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RODRIGO MENDES/OBSERVADOR

RODRIGO MENDES/OBSERVADOR

Seis meses de vigilância, os "brunches eletrónicos" e a carteira de clientes VIP. Como a PSP apanhou o "Uber da droga" em Lisboa

A PSP apanhou vários clientes VIP a recorrer ao serviço "discreto" do dealer de Campolide. Pode ser o processo de tráfico e consumo de droga que mais figuras públicas envolverá nas últimas décadas.

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— Consegues passar aqui? Hoje estou mesmo a precisar.
— Sim, já passo aí.

N. movimentava-se entre festivais de música eletrónica e os chamados “brunches eletrónicos”, um warm up de final de tarde para noites de fortes consumos — de álcool, claro, mas também de muita droga, sobretudo cocaína e substâncias sintéticas, como MDMA e LSD. Era aí que o dealer vendia os seus produtos e terá sido nessas andanças que foi construindo a sua vasta rede de contactos. A PSP já estava a seguir-lhe os passos desde o verão quando percebeu que N. ainda oferecia outro tipo de serviço muito procurado pelas figuras públicas que foi juntando à carteira de clientes. Com vendas muito mais discretas e um método ideal para chegar às encomendas correndo o mínimo de riscos de ser identificado: entregas porta a porta.

Uma parte significativa do negócio de N. era gerida através das suas redes sociais. Nos grupos do Telegram e do WhatsApp que dinamizava, o dealer anunciava o produto que tinha disponível a cada momento. Depois, os clientes faziam a encomenda e a droga era entregue na própria casa do comprador.

"Para pessoas de um certo estrato da sociedade, receberem [a droga] em casa ou num local a combinar, que não tem que ser a casa deles, é muito mais protetor da imagem"
Subintendente Rui Costa, comandante da Divisão de Investigação Criminal de Lisboa da PSP

Músicos, estrelas da televisão, concorrentes de reality shows que acabaram por tornar-se, também, “figuras públicas”. Ao longo dos seis meses a equipa de cinco elementos da investigação criminal da PSP de Lisboa vigiou de perto N., ouviu as conversas — muitas vezes dissimuladas — ao telemóvel, filmou encontros para entregas de produto e, aos poucos, foi conseguindo perceber a extensão da tal rede de clientes do dealer de Campolide. São, garante Rui Costa, subintendente da PSP, ao Observador, “dezenas” as personalidades que faziam parte dos grupos nas redes sociais em que N. anunciava o “material disponível” e que, depois, recorriam aos serviços do traficante.

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Nalguns casos, conta o subintendente, ficaram gravadas em vídeo, e vão ser usadas como prova em tribunal, as entregas em mão a figuras mediáticas da sociedade portuguesa. Nas próximas semanas, uma parte desses clientes VIP vai ser formalmente identificada e chamada a prestar declarações para o processo que está a correr na 1.ª secção do Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa. Será, eventualmente, o inquérito-crime sobre tráfico e consumo de droga que mais figuras públicas envolverá nas últimas décadas em Portugal.

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O Telegram era uma das plataformas preferenciais de N. Era por ali, e também no WhatsApp, que anunciava o produto e recebia as encomendas dos clientes

NurPhoto via Getty Images

“Para pessoas de um certo estrato da sociedade, receberem [a droga] em casa ou num local a combinar, que não tem que ser a casa deles, é muito mais protetor da imagem”, descreve ao Observador o comandante da Divisão de Investigação Criminal de Lisboa da PSP, subintendente Rui Costa. Na última quinta-feira de novembro, a PSP avançou com a detenção de N. e de outro dealer com quem costumava trabalhar. Dois dias depois, a operação foi anunciada publicamente. A PSP chamou-lhe “Uber da droga”.

Tráfico de drogas sem o “corrupio” habitual

Durante algum tempo, a investigação da PSP esteve às escuras sobre esse lado mais low profile do negócio de N. “No início, não percebemos logo como é que ele selecionava as pessoas”, conta o subintendente Rui Costa. “Tínhamos conhecimento de que ele vendia drogas nos festivais de música eletrónica e nos festivais de música em geral, sempre aqui na zona de Lisboa.” Quando a PSP avançou para a vigilância do dealer, só conhecia mesmo essa faceta mais visível da operação.

“Depois, houve algumas diligências de natureza policial” e o quadro foi ficando mais completo à medida que a investigação avançava. O comandante da investigação criminal de Lisboa não entra em detalhes sobre essa fase do processo, mas o que acontece nas investigações de tráfico de droga, em muitos casos, é a abordagem de um cliente que acabou de comprar droga a um traficante e que acaba por partilhar mais detalhes sobre o modo de atuação: comunicações, local de venda, horários; noutros casos, recorre-se a um informador da confiança dos investigadores e que tem conhecimento direto sobre como o negócio está organizado. E as peças vão, aos poucos, compondo o puzzle.

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Uma equipa de cinco elementos da Divisão de Investigação Criminal da PSP seguiu todos os passos de N. ao longo de seis meses

PSP

A equipa da PSP acabou por se aperceber, “através de diligências de investigação”, da existência de um sistema de entrega muito diferente daquele a que os traficantes habitualmente recorrem. “Normalmente, isso é feito num local fixo preparado para o efeito, ou até mesmo com alguns mecanismos de segurança por parte dos traficantes: vigilantes à porta dos prédios, à entrada dos bairros, que dão sinais caso a polícia entre no bairro.”

Esses são alguns dos sinais a que a PSP está atenta quando tem em curso uma investigação por tráfico de droga. Outro é o “corrupio” em zonas “quentes” de compra e venda. Pessoas estranhas que entram em determinadas zonas (ou bairros) da cidade e que saem do local poucos minutos depois.

Neste caso, a metodologia seguida por N. era “completamente diferente” do habitual.

“Imagine, ele faz uma chamada WhatsApp para um vendedor” que a PSP não consegue intercetar. “Mas, a seguir, do número normal, liga para a mulher e diz: ‘Olha, tenho que ir ali fazer um serviço não sei onde.’ E nós acabamos por interpretar. Hoje em dia é assim”, descreve Rui Costa. “O dia de trabalho dele era isto, era fazer de Uber da droga. Pegava ao serviço e começava a fazer distribuição.”

Um ano no EPL pelo homicídio do pai

A procura começou a ser demasiada para a resposta que N. conseguia dar aos seus clientes. Nesse momento, o dealer de Campolide procurou um sócio para a distribuição. “Já se conheciam e, quando o número de clientes começou a aumentar, recrutou-o para o ajudar a dar conta da procura”, conta o comandante da Divisão de Investigação Criminal de Lisboa.

A PSP estava a postos desde as primeiras daquela quinta-feira para avançar com a detenção. Sabiam que N. ia assistir um concerto no Campo Pequeno naquela noite e o plano inicial era apanhá-lo assim que acabasse de fazer mais uma venda. Mas nesse dia o cliente não apareceu. Avançaram na mesma.

N. assistiu a episódios em que o pai "espancava a mãe" com extrema violência. Naquele dia, pegou na arma, apontou-a ao pai e disparou. Tinha 17 anos.

Quando entraram no apartamento, na zona de Campolide, não houve resistência. Lá dentro estavam, também, a mulher e o filho do casal, menor de idade. N. assumiu o negócio. “Tinha dinheiro, tinha o que chamamos de precursores, ou seja, os sacos para acondicionar, o corte, a balança. Tudo isso são indicadores de que ele se dedicava a vender, pesava, cortava e acondicionava a droga com os saquinhos. Tinha tudo isso em casa.”

No auto de notícia ficaram registadas as apreensões: 1.590 doses individuais de cocaína, 3.320 doses individuais de ecstasy, 59 selos de LSD, 2.260 doses de MDMA. A PSP encontrou também um maço de notas: mais 18 mil euros em dinheiro. Foram ainda apreendidos um BMW e uma mota de alta cilindrada, a mesma que N. usava habitualmente nas suas deslocações de entrega porta a porta.

Mais de 2 mil pastilhas de MDMA foram apreendidas em casa de N., além de cocaína, ecstasy e LSD

ALBERTO VALDES/EPA

Na mesma noite, parte da equipa seguiu para as Olaias, noutra zona da cidade, e deteve o sócio de N.

Depois de serem presentes a um juiz de instrução criminal, o tribunal aplicou-lhes a medida de coação preventiva mais gravosa: prisão preventiva. Mas essa não seria a primeira vez que N. passava uma noite na prisão.

Tinha apenas 17 anos, em 1999, quando matou o próprio pai. A adolescência tinha sido passada num “contexto difícil” de permanente violência doméstica, e por diversas vezes N. assistiu a episódios em que o pai “espancava a mãe” com extrema violência. Não são claros os contornos do que aconteceu naquele dia. Mas o crime terá acontecido com recurso a uma arma de fogo. N. pegou na arma, apontou-a ao pai e disparou. Cumpriu um ano de prisão efetiva no Estabelecimento Prisional de Lisboa e outro em prisão domiciliária. Saiu em 2002. Depois, virou-se para o tráfico de droga.

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