Nas rendas saíram, das duas conferências de imprensa, duas ideias: vai haver uma norma travão para que os inquilinos não sintam subidas acima de 2%, mas os senhorios serão compensados pelo facto de não poderem atualizar as regras à luz da lei em vigor, e que determina que os contratos de arrendamento posteriores a 1990 são atualizados com base na inflação sem habitação apurada a 31 de agosto. Este ano, o valor preliminar dessa inflação apontava para uma atualização de rendas em 2023 de 5,43%. Mas, no âmbito do anúncio do pacote anti-inflação apresentado primeiro por António Costa e depois por quatro ministros (Finanças, Infraestruturas, Trabalho e Segurança Social e Ambiente), tudo se alteraria.

O Governo anunciou uma limitação ao aumento das rendas até 2%, garantindo que haverá “compensação integral aos senhorios pelo valor não atualizado”, ou seja, pelo diferencial entre uma atualização de 5,43% e de 2%.

A medida tem um custo orçamental, pelo bónus fiscal aos senhorios, estimado em 45 milhões de euros.

Que contratos ficam abrangidos?

Todos os contratos posteriores a 1990 (os anteriores, que se estima em 200 mil, mantêm-se com as atualizações congeladas) e que prevejam a atualização com base no diploma legal (ou seja, tendo como referência a inflação sem habitação de agosto). Os contratos que definam, como aliás é recomendado pela Associação Lisbonense de Proprietários, um atualização acordada entre as partes, não estão abrangidos.

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Segundo a proposta do Governo, que já entrou no Parlamento, determina-se que “o coeficiente de atualização de renda dos diversos tipos de arrendamento urbano e rural abrangidos pelo disposto no número anterior [atualização anual de renda dos diversos arrendamento com base no índice de preços no consumidor, sem habitação, correspondente aos últimos 12 meses e para os quais existam valores disponíveis à data de 31 de agosto], para vigorar no ano civil de 2023, é de 1,02, sem prejuízo de estipulação diferente entre as partes”. Ou seja, uma atualização de 2%.

Quanto ficam as rendas em 2023 e depois?

Assim, se numa renda mensal de 500 euros a atualização com base na fórmula legal aumentaria, em 2023, para 527,15 euros (mais 27,15 euros por mês), com a norma travão aumentará 10 euros até aos 510 euros. O Governo garante que os 17 euros de diferença serão dados em sede fiscal aos senhorios.

Segundo contas dadas por Pedro Nuno Santos, ministro das Infraestruturas e da Habitação, na conferência de imprensa realizada esta terça-feira, a poupança média mensal da medida é, no caso de um T2 (95 m2), de 20 euros (39 em Lisboa e 30 no Porto) face à atualização automática. Anualmente, esta poupança estimada pelo Governo é, em média, de 240 euros: 469 euros para rendas do mesmo T2 em Lisboa e 360 euros no Porto.

Mas ficando a renda nos 510 euros em 2023, isso significa que as atualizações futuras, com base na inflação, serão feitas tendo uma base mais baixa. A título de exemplo, se em 2023 a inflação ficar em cerca de 3,6%, como refere a previsão da Comissão Europeia, a atualização em 2024 será para 528,36 euros, em vez de atingir os 546,13 euros que seriam obtidos com as atualizações legais.

É por isso que os proprietários sempre indicaram ser contra travões às atualizações. E continuam a contestar este pacote, já que, no entender de Diana Ralha, da direção da Associação Lisbonense de Proprietários, é uma maneira de retirar liquidez aos proprietários e de determinar que as regras mudam em qualquer altura. Para esta responsável, haverá uma consequência disto: “menos casas para arrendar”.

Os proprietários colocam várias questões em relação à compensação fiscal.

Que senhorios vão ser abrangidos pela compensação fiscal?

Os senhorios que tenham contratos posteriores a 1990 é que serão abrangidos. E mesmo neste caso nem todos. É que, de acordo com o diploma que deu entrada no Parlamento, “os coeficientes de apoio (…) aplicam-se a rendas que cumulativamente:

  • se tornem devidas e sejam pagas em 2023;
  • emerjam de contratos de arrendamento em vigor antes de 1 de janeiro de 2022, comunicados à Autoridade Tributária e Aduaneira.”

Ou seja, os contratos que entraram em vigor este ano e que, por regra, têm revisão anual serão em 2023 atualizados a 2% mas sem que os senhorios tenham direito à compensação em sede de IRS ou IRC.

A lógica foi também praticada no bónus de 125 euros, já que, conforme explicou Fernando Medina, quem começou a trabalhar este ano não terá direito a esse apoio, uma vez que a referência é a declaração de rendimentos de 2021. O Observador questionou o ministério das Finanças sobre os contratos de arrendamento de 2022 mas não obteve resposta.

Para os proprietários, cujas associações foram contactadas pelo Observador, ainda esperam para analisar a proposta de lei, mas deixam várias questões sobre essa compensação.

Como vai ser dada a compensação?

O Governo optou por compensar os senhorios não através da descida da taxa de IRS ou IRC mas excluindo da base de tributação alguns rendimentos prediais. De acordo com o diploma que entrou no Parlamento, o Governo propõe um apoio extraordinário ao arrendamento, explicando que “para efeitos de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, a determinação dos rendimentos prediais decorrentes de contratos de arrendamento enquadráveis na categoria F (…) obtém-se através da aplicação do coeficiente de 0,91 após as deduções” que possam ter lugar. Ou seja, isenta-se de imposto 9% dos rendimentos prediais em sede de IRS. Isto para quem tem uma taxa autónoma de 28%. Nos arrendamentos de longa duração, cuja taxa aplicável é menor, o apoio será maior — entre 10% e 30%.

Mas também aqui há uma nuance. É que se o senhorio for uma empresa, taxada em sede de IRC, aplica-se o coeficiente de 0,87. Ou seja, no caso de ser uma empresa a senhoria o valor do rendimento terá uma redução de 13%. Este caso “não se aplica a sujeitos passivos de IRC abrangidos pelo regime simplificado de determinação da matéria coletável”, lê-se ainda no diploma.

Os senhorios revelam dúvidas sobre esta comparticipação, nomeadamente nos casos em que optem pelo englobamento das rendas nos restantes rendimentos e questionam o que acontece a quem tem arrendamento acessível, colocando, ainda, a questão sobre como é compensado o senhorio que não tenha rendimentos para declarar IRS. Mas quem engloba os rendimentos prediais estará já incluído na proposta de lei.

“O coeficiente de apoio será aplicado aos rendimentos prediais, tanto os de englobamento (0,91) como os das tributações autónomas, referentes a contratos de longa duração (0,90) até (0,70), conforme a duração do contrato”, explica a Associação Nacional de Proprietários, dizendo ainda que estará também prevista a aplicação do coeficiente de apoio aos contratos decorrentes de direito real de habitação duradoura.

Esta medida visa compensar os senhorios por não poderem atualizar as rendas na medida da inflação.

Simulações da ANP. Aplicação do coeficiente compensa a atualização

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A Associação Nacional de Proprietários deu ao Observador vários exemplos da medida.

1 – Após dedução das despesas necessária para a obtenção do rendimento (IMI, luz da escada, reparações, etc.)  optando pelo englobamento, a um rendimento predial de 500 euros mensais (6.000 anuais) será aplicado o coeficiente de apoio de (0,91) sendo tributado à taxa respetiva  sobre a totalidade dos rendimentos.

2 – Após dedução das despesas necessária para a obtenção do rendimento (IMI, luz da escada, reparações, etc.)  optando pelo pela tributação autónoma , a um rendimento de 500 euros mensais (6.000 anuais) será aplicado o coeficiente de apoio de (0,91) sendo tributado à taxa de 28 % sobre 5.460 euros =  1.528,80 euros.

Se o senhorio tivesse tido a possibilidade de aplicar o diferencial da atualização de 3,43 % teria auferido 6.205,80 euros e pagaria de IRS 28 % sobre 6.205,80 = 1.737,64 euros

Não auferindo, por impossibilidade de aplicação da totalidade do coeficiente de 5,43 %, está impedido de aplicar os restantes 3,43 % –  205,80 euros.

Bonificação no imposto (1.737,64 – 1.528,80) = 208,84 euros.

Diferença  a favor do senhorio – 3,04 euros.

3 – Após dedução das despesas necessária para a obtenção do rendimento (IMI, luz da escada, reparações, etc.)  num contrato de longa duração obrigatoriamente incluido na tributação autónoma, com prazo de 5 anos (o mais popular) a um rendimento de 500 euros mensais (6.000 anuais) será aplicado um coeficiente de apoio de (0,89) sendo tributado à taxa de de 23 % sobre 5.340 euros = 1.228,20 euros.

Se o senhorio tivesse tido a possibilidade de aplicar o diferencial de atualização de 3,43 % teria auferido 6.205,80 euros e pagaria de IRS 23 % sobre 6.205,80 euros = 1.427,33 euros.

Não auferindo, por impossibilidade de aplicação da totalidade do coeficiente de 5,43 %, está impedido de aplicar os restantes 3,43 % – 205,80 euros.

Bonificação do imposto  (1.427,33 – 1.228,20) = 199,13 euros.

Diferença a favor da AT – 6,67 euros.

Conclusão:

Através da aplicação do respetivo coeficiente de bonificação, os valores finais resultam aproximados dos que resultariam da possibilidade de aplicação da totalidade do coeficiente de atualização de rendas (5,43 %).

As associações de proprietários não queriam que houvesse travões nas rendas, enquanto a dos inquilinos pediu uma atualização de 1%.

Proprietários e inquilinos são duas faces da moeda. Nenhum se satisfaz com uma subida das rendas de 5,43%

(notícia atualizada quarta-feira, 7 de setembro, às 11h18 com simulações)