Não era o que se esperava para esta altura do ano letivo. Embora o segundo período, que arrancou a 10 de janeiro, traga sempre um ligeiro aumento em relação aos dias antes do Natal, a subida na falta de professores não costuma ser tão acentuada. A 19 de janeiro, quarta-feira, dia em que se atingem os picos semanais, faltavam 409 professores nas escolas portuguesas. Em termos de carga horária, significa que durante 5.005 horas por semana um conjunto considerável de alunos — cerca de 25 mil — fica sem ter aulas para assistir. No início do ano letivo eram 100 mil os estudantes a quem faltava, pelo menos, um professor.
Outra característica é que a maioria dos horários em falta são temporários (329), ou seja, correspondem a professores que tiveram de pôr baixas médicas superiores a um mês, o que exclui os isolamentos por Covid. Se a ausência for inferior a 30 dias, o lugar do professor fica à espera do seu regresso e não vai a concurso para ser substituído — como acontece com as ausências por gripe, por exemplo. Assim, a explicação para esta subida não pode ser encontrada diretamente na pandemia, embora algumas das baixas prolongadas possam ser de professores que tiveram doença grave e que precisaram de ser internados.
Na verdade, não sendo os isolamentos profiláticos uma explicação para este universo de professores em falta, isso só agrava o problema das escolas, uma vez que, além da falta destes 409 professores (cada professor corresponde a um horário), acrescentam-se os sete ou 10 dias de quarentena que os docentes infetados terão de fazer, ausentando-se das salas de aula. E os contágios nas escolas têm estado em crescendo desde o regresso às aulas. A Manuel Pereira, no Agrupamento de Escolas General Serpa Pinto, em Cinfães, faltam-lhe 10 professores, todos devido à pandemia. Sem problemas de falta de professores no quadro, tem sido a Covid o fator que lhe tem roubado mais mãos.
“Tem sido um problema principalmente no 1.º ciclo e no pré-escolar porque, sem professores e educadores, faltam soluções para ficar com as crianças. Felizmente, têm sido ausências só de uma semana e entramos neste sistema de onda em que vão uns e voltam outros”, explica o presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE).
Pondo as ausências por Covid de parte, além dos temporários, entre os horários anuais — aqueles que são para cumprir até 31 de agosto e que normalmente resultam de aposentações ou mortes — o valor está mais próximo da norma.
Os dados oficiais, pedidos pelo Observador à Fenprof, mostram que é preciso recuar até 27 de outubro (5.607 horas por preencher nas escolas) para encontrar um número tão elevado de horas a concurso. Se olharmos apenas para os temporários, o valor mais próximo (4.241) é encontrado a 20 de outubro, enquanto nos horários anuais basta recuar até 12 de janeiro.
“Estamos a viver um novo pico de falta de professores, mas é cedo para dizer se é uma tendência ou se é sistémico. As próximas semanas serão decisivas para ver se o problema aumenta ou se esbate”, explica Vítor Godinho, o professor que na Fenprof se encarrega de analisar estes dados e que os disponibilizou ao Observador.
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Para o também membro do secretariado nacional da Fenprof, há dois argumentos que podem explicar esta situação. “Com as baixas temporárias, estamos quase como no início do ano. Isso é sintoma de duas coisas. Primeiro, o envelhecimento dos professores: docentes que antes tinham capacidade para aguentar o desgaste da profissão, à medida que envelhecem, vão perdendo esse lastro. Entram em colapso cada vez mais cedo, em burn out, e penso que muitas das baixas terão motivos de ordem psiquiátrica”, argumenta Vítor Godinho.
O segundo motivo tem a ver, na sua opinião, com as medidas encontradas para fazer face à falta de professores. “Em muitas escolas, o que está a acontecer é que se está a distribuir mais trabalho extraordinário, o que pode acabar por pesar mais em quem já está desgastado”, sustenta. E o recurso a uma baixa médica pode chegar mais depressa. Para colmatar algumas falhas de professores, em vez da contratação, as escolas podem dar até mais cinco horas de trabalho extraordinário aos seus professores do quadro. Esse valor pode ser ultrapassado, mas apenas com autorização da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE).
Também ligada ao envelhecimento da profissão — em média, a idade dos professores supera os 50 anos — são os problemas de saúde que vão surgindo, quase inevitáveis com o avançar da idade.
Manuel Pereira concorda com o retrato de uma classe envelhecida, desgastada e que, como consequência, irá recorrer com mais frequência e necessidade às baixas médicas. “O problema da falta de professores mantém-se, mas não há uma palavra sobre isto nos programas eleitorais. Parece que não há problemas na Educação”, queixa-se. Soluções? As habituais: convencer mais jovens a serem professores tornando a carreira mais atrativa.
Como tem sido o ano letivo? Lisboa sempre à frente nas faltas
Saber quantos alunos são afetados é um exercício especulativo e que peca por defeito. Em média, se cada professor dá aulas a três turmas e cada turma tem 20 alunos, estarão a ser afetados 24.540 jovens neste início do 2.º período, numa versão conservadora. A maioria dos professores dá aulas a mais de três turmas (exceto no ensino primário) e, do 2.º ciclo ao secundário, são permitidos até 28 estudantes na mesma sala.
Esta é a fórmula usada pelos sindicatos e que permitiu à Fenprof estimar que mais de 100 mil alunos estavam sem aulas a, pelo menos, uma disciplina no início deste ano letivo. Nessa altura estavam por colocar 1.694 professores.
Tal como acontecia naquela altura, o problema concentra-se no distrito de Lisboa, que tem sido, desde sempre, a região do país com maiores dificuldades para resolver as faltas de professores. A 19 de janeiro, nove dias depois do início do 2.º período, as escolas do distrito tinham carência de 140 professores, afetando cerca de 8.400 alunos. Setúbal está em segundo lugar, como é hábito — faltam 93 docentes nas escolas do distrito. Em terceiro lugar, como tem sido tradição, está Faro, com 36 professores em falta.
Apesar de, em grandeza, o problema não ser comparável com os demais distritos, já que a maioria deles tem menos de 10 horários em falta — o que pode representar cerca de 60 alunos sem aulas —, nenhuma região do país pode dizer que tem todos os professores de que precisa nas escolas e a trabalhar com os estudantes.
Falta de professores. Em todos os distritos do país há alunos sem aulas
Olhando para as disciplinas, o maior problema encontra-se na de Português, onde há 45 professores em falta, sendo uma das disciplinas com maior carga horária semanal. Por isso mesmo, também em número de horas (553) é onde o problema tem maior dimensão. Em número de professores, as disciplinas que mais falhas têm em seguida são Inglês (33 horários a concurso), Física e Química (com 30) e Educação Especial e Informática — ambas com 29 professores por colocar.
Se o indicador analisado for a carga horária, o problema atravessa outras disciplinas e, neste caso, depois de Português é Educação Especial o grupo com mais horas em falta. Segue-se Informática, um clássico quando se fala de falta de professores porque o número de pessoas disponíveis para lecionar esta disciplina está em queda há vários anos.