Houve avanços e recuos à mercê dos ciclos económicos, mas entre 2006 e 2020 os salários cresceram, em média, 1% por ano. Esta evolução não foi igual para todos os grupos e há mesmo quem esteja a perder nesta comparação temporal. É o caso dos trabalhadores mais qualificados — os que têm o ensino superior e até secundário —, que, em termos reais (ou seja, descontando o efeito da inflação, que foi baixa naquele período), estão hoje com salários mais baixos face ao período pré-troika. Ainda assim estão a recuperar e quem tem o ensino superior continua a auferir maiores salários. Sobretudo se optar por mudar de emprego.
Nos últimos anos, assistiu-se a uma “compressão salarial” ou, por outras palavras, a uma diminuição do diferencial com base na escolaridade que favorece os trabalhadores com menos qualificações. A conclusão consta num estudo do Banco de Portugal, divulgado esta segunda-feira, que olha para o período entre 2006 e 2020 — marcado por três recessões, revisões do Código do Trabalho, subidas do salário mínimo e uma inflação baixa, de 1,1% entre 2006 e 2020.
Em termos gerais, o salário médio real no setor privado cresceu entre 2006 e 2009, mas caiu significativamente nos anos da crise da dívida soberana, entre 2010 e 2012, recuperando a partir de 2013, mas sobretudo desde 2018. Os trabalhadores com o ensino superior e secundário são os únicos que, em termos reais, estavam em 2020 com salários inferiores aos de 2006, “num contexto de aumento significativo da entrada de jovens no mercado de trabalho com estes níveis de ensino” — um dado importante para perceber a diminuição do fosso salarial das qualificações.
Segundo os cálculos do Banco de Portugal, que excluem a função pública, com base nos Quadros de Pessoal e no INE, o salário médio real dos trabalhadores com ensino secundário diminuiu 45 euros (de 1.092 euros em 2006 para 1.047 euros em 2020), menos do que a queda do ordenado dos que têm ensino superior — de 134 euros, passando de 1.745 euros para 1.611 euros. Os trabalhadores com ensino básico, por outro lado, estão com salários acima dos de 2006.
Vários fatores ajudam a explicar esta “compressão salarial” entre os mais e os menos escolarizados. Desde logo, o aumento do salário mínimo, que foi de 64% no período em análise, mas que não soube empurrar os salários mais altos — e sim aqueles que estão muito próximos dele. Há, ainda, um efeito de recomposição, que reflete o facto de os jovens estarem a ser contratados a salários mais baixos do que antes da crise anterior. E porque é que isso acontece? Em parte, por causa do aumento da escolaridade dos trabalhadores em Portugal — porque sendo maior o peso da população mais escolarizada, não há tanta diferenciação entre trabalhadores como havia há 14 anos. Além disso, este foi um período em que a oferta de trabalhadores — e trabalhadores mais qualificados — aumentou muito, sem que a procura por parte das empresas se ajustasse da mesma forma.
A mesma tendência está a afetar os salários de entrada do trabalhadores mais qualificados. Um jovem com o ensino superior que tenha entrado em 2020 no mercado de trabalho terá, muito provavelmente, começado a ganhar menos em termos reais do que se tivesse iniciado a carreira no período pré-troika, entre 2006 e 2010. Mas nem tudo é negativo e há sinais de recuperação, conclui o Banco de Portugal.
A entidade liderada por Mário Centeno faz um exercício em que agrega indivíduos por ano de entrada no mercado de trabalho, com 30 ou menos anos e ensino superior, e segue-os ao longo do tempo (aqueles que permaneceram empregados). Entre 2010 e 2014, durante a crise anterior e a intervenção da troika, o salário médio de entrada destes trabalhadores diminuiu consideravelmente, mas depois seguiu-se uma recuperação, embora não suficiente para ultrapassar os valores pré-troika. Nos últimos anos tem-se, no entanto, verificado uma recuperação, que o Banco de Portugal atribuiu a um “ajustamento gradual” entre a oferta e a procura.
“No período mais recente, o salário médio real de entrada ainda é inferior ao observado entre 2006 e 2010, mas o perfil ascendente dos salários nos anos que se seguiram (movimento ao longo de cada curva) foi mais acentuado. Tal poderá estar associado a um ajustamento gradual da procura de trabalho ao aumento significativo da oferta de trabalhadores com escolaridade mais elevada“, lê-se no estudo. Os dados analisados dizem respeito ao salário médio real, ou seja, descontando a inflação e não têm em conta a atual crise inflacionista.
Quem entra no mercado de trabalho durante uma crise tende a ter salários mais baixos. Mas há forma de fugir a isso
O momento de entrada no mercado de trabalho é marcante para um jovem não só a nível pessoal, mas também salarial: quem começa a trabalhar durante uma crise tenderá a ter salários mais baixos durante a sua vida do que se essa crise não tivesse ocorrido naquele momento. Como escapar à tendência? Mudando de emprego.
O Banco de Portugal procurou analisar a evolução do salário médio real dos trabalhadores com ensino superior e idade entre os 25 e os 54 anos, agrupando-os em três escalões etários. E concluiu que, apesar do crescimento dos últimos anos, os indivíduos que em 2006 tinham entre 25 e 34 anos, ganhavam, em 2020, um salário médio real inferior (2.073 euros) ao do escalão etário imediatamente acima em 2006 (2.102 euros). Segundo o estudo, os dados mostram “a importância do salário de entrada na definição do salário ao longo da vida”.
A evidência apresentada neste tema em destaque sugere que o perfil salarial ao longo da vida dos trabalhadores depende do momento (e condições) de entrada no mercado de trabalho”, lê-se.
Mas há formas de dar a volta a este aparente determinismo económico. Segundo o BdP, “inúmeros eventos podem alterar as trajetórias individuais de salários”. E um deles é a mudança de emprego. Nas contas da instituição, os indivíduos que entre 2006 e 2020 mudaram de emprego tiveram no ano da transferência um crescimento salarial médio de 5%, acima dos 2% de crescimento salarial médio para quem permaneceu na mesma empresa. Esta diferença tende a encolher em momento de recessão, quando há menos contratações.
Há uma vantagem para quem tem o ensino superior: quando mudam de emprego os trabalhadores com estas qualificações conseguem um salto salarial superior à média do total de trabalhadores — é de 9%. De facto, ainda compensa estudar mais anos, apesar de o ‘prémio salarial’ estar a diminuir, uma conclusão para que outros estudos recentes também têm apontado. Em 2020, o salário médio real de um trabalhador com licenciatura era superior em 52% ao de um trabalhador com ensino secundário, uma percentagem que chegava aos 60% em 2006.
Estudar mais ainda compensa para os jovens de hoje, mas impacto nos salários é cada vez menor