Na imprensa vem descrito como “um dos homens de Isabel dos Santos” na administração da Efacec. Ângelo Ramalho, administrador-executivo da Efacec, de 56 anos, recusa o apodo. Diz-se “um homem da Efacec”. Só. Mas reconhece que a empresa tem dois momentos definidores: a entrada da filha do ex-presidente angolano no capital da empresa portuguesa (onde ainda detém mais de 67%, agora à venda) e dezembro do ano passado, com o rebentar do escândalo Luanda Leaks.
Desde que o caso foi noticiado que os bancos – muitos deles credores de Isabel dos Santos – montaram “um bloqueio em permanência” à Efacec. “Não temos nem linhas de financiamento nem a trade finance [as garantias bancárias essenciais na vida de uma empresa de projetos] necessária ao desenvolvimento das nossas operações”. Por isso não há tempo a perder: é essencial resolver a crise acionista, com a concretização – e rápida – da saída de Isabel dos Santos. Tudo se resolve a partir daí.
Aliás, a urgência é tão grande que Ângelo Ramalho não descarta como uma boa possibilidade uma nacionalização da empresa, como exige o PCP e sugere o Bloco de Esquerda. “Este quadro é de tal maneira premente e urgente que eu sou agnóstico a qualquer discussão sobre soluções. Precisamos de UMA solução. E para isto não há qualquer marcação de natureza ideológica”. Ângelo Ramalho no “Sob Escuta”, o programa de grande entrevista da Rádio Observador.
[Os melhores momentos da entrevista a Ângelo Ramalho, CEO da Efacec, na Rádio Observador:]
Gostaria de começar por recordar uma entrevista sua em 2016. Na altura disse que a acionista Isabel dos Santos permitiu estabilizar a empresa do ponto de vista financeiro. Eu vou citá-lo: “Hoje a empresa tem um balanço sólido e níveis de endividamento baixo, condições de base para se projetar na ambição que pretende ter hoje e no futuro próximo”. O que mudou desde então, desde essa visão?
Não mudou muita coisa. A empresa em 2016 tinha passado por um processo de reestruturação forte e tinha sido capitalizada. E em 2016 ou finais de 2015 teve as condições para se relançar e estabilizar e continuar o desenvolvimento da sua atividade na linha daquilo que é hoje amplamente conhecido e podemos detalhar. A empresa fez três anos consecutivos de resultados e de uma evolução francamente positivo e o ano de 2019 não foi na mesma linha.
Ia perguntar-lhe sobre isso, porque estive à procura e só encontrei os resultados de 2018.
Ainda não os temos.
Mas em 2018 houve um lucro de 14 milhões e 433 milhões de faturação.
Em 2019 teremos resultados negativos. Não vou antecipar.
Em que medida foram negativos ou por que razão foram negativos?
Olhe, vou ilustrar isso, mas não vou precisar porque não temos ainda o relatório e contas devidamente aprovado. Houve uma série de atrasos decorrentes de todo este processo que estamos a viver, mas no global foram quatro anos francamente positivos. Se compararmos estes quatro anos com os oito anos que os precederam, numa janela larga de 12 anos, a empresa teve resultados operacionais de 29 milhões de euros. Já estou a fazer aqui um bocadinho de disclosure sobre sobre aquilo que não é conhecido, mas para criar criar uma imagem que se perceba.
Voltando à comparação com os oito anos anteriores.
Portanto, nos últimos quatro anos a Efacec teve, em média anual, resultados operacionais de 29 milhões de euros. Por coincidência, por mera coincidência, é a média dos 8 anos imediatamente anteriores. E a partir daqui as diferenças são todas: a empresa fez estes 29 milhões de euros em média anual com menos 307 milhões de euros de endividamento bancário. Eu repito: fez o mesmo resultado operacional com menos 307 milhões de euros de endividamento bancário. E fê-lo também com o volume de negócios significativamente mais baixo. O que quer dizer que a sua eficiência operacional aumentou de forma significativa.
Por que razão o volume negócios tem sido mais baixo?
A razão maior foi que, de então para cá, reajustámos e refocamos a empresa noutros mercados, em particular nos mercados desenvolvidos do hemisfério Norte – na Europa e Estados Unidos da América, basicamente – mercados mais competitivos, mas com outros atributos do ponto de vista do risco do negócio e com aquilo que tem a ver com as nossas competências de base, e que nos garantirão perenidade. Ou somos capazes de competir em mercados competitivos e garantir prosperidade à empresa ou se vamos competir para os mercados emergentes, que são normalmente de margens mais atrativas, mas de elevadíssimo risco…
Eu gostava que nos explicasse o empréstimo obrigacionista de 2019, isto foi no valor de 58 milhões de euros. Que parte deste valor seguiu para os acionistas incluindo a investidora Isabel dos Santos e que parte serviu para capitalizar a empresa?
De forma muito rápida. Esse empréstimo teve como objetivo de base diversificar fontes de financiamento. A Efacec estava exclusivamente financiada na banca, e na banca portuguesa, e com este empréstimo obrigacionista financiámo-nos fora da banca. A maior parte desta emissão obrigacionista foi colocada fora do país e com o resultado desta emissão obrigacionista, o que fizemos essencialmente foi reduzir a exposição que tínhamos à banca portuguesa. Portanto, a banca portuguesa, por esse lado, ficou menos exposta à empresa. E o restante é envolvido na operação normal da empresa.
E no entanto, neste momento a Efacec está de novo junto da banca a pedir um novo empréstimo, com garantia.
Desde o início do ano que a Efacec tem um bloqueio bancário em permanência. Estamos há seis meses sem relação fluída com a banca, portanto não temos nem linhas de financiamento nem a trade finance necessária ao desenvolvimento das nossas operações. Certamente que isto tem por origem a crise acionista que se instalou logo no início do ano. Aliás, ainda o ano não tinha acabado havia já notícias que indicavam que algo verdadeiramente impactante na vida da Efacec…
Exato, chama-se Luanda Leaks, é esse o caso.
Exatamente.
Portanto neste momento a banca está a exigir uma garantia do Estado para este empréstimo?
Eu não lhe vou detalhar muito sobre isso, até porque há questões do foro interno da empresa e da empresa na relação com outras entidades que devem ser mantidas com a confidencialidade que lhes é devida. Mas, de facto, não é possível manter uma organização empresarial com as características da Efacec muito mais tempo isolada do sistema do sistema bancário que a financia e portanto todas as partes interessadas e o governo português certamente estão a procurar encontrar uma solução que convirja na perenidade na prioridade da empresa.
O que tem resultado dessas reuniões com o governo, com o ministro Pedro Siza Vieira? Qual tem sido a posição dele em relação à Efacec? É ou não é para viabilizar?
Aquilo que lhe posso dizer é que, desde o primeiro minuto em que se instalou esta crise, o interesse e o acompanhamento do governo tem sido permanente. E da nossa parte temos procurado manter a par e passo todos os nossos principais stakeholders envolvidos e o Governo, em particular. E portanto posso garantir que o acompanhamento é completo e permanente.
E há alguma intenção também de ligar essa garantia do Estado a estas atuais linhas de apoio à tesouraria para a pandemia?
Não vou comentar sobre matérias que estão sob reserva. O que vou sublinhar é sobre o interesse de todas as partes em conseguir uma solução convergente, para que a Efacec tenha o futuro que todos desejamos, como uma empresa economicamente viável, portanto com valor económico, e uma empresa com valor estratégico. É disso que se trata. É aqui que todos temos que estar focados.
Disse que a Efacec sob cerco da banca, digamos assim
Se quiser utilizar essa expressão…
Quão necessário é esse empréstimo para a sobrevivência da empresa?
A empresa não subsiste – nem nenhuma empresa, e muito menos uma empresa com a dimensão e com exposição a mercados internacionais que a Efacec tem – subsiste muito mais tempo isolada do sistema financeiro. E portanto temos que resolver com urgência tudo o que é importante resolver. E são atividades complexas que têm de ser fechadas e resolvidas para que o futuro da empresa continue sem sobressaltos. Naturalmente exposta às dinâmicas de mercado e a toda a concorrência com quem estamos habituados a esgrimir.
Acredita que a Efacec ser enquadrada pelo Governo na mesma categoria da TAP, ou seja a de não deixar cair a qualquer custo?
Não vou conjecturar sobre sobre isso, mas vou sublinhar o interesse do governo e a forma como tem acompanhado a situação da Efacec para que, em conjunto com todas as outras partes interessadas, se consiga a solução. E a melhor é a que for mais rápida, para que consigamos retomar a normalidade da atividade da empresa e não entrarmos numa exponencial negativa que seria destruidora de valor e que poria em perigo naturalmente não só valor económico como valor estratégico da empresa.
Eu perguntava isto porque quando o governo pediu autorização a Bruxelas para dar uma ajuda estatal à TAP, a Comissão Europeia enquadrou a TAP na categoria das empresas não viáveis, ou seja uma empresa que já tinha problemas antes da pandemia. A Efacec é viável? Pode explicar exatamente porquê?
A Efacec é viável pelas razões que comecei a explicar e continuarei a explicar. Nos últimos quatro anos, comparados com os oito anos anteriores, para o mesmo resultado operacional fizemo-lo com menos 307 milhões de euros de endividamento bancário. Melhoramos a eficiência operacional quase para o dobro. Melhorou 1,7 vezes em termos de margem operacional e entregámos, do ponto de vista de resultado antes de impostos, em média anual, mais 20 milhões de euros. De francamente negativo para ligeiramente positivo. Isto é o quadro e este quadro diz-lhe quase tudo do que foram estes quatro anos de viabilização, de estabilização, de demonstração de que é possível em Portugal uma empresa de tecnologia, atuando em mercados sofisticados, e fazê-lo de forma economicamente sustentada e viável. Este é o ponto. Depois entram as questões do valor estratégico.
Qual foi o último grande contrato da Efacec?
Múltiplos contratos da ordem dos 10, 15, 20 milhões de euros. Contratos de transformadores nos Estados Unidos, mas também temos algumas dificuldades hoje num quadro de manutenção da nossa carteira de encomendas, em ambiente extremamente stressante do ponto de vista financeiro, como acabo de ilustrar. O que devo referenciar é que, apesar disso, nestes primeiros quatro meses, a empresa teve mais de 100 milhões de euros de novas encomendas. O que não deixa de ser francamente distintivo num quadro, que eu diria quase que asfixiante. Talvez seja um termo forte, mas não consigo encontrar outro. Em que a nossa credibilidade é posta em causa pela envolvente que nos assola. Mesmo num quadro destes conseguirmos 100 milhões de euros de novos contratos e mantermos uma carteira de encomendas que andam na ordem dos 550 milhões de euros, que é muito mais do que a nossa capacidade de produção anual.
Há dias foi noticiado que a Efacec já perdeu contratos no valor de 150 milhões de euros, por causa do impasse neste processo que tem a ver com a ajuda da banca. Que contratos foram estes?
Eu desdobro-lhe isso em coisas concretas. Quando falamos em perda de contratos, temos que olhar para aquilo que é a nossa carteira de encomendas hoje – falei-lhe em 550 milhões de euros, que é a nossa carteira de encomendas – ou os contratos que estamos a negociar. E que poderemos concretizar ou não. A concretização desses contratos depende das condições de competitividade que tenhamos no momento negocial para convencer os nossos clientes a adotarem a Efacec. Da carteira de encomendas que temos… tivemos a perda na semana passada de cerca de 20 milhões de euros de encomendas. Muito significativas, foram na área de transformadores para os Estados Unidos e para França, que são dois mercados críticos para nós. O que eu imagino que a notícia que refere pudesse estar a ilustrar é que estamos a perder contratos futuros, pelo facto de não termos uma situação estável hoje que permita aos nossos clientes a garantia de que executaremos os contratos nos termos em que eles sejam contratualizados connosco.
Em que medida isso é mais gravoso para a Efacec do que para outros?
Quando somos uma empresa de projeto, e uma empresa de projeto precisa de trade finance, nomeadamente garantias bancárias para assegurar e demonstrar aos clientes que vai executar o projeto em conformidade com aquilo que está definido, nomeadamente garantias de boa execução ou garantia de performance ou mesmo garantias de down payment. Sem estes instrumentos nós não conseguimos contratualizar esses novos contratos. Mas sobre isto não queria especular muito. Aquilo que queria dizer era tão simples quanto isto: o esforço que temos feito até aqui demonstra que a Efacec é um projeto empresarial viável, de forma incontornável, e é o seu valor que temos que preservar para que ele continue viável no futuro. E obviamente não podemos estar muito mais tempo em condições de desigualdade com os nossos competidores, a concorrer sobre projetos novos em Portugal e em qualquer parte do mundo onde nós tenhamos capacidades distintivas e onde os nossos clientes nos queiram.
Mais uma vez, sublinho: a empresa tem neste momento um grande problema para resolver na sua estrutura acionista. E eu pergunto se ao nível da gestão isto não dificulta a sua relação não só com a banca, mas também a relação com os fornecedores, com os sindicatos ou institucionais?
Não tenha dúvidas que sim. O exercício, o desafio é precisamente esse. Ao longo destes seis meses gerir a empresa neste contexto de adversidade completa. Primeiro a crise acionista, depois o bloqueio que nos é imposto pela banca, depois a crise pandémica que afetou todo o mundo. E é neste contexto que nós – e eu, enquanto líder – tenho como primeira preocupação manter equipas motivadas, focadas e crentes no projecto que é delas, para o qual dão todos os dias o seu melhor e acreditam da forma que construíram até aqui que lideram um projeto viável no presente e no futuro. Agora estes seis meses demonstram uma resiliência e uma estoicidade dos nossos trabalhadores como seria difícil de imaginar.
Se tivesse que escrever três prioridades num papelinho – concerteza que já o fez muitas vezes – do que precisa ter em cima da mesa, alinhado, pronto e resolvido para que a empresa possa retomar o curso normal, quais seriam as três ideias?
Uma: resolução urgente da crise acionista. Com isto resolvido tudo o resto se vai resolver.
Já sabemos que há vários interessados na compra da Efacec…
Não vou também desenvolver muito sobre matérias que são de natureza confidencial. Se ainda ainda conseguir dar esta nota: a outra boa notícia é que a empresa tem tantos interessados como nunca teve, quando passou por um processo desta natureza.
Disse me que a única prioridade que escreveria num papel seria resolver este impasse na estrutura acionista. Há interessados, há muitos interessados. A Sonae Capital é um deles?
Não lhe vou confirmar nomes. E lamento que se especule sobre isso.
É prejudicial para a Efacec que estes nomes apareçam na imprensa?
Quanto muito será prejudicial até para os próprios interessados e para a credibilidade do processo que lançamos. O processo que lançamos e a forma como ele foi estruturado, o perfil de concorrentes que manifestam interesse pela empresa, merece que nós cuidemos dele com o maior profissionalismo que um quadro destes impõe. Mas posso lhe dizer que temos cerca de 30 manifestações de interesse, diferentes, de múltiplas origens geográficas.
Este processo de entrega de propostas não vinculativas está a fechar no final do mês, certo?
No final do mês receberemos ofertas não vinculativas e o processo continuará a partir daí. Estas manifestações de interesse são de várias geografias: Espanha, França, Reino Unido, Alemanha, Médio Oriente, Estados Unidos, de Portugal também, certamente. E portanto são múltiplas proveniências, de várias origens entre investidores estratégicos industriais a investidores financeiros.
Fundos.
Investidores financeiros, o que quer que eles sejam. Portanto o nosso desejo é que este processo se materialize em ofertas que interessem a todas as partes e que garantam a perenidade da empresa. No momento imediatamente a seguir à receção destas ofertas não vinculativas deverá um veículo receber todo este processo e negociar até a escolha do acionista em definitivo, processo que decorrerá nos próximos meses e deverá estar fechado junto ao final do ano.
Em que medida que os bancos têm dificultado este processo?
Eu não lhe vou comentar sobre as dificuldades, maiores ou menores, de facto, são dificuldades várias e vastas. Não fora isso e o processo estaria já concluído.
Não centralizando nos bancos, quais são as quais são as principais dificuldades que tem sentido. Porque não está ainda fechado?
A sua complexidade. E decorrente dessa complexidade, a lentidão. E cada semana que passa para a empresa é uma eternidade.
Quem escolheu a casa de investimento StormHouse para liderar este processo?
[Interrompendo] O Conselho de Ministros da Administração.
Foi noticiado que foi a acionista Isabel dos Santos que escolheu e que o Conselho de Administração aceitou essa proposta.
Não, não, não. O Conselho de Administração. Foi discutido em Conselho de Administração e, naturalmente, depois da nossa escolha feita participamo-la a todas as partes.
Por que razão considera a StormHarbour a melhor escolha?
Entre várias, foi a nossa opção. Não vou agora…
Até poderia dizer que foi por uma questão de preço…
Não, não. Foi a nossa opção, pela experiência e pelo currículo que tem a tratar de quadros desta natureza.
Considera-se um homem de Isabel dos Santos na administração?
Eu considero-me um homem da Efacec.
Foi escolhido por Isabel dos Santos em 2015.
Naturalmente.
O que é que sente quando lê na imprensa “Ângelo Ramalho, o homem escolhido por Isabel dos Santos” para liderar a Efacec, depois de um processo que até foi bastante polémico, com a compra nas condições em que foi feita.
Leio, leio. Deixe-me dizer, a esse propósito, que fui selecionado num processo competitivo, através de uma reputada firma internacional de headhunting. E sabia para que fim esse processo se destinava e a Efacec, para um gestor com o meu perfil, é um desafio. E estes quatro anos demonstraram da dimensão do desafio e estou muito orgulhoso no trabalho que temos conseguido e na equipa que a empresa tem e nos seus 2.500 trabalhadores. Tudo o resto são questões de segunda derivada, que não me preocupam em nada e não afetam em nada a minha relação com empresa.
Eu não estava a perguntar-lhe por duvidar do seu currículo, que aliás estive a ler, a questão é se isso lhe dificulta a gestão corrente do dia a dia na empresa.
Não, de todo.
Não dificulta? Com este escândalo da Luanda Leaks e a forma como foi revelando…
Vamos por partes. Essa pergunta é outra.
Se dificulta pessoalmente a si.
Essa pergunta é outra: no quadro em que vivemos, dificulta ou não dificulta? Tudo o que estamos a discutir é a melhor ilustração das dificuldades e dos desafios imensos pelos quais estamos a trabalhar. Nada pior pode acontecer a uma organização empresarial do que ter um acionista fragilizado e num quadro como aquele que é o conhecido. Não só do ponto de vista da confiança, como até do ponto vista da reputação. E portanto nós desejamos que na relação com o acionista tudo se resolva, e naturalmente será resolvido nas instâncias próprias. Enquanto empresa temos urgência absoluta em que o processo se clarifique e que se materialize a vontade que foi manifestada no dia 23 de janeiro da, ainda, atual acionista – embora sem poderes nenhuns na organização – mas que foi materializado, a pedido do Conselho Administração, de colocar a sua posição em mercado. O que aconteceu, diga-se em boa verdade, de forma imediata.
Deixe me voltar à sua entrevista de 2016 da qual guardei uma outra frase: “a notoriedade de Isabel dos Santos é uma mais-valia”. Se pudesse revisitar essa frase hoje, o que pensa sobre isso? É uma mais valia ou essa notoriedade tornou-se tóxica?
Inverteram-se as situações pelo quadro que vivemos. À época o contexto era um, hoje o contexto mudou completamente. E é desse contexto que nós estamos aqui a tentar tentar resolver e encontrar a solução para a prioridade da empresa.
Mas o caso de Luanda Leaks é algo que pode prejudicar o futuro da Efacec em definitivo? A origem dos fundos que serviram para adquirir a empresa, isso pode prejudicar de forma definitiva?
Sejamos claros: o caso está a prejudicar a empresa, na forma presente. E se não for resolvido, prejudicará na forma definitiva. O que nós queremos é que ele seja resolvido e o papel da empresa – e meu, enquanto líder da empresa – é criar as condições, na parte que nos cabe, para que esse caminho se faça mais depressa. Naturalmente, um caminho complexo, bem complexo, mas o tempo urge e temos que encontrar uma solução.
O PCP entregou uma proposta na Assembleia para que a Efacec fosse que fosse nacionalizada, dado o seu caráter estratégico. O que é que lhe parece essa proposta? Faz sentido?
Pediu-me há pouco três três ideias para materializar imediatamente e eu resumi a uma, que é a mudança acionista. É isto que tem urgentemente de acontecer.
Nem que o acionista seja o Estado?
Repito: o que tem que acontecer é a mudança acionista. E este quadro é de tal maneira premente e urgente que eu sou agnóstico a qualquer discussão sobre soluções. Precisamos de uma solução. E para isto não há qualquer marcação de natureza ideológica. Há uma preocupação minha enquanto líder empresarial, e de 2500 pessoas que trabalham na empresa, de preservarmos a empresa e o seu valor económico e estratégico para o futuro. É essa a preocupação que temos. Não tenho dúvidas que é uma preocupação partilhada por todos, nomeadamente pelo nosso governo, ao mais alto nível. Assim sejamos capazes de materializar o que quer que seja a solução e que aconteça em prazo visível.
Mais cedo ou mais tarde pode dar-se o caso de o Estado e o contribuinte vir a ser chamado para salvar o futuro da Efacec. O que diria a um contribuinte português para o convencer de que é dinheiro bem gasto?
Deixe-me dizer com toda a franqueza: eu espero que não seja necessário o contribuinte apoiar a empresa.
Mas pode vir a ser. Se houver uma garantia estatal aplicada a este pedido de empréstimo da Efacec, pode vir a ser necessário o contribuinte por o seu euro.
Não vou dizer muito sobre isto, mas posso-lhe adiantar o seguinte: o que seja, deverá ser naturalmente dentro dessa linha uma situação transitória. Isto para sublinhar que a empresa tem, do ponto de vista das suas competências, da sua viabilidade económica, todas as condições para rapidamente passar, ultrapassar este momento difícil que foi criado. Que lhe foi criado. E esta ultrapassagem deste momento difícil que é absolutamente urgente, qualquer que seja a forma como ela for feita. É isso que temos que ter em mente, só isso.
A compra da Efacec em 2015, parece-lhe que tem matéria para ser investigada judicialmente?
Ora aí está uma coisa que eu não lhe sei responder.
Esse negócio, na forma como foi feito com a Empresa Nacional de Distribuição de Energia de Angola (ENDE). A origem dos fundos utilizados para a aquisição da Efacec são uma bomba-relógio para a empresa?
Deixe-me dizer ao contrário. O que sei é que a empresa e os meios utilizados para a compra da empresa foram fortemente escrutinados. Isso eu não tenho dúvidas. Sobre aquilo que se especula nos jornais, eu não vou acrescentar nada sobre isso, rigorosamente nada. Mas não tenho dúvidas de que a forma como os meios que foram utilizados na altura para comprar a empresa foram fortemente escrutinados. Aliás, eu apareço na empresa, assumo funções na empresa já depois de a empresa estar reestruturada e da empresa estar competentemente financiada. Mas as notícias são as notícias, e terá que ser demonstrado em sede própria o que elas veiculam. Não vou dizer mais sobre o tema.
O Tribunal Central de Ação Criminal há dois dias reverteu uma decisão que retirava os direitos de voto de Isabel dos Santos na NOS. Há alarme na Efacec de que possa acontecer o mesmo em relação à Efacec?
Não, não, não. Não vou comentar sobre isso. Não devo sequer comentar sobre isso.
Mas leu essa notícia?
Eu não quero comentar sobre isso, mas sublinhar-lhe do desejo reiterado de que este processo de alteração acionista aconteça e que aconteça de forma rápida. Aliás, como foi manifestado pela própria no dia 23 de janeiro [data em que Isabel dos Santos anunciou que ia vender a sua posição].
O que é que mudou na gestão no dia 24 de janeiro?
Mudou… Gerir em contexto de crise é diferente de gerir em contexto de rotina. Se bem que uma empresa do perfil da Efacec não é de muitas rotinas. Trata-se de uma empresa de projeto. Os projetos são mais das mais variadas e das mais diversas naturezas, localizados em múltiplas geografias, portanto rotinas na Efacec é uma coisa que não existe. Agora entramos num processo de crise profunda imediatamente e a relação entre a empresa e os seus stakeholders mudou de forma muito substantiva. Com os seus fornecedores, com os seus clientes e com seus financiadores. E nós enquanto enquanto equipa – quer a gestão, quer os 2500 trabalhadores – perceberam de imediato que viviam um tempo novo, um tempo de grande desafio e a demonstração de destes seis meses é de uma imensa capacidade de alinhamento no propósito único de fazer a Efacec continuar apesar apesar das dificuldades que nos vão sendo infligidas.
Dos números que mostrou no início posso depreender que considera que Isabel dos Santos foi um parceiro essencial da Efacec.
A Isabel dos Santos chegou a Efacec numa situação em que a empresa estava tecnicamente falida. Tem esse mérito e esse mérito é dela enquanto acionista e do momento em que entra na empresa. Se me quer perguntar com isso se o acionista Isabel Santos representa facilidades de negócio em Angola… os números que lhe trago são bem ilustrativos. No caminho [de Isabel dos Santos na Efacec], a empresa foi sendo sempre capacitada naquilo que era necessário para conseguir atingir os seus objetivos. E se os atingiu melhor ou pior então a responsabilidade já é minha enquanto líder.
Que tipo de de acionista principal gostaria de ter nesta reestruturação institucional? Gostaria de ter um fundo, gostaria de ter alguém mais ligado a um concorrente, com o know how também nesta mesma área?
Não lhe vou dar nomes. A nossa urgência, o que é verdadeiramente premente é encontrarmos uma solução acionista. Uma solução acionista e há várias escolhas entre a solução acionista.
Pergunto porque há vários quadrantes políticos que falam da possibilidade de a empresa vir a ser comprada por um “fundo abutre”, que depois partir a empresa e despedir a equipa.
Há várias escolhas para essa solução acionista. Obviamente, no processo imediato imediatamente após a constituição do veículo que fará, esse sim, a escolha do acionista em definitivo. O facto de termos a possibilidade de escolha é em si – no quadro que atravessamos – algo de fantástico. Podíamos não ter escolha, mas não. Vamos ver que ofertas é que nos serão feitas, certamente, e só aí é que podemos manifestar ou desenvolver algum tipo de orientação. Até lá não vale a pena sequer conjecturar sobre esse aspeto. A não ser sublinhar o forte interesse que entidades altamente credíveis – todas elas, não tenho dúvidas – altamente credíveis e interessadas no projecto da Efacec.
Realisticamente, vê a hipótese de manter os 2600 trabalhadores no final deste processo de reestruturação?
Realisticamente lhe respondo que mantemos sempre os trabalhadores adequados ao contexto em que operamos. Já fomos mais, já fomos menos. Se formos obrigados a uma reestruturação forte – que naturalmente não desejamos – seremos menos. Se a empresa crescer para além daquilo que nós prevemos hoje, seremos mais. Uma preocupação sempre presente, a preservação de postos de trabalho, a preservação da empresa pelos postos de trabalho que ela representa, não só os diretos, como os múltiplos indiretos na relação com as múltiplas empresas que trabalham connosco e na importância que ela tem – naquela região em particular onde têm os principais ativos, que é a região do Porto e a região Norte, mas também para o país como um todo. Essa é a nossa essa nossa preocupação.
[A entrevista na íntegra:]