma empresa a reintegrar um funcionário que despediu por este se encontrar a trabalhar alcoolizado. Argumento: não havia qualquer norma na empresa que proibisse o consumo de bebidas alcoólicas. Os juízes aconselham a empresa a emitir uma norma interna fixando o limite de álcool em 0,50 gramas por litro, “para evitar que os trabalhadores se despeçam todos em caso de tolerância zero”.

“Não há nenhuma exigência especial que faça com que o trabalho não possa ser realizado com o trabalhador a pensar no que quiser, com ar mais satisfeito ou carrancudo, mais lúcido ou, pelo contrário, um pouco tonto.” Pelo contrário, “note-se que, com álcool, o trabalhador pode esquecer as agruras da vida e empenhar-se muito mais a lançar frigoríficos sobre camiões, e por isso, na alegria da imensa diversidade da vida, o público servido até pode achar que aquele trabalhador alegre é muito produtivo e um excelente e rápido removedor de eletrodomésticos.”

Em 1989, num acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que foi muito comentado, dois jovens foram absolvidos da decisão em primeira instância que os condenava por violações de duas turistas de férias no Algarve. As duas seguiram de boleia com os agressores, que acabaram por fazer um desvio e violá-las. Alguns dos argumentos foram estes:

“… Se é certo que se trata de crimes repugnantes que não têm qualquer justificação, a verdade é que, no caso concreto, as duas ofendidas muito contribuíram para a sua realização. Na verdade, não podemos esquecer que as duas ofendidas, raparigas novas, mas mulheres feitas, não hesitaram em vir para a estrada pedir boleia a quem passava, em plena coutada do chamado «macho ibérico». É impossível que não tenham previsto o risco que corriam; pois aqui, tal como no seu país natal, a atração pelo sexo oposto é um dado indesmentível e, por vezes, não é fácil dominá-la. Ora, ao meterem-se as duas num automóvel justamente com dois rapazes, fizeram-no, a nosso ver, conscientes do perigo que corriam, até mesmo por estarem numa zona de turismo de fama internacional, onde abundam as turistas estrangeiras habitualmente com comportamento sexual muito mais liberal e descontraído do que a maioria das nativas.”

Contactado pelo Observador, o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) disse não querer fazer quaisquer comentários sobre decisões judiciais em concreto. No entanto, José Mouraz Lopes reconhece que os juízes têm “diferentes perceções do mundo” que “muitas vezes se refletem na fundamentação” das decisões. “O que é preciso garantir é que essas diferentes mundividências não ultrapassam a legalidade da fundamentação das decisões”, explica.

O presidente da ASPJ diz que as situações apontadas são “pontuais” e decorrem da “amplificação” destes casos. “Não é uma situação que pode ser considerada dramática, nem se podem fazer juízos de valor sobre a magistratura em geral quando houve uma alteração pontual”, considera José Mouraz Lopes.

O juiz esclarece que é necessário ter “autocontrolo”quando se escreve uma decisão, porque a fundamentação deve “sustentar-se nas provas produzidas, nos factos” e “não deve ter qualquer tipo de juízos de valores pessoais dos juízes sobre as matérias em causa”. E conclui: “Os juízes não são todos iguais, nem devem ser”.

Qualquer cidadão pode recorrer ao Tribunal Europeu

Segundo o advogado Miguel Santos Pereira, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) intervém “sempre que os Estados faltarem ao seu dever”. O advogado explicou ao Observador como funciona o recurso para o TEDH:

Quem pode recorrer?

Qualquer pessoa ou empresa, não importa a nacionalidade ou a morada. Basta que a violação à lei tenha ocorrido dentro das fronteiras do Estado contra o qual se recorre. Este direito é vedado a qualquer organismo com poder público.

Quais os direitos e liberdades consagrados pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem?

Direito à vida, de não ser submetido a tortura, escravidão ou servidão, nem constrangido a realizar trabalho forçado ou obrigatório. O direito à liberdade e segurança, a um processo equitativo. Direito ao respeito da vida privada, do domicílio e da correspondência, à liberdade de pensamento, de consciência e de religião. Direito à liberdade de reunião, ao respeito dos seus bens, à instrução. Direito a eleições livres, a não poder ser privado de liberdade por não cumprir uma obrigação contratual. Direito de circulação no território do Estado e de escolher livremente a sua residência. Direito a não ser expulso do território do Estado de que é cidadão e de não ser privado de entrar nesse território.

Quando pode recorrer?

Só pode recorrer depois de esgotadas todas as vias de recurso internas e num prazo de seis meses a contar da data dessa decisão. O Tribunal não se pronuncia sobre petições anónimas ou que já tenham sido ali avaliadas. Desde o dia 1 de janeiro que as queixas incompletas serão recusadas e que o formulário exigido tem que ser corretamente preenchido.

Como recorrer?

Preenchido o formulário, a queixa é entregue na secretaria do tribunal e pode, após uma primeira apreciação ser arquivada ou considerada inadmissível. No caso de ter sido considerada admissível, o Tribunal procede à tentativa de resolução amigável. Se houver acordo do Estado e do queixoso, poder-se-á encontrar uma solução amigável para o litígio. Se não, o Tribunal continua a apreciação contraditória da queixa e, se for necessário, realizará um inquérito.

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