Naomi dispensa apelido. Mas se o nome podemos simplificar, a profissão exige o título completo — supermodelo — porque é também um estatuto. Quando foi descoberta para a moda aos 15 anos não se adivinhava que ainda desfilaria depois dos 50. Naomi Campbell quebrou muitas barreiras e não é uma referência ao seu mau feitio, mas ao seu profissionalismo, talento, causas e muita personalidade. O Museu Victoria & Albert em Londres dedica-lhe uma exposição a partir deste sábado e mostramos nove peças em exibição, que são também pequenos capítulos da história desta diva.
“Fiquei com tantas coisas que estão agora guardadas porque eu viajo tanto. Não são apenas roupas, guardei fotografias, passes de bastidores de desfiles de moda de há 20 anos. Mal posso esperar para mostrar isso à minha filha um dia”, disse a modelo à BBC a respeito da exposição. Quase tudo o que Naomi faz é notícia e o facto de ter sido mãe aos 50 anos também foi. A modelo anunciou a maternidade no Instagram em maio de 2021 com uma fotografia do pé da filha, mas o único detalhe que partilha é que a criança é de facto sua e não adotada, segundo disse em entrevista à Vogue. Em junho de 2023 anunciou que tinha sido mãe pela segunda vez, agora de um rapaz. “Um verdadeiro presente de Deus”, disse a própria.
O V&A, como é carinhosamente chamado pelos fãs tem sido palco de algumas das exposições de moda mais mediáticas dos últimos anos. Agora vai contar a história de Naomi Campbell em mais de 100 looks e acessórios e ainda capas de revista, que são uma viagem no tempo, entre outros elementos. Naomi fez parte de um seleto grupo de modelos que nos anos 90 cunharam a expressão “supermodelo” que, ao contrário de qualquer hashtag, perdurou no tempo tal como o carisma de qualquer uma delas. Cada uma seguiu o seu rumo além da moda e ainda hoje, têm um grupo de conversa, confessou Naomi. A homenageada participou na curadoria da exposição com o curador do museu Sonnet Stanfill e o ex-diretor da Vogue britânica e amigo, Edward Enninful, tratou da escolha das fotografias que o público vai poder ver.
Os filhos estão entre as várias pessoas a quem a modelo dedica esta exposição. “Naomi: In Fashion” é uma exposição que visita os quase 40 anos de carreira da modelo no Museu Victoria & Albert, em Londres, de 22 de junho a 6 de abril de 2025.
Naomi Campbell. A cor que transformou a indústria da moda faz 50 anos
Três momentos de passadeira vermelha
Nesta imagem da exposição é possível ver vários vestidos usados por Naomi Campbell em diferentes ocasiões e destacamos três. Na edição do Festival de Cinema de Cannes de 2024, Naomi passou pela passadeira vermelha da Croisette com um vestido Chanel que a própria desfilou há quase 30 anos. No desfile de Alta Costura outono/inverno 1996/97 da maison francesa que aconteceu no verão de 1996, foi ela quem desfilou esta criação de Karl Lagerfeld com um efeito de riscas criado por lantejoulas, transparências e alças em pérolas. Além de aderir à tendência dos looks vintage, Naomi lembrou que a sua carreira já vai muito longa, mas ela continua a ser uma supermodelo. Foi acompanhada pelo seu stylist Law Roach, que também veste a atriz Zendaya.
Para a Met Gala de 2023 também escolheu um look Chanel tirado do baú. A festa que antecede a abertura da maior exposição de moda do ano no museu Metropolitan de Nova Iorque era dedicada ao designer de moda Karl Lagerfeld, por isso Naomi usou um vestido da coleção de Alta Costura primavera/verão 2010 com assinatura do criativo alemão. A modelo disse em entrevistas na passadeira vermelha que era a sua 16ª gala e que conheceu Lagerfeld quando tinha 16 anos. “Eu confiei na escolha da Chanel, só queria estar elegante”, disse em relação à escolha do look.
Na edição de 2019 dos British Fashion Awards, os prémios da moda britânicos, Naomi esteve em destaque porque foi distinguida como “Fashion Icon” (ícone de moda). O prémio reconhece o seu “incrível contributo para a indústria, pela sua carreira como supermodelo reconhecida a nível mundial, assim como pelo seu trabalho filantrópico com instituições de caridade e incrível esforço para um futuro mais igual e diversificado, especialmente em África”, pode ler-se no site dos prémios. Quando subiu ao palco para receber o seu troféu, Naomi disse que quando era mais jovem costumava apanhar o autocarro e quando passava todos os dias junto ao edifício onde estavam a ser atribuídos os prémios, o Victoria & Albert Hall, pensava: “como é que será lá dentro? Agora eu sei. Estou aqui”. Também aproveitou para lembrar que era “a primeira mulher de cor” a receber aquele prémio e a mãe, Valerie Morris, estava lá a assistir. Naomi já era uma das estrelas da festa, mas brilhou ainda mais com um vestido criado pela designer Sarah Burton para a marca Alexander McQueen e pertence à pré-coleção outono/inverno 2019. A criação tem um efeito escultórico já que tem uma série de bordados de motivos florais com pedrarias prateadas e cristais a envolver corpo.
Versace pop art num vestido primavera/verão 1991
Desenhado pelo próprio Gianni Versace, designer lendário das décadas de 1980 e 90 e que Naomi Campbell conheceu em Nova Iorque quando tinha 18 anos. A modelo usou este vestido, inspirado na Pop Art de Andy Warhol, no desfile da marca na semana da moda de Milão. “Era sempre muito importante quem era chamado para desfilar em Versace. Normalmente depois do desfile o Gianni dava um jantar e nós mantínhamos sempre o look que tínhamos desfilado. Eu usei este vestido para o jantar”, conta Naomi ao Victoria & Albert Museum. Ela viria a desfilar novamente o mesmo vestido num evento em Los Angeles em homenagem a Gianni Versace, na quinta edição anual do projeto de solidariedade relativo à SIDA pelos Amigos da Indústria da Moda da Califórnia.Versace foi um dos designers que contribuiu para o fenómeno das supermodelos reunindo-as muitas vezes nos seus desfiles. No desfile a seguir a este, o designer italiano terminou com Naomi Campbell, Cindy Crawford, Christy Turlington e Linda Evangelista a desfilarem de braço dado ao som da música Freedom, recém lançada por George Michael.
Dolce & Gabbana para se despedir do serviço comunitário
Em 2007 Naomi Campbell foi condenada a cumprir cinco dias de serviço comunitário em Nova Iorque por ter atirado o telemóvel à sua empregada. A modelo tinha de se apresentar no Departamento de Saneamento de Manhattan, onde cumpria o seu dever. Naomi recordou os dias em jeito de diário para a revista W. Conta que no último dia lhe competia limpar escritórios e que as pessoas estavam contentes com o trabalho que tinha feito. “Eu quero sair daqui com a cabeça levantada. Quero sair em estilo e moda e o que tenho feito durante 21 anos. É algo que adoro”, conta Naomi. “Então quando acabar o meu trabalho, visto o vestido demi-couture Dolce & Gabbana com lantejoulas prateadas que levei na minha mala esta manhã.” A modelo conta que se vestiu deitada porque os paparazzi conseguiam vê-la pela janela e quando saiu começaram a gritar. Naomi diz que entrou no Bentley do amigo Giuseppe Cipriani e foi para casa dele descansar antes de voar para Miami para ver as amigas Venus e Serena Williams jogarem num torneio de ténis. A imagem da modelo britânica com o vestido Dolce & Gabbana ficou popular e foi notícia internacionalmente, não podia por isso faltar nesta exposição e tem mesmo um lugar de destaque.
Thierry Mugler da coleção Drive like a Buick, outono/inverno 1989.
Naomi Campbell desfilou este look durante a semana da moda de Paris, em março de 1989, num dos desfiles mais marcantes do designer de moda francês. A coleção contava com diversas peças inspiradas nos automóveis norte-americanos. Os desfiles de Mugler distinguiam-se pela exuberância e por se tornarem verdadeiros espetáculos que contavam muitas vezes com as supermodelos dos anos 1990 como participantes. Quando estes looks passam para a história da moda levam à boleia a modelo que lhes deu vida. É o caso deste corpete, que até integrou a exposição retrospetiva de Mugler que foi um sucesso internacional e esteve patente em diferentes cidades, nomeadamente em Paris.
Os míticos sapatos Vivienne Westwood outono/inverno 1993
É possível que uma queda na passerelle fique nos livros de história da moda? Sim, provavelmente, porque foi Naomi Campbell que a protagonizou. O desfile de Vivienne Westwood era ambicioso e entre outras peças arrojadas destaca-se um par de sapatos com plataforma e nome próprio, Super Elevated Gillie, cujo salto tem 21 centímetros de altura. Coube a Naomi Campbell desfilar com eles e, em plena passerelle, desequilibrou-se e acabou por ficar sentada no chão. Com espontaneidade, Naomi ficou nas imagens do momento com um grande sorriso e viria a explicar que as responsáveis foram as meias que faziam conjunto com os sapatos e colavam.
“Aquela queda faz parte de mim, por isso a queda é minha. Está tudo bem, as pessoas cometem erros. O mais importante para mim é levantar-me e repetir”, diz Naomi. Na verdade, a queda ficou tão famosa que, segundo a modelo, outros designers viriam a pedir-lhe que caísse nos seus desfiles, mas ela recusou. Os perigosos sapatos foram adquiridos pelo Victoria & Albert no mesmo ano do desfile e estão na coleção do museu. A propósito da exposição foi feito um vídeo onde é possível ver os sapatos serem desempacotados e até ver o momento da queda. Para que não haja dúvidas, um deles tem Naomi escrito à mão na sola interior.
Azzedine Alaïa, o “papá”
A relação entre Naomi Campbell e Alaïa transcendia as passerelles, era pessoal e a exposição tem uma secção só dedicada ao designer a quem a modelo chamava “papá”. No primeiro verão em que trabalhou como modelo em Paris, Naomi ficou sem os seus cheques de viagem que lhe foram roubados e quando acompanhou uma amiga também modelo a uma prova com Alaïa, este ofereceu-se para a acolher em sua casa, com o seu companheiro e o seu cão e ligou à mãe da jovem Naomi a pedir autorização. Viriam a ficar muito amigos e também com uma relação de respeito e cumplicidade no trabalho. Alaïa chegou a “esculpir” vestidos no corpo da modelo. Este não é o único vestido do designer de origem tunisina presente nesta exposição, o vestido de riscas verticais vermelhas e pretas que se pode ver na imagem em baixo foi usado por Naomi em 1992, no leilao “Kiss AIDS Goodbye”, em Nova Iorque.
A homenagem a Virgil Abloh
Naomi participou no desfile de outono/inverno 2022 da Off-White, em fevereiro desse ano. Mais do que uma apresentação da coleção, este desfile foi uma homenagem a Virgil Abloh, o fundador da marca que tinha morrido em novembro do ano anterior com 41 anos. O designer norte-americano e filho de imigrantes do Gana cresceu em Chicago e fundou a sua própria marca de moda em 2013. O sucesso foi tão grande que viria a tornar-se o primeiro homem negro a assumir a direção criativa das coleções masculinas da Louis Vuitton. Naomi já tinha desfilado para a Off-White em 2017, usando um look inspirado em Diana, a princesa de Gales. Em 2022 usou o casaco preto comprido com a palavra “respectfully” escrita na vertical nas costas. O desfile abriu a semana da moda de Paris, foi emotivo e recheado de caras conhecidas. Estiveram também presentes outras supermodelos, como por exemplo Cindy Crawford, Amber Valletta e Helena Christensen e também as modelos mais famosas da atualidade, como as irmãs Hadid, Kaia Gerber, Kendall Jenner e Adut Akech e ainda algumas celebridades como Serena Williams, porque Abloh tinha uma legião de fãs.