Há, em Portugal, 922 mil casas arrendadas para residência habitual, de acordo com os resultados do Censos 2021. Nem todos têm contratos que atualizam as rendas, anualmente, com base na inflação. Essas subidas dependem do que está estabelecido entre inquilino e proprietário. E também depende de ser um contrato anterior a 1990.

Caso não haja um contrato que determine outro tipo de atualização e caso o contrato seja posterior a 1990, o aumento no próximo ano deverá ser de 5,43%, se não houver qualquer iniciativa legislativa que indique outra determinação. De acordo com o regime do arrendamento urbano e do arrendamento rural cabe ao INE apurar o coeficiente de atualização anual de renda.

O coeficiente de atualização anual de renda dos diversos tipos de arrendamento é o resultante da totalidade da variação do índice de preços no consumidor, sem habitação, correspondente aos últimos 12 meses e para os quais existam valores disponíveis à data de 31 de agosto, apurado pelo Instituto Nacional de Estatística”, determina-se na lei.

O aviso do coeficiente aplicável é publicado no Diário da República até 30 de outubro de cada ano. Tendo por base a inflação sem habitação dos últimos 12 meses que o INE divulgou, ainda de forma preliminar, para o mês de agosto, as rendas vão subir em 2023 os tais 5,43%.

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Um valor expressivo face à queda de rendimentos das famílias, mas que é visto de dois ângulos consoante se trate de inquilinos ou proprietários. Ambos defendem que esta regra não deve ser aplicada. Por motivos diferentes.

O que dizem os inquilinos?

Para quem paga a renda um aumento de 5,43% é expressivo, ainda para mais quando o resto dos produtos e bens estão igualmente a registar aumentos. Neste caso, para a atualização das rendas o que conta é a variação média nos últimos 12 meses sem habitação. Esta fixou-se nos 5,43%, enquanto a inflação média mensal de 12 meses total ficou nos 5,3%. Mas o que salta à vista é mesmo a taxa de inflação homóloga de agosto que ficou nos 9%, ainda assim um abrandamento face aos 9,1% de julho.

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Os preços estão, genericamente, todos a aumentar. Para António Machado, secretário-geral da Associação de Inquilinos Lisbonenses, o aumento da renda nessa proporção “é exagerado”. E deixa a interrogação: “como é que pode haver aumentos desta dimensão tendo em conta a disponibilidade de rendimentos das famílias?” Reclama por isso que possa haver algum travão para atenuar o impacto tanto para as famílias como para as empresas. “O Governo devia ter atenção a isto”, contestando que a fixação das rendas seja cega, definida por um valor da inflação. Aumentar 5,43% as rendas significa, nas suas contas, pagar mais uma mensalidade por ano. “Onde é que isto vai parar”, lamenta à Rádio Observador.

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Mas face às preocupações, António Machado apresenta uma proposta ao Governo: devia estabelecer-se um limite para os aumentos das rendas de 1%, já que foi dessa ordem as subidas salariais, pelo menos na função pública. Segundo o INE, a remuneração em termos nominais (sem inflação), em junho deste ano, tinha crescido 3,1%, sendo de 1,4% a subida nas administrações públicas e de 4,4% no privado.

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Olhando para o impacto que tem no bolso das famílias esta subida das rendas, o Bloco de Esquerda apresentou em julho uma proposta para conter estes aumentos que, diz o partido no projeto de Lei, “podem conduzir a uma situação insustentável para muitas famílias para quem as despesas de habitação já são um fator de empobrecimento”. Por isso, reclama “o congelamento da atualização das rendas”, por forma “a garantir o direito à habitação num período de extraordinárias dificuldades financeiras para a generalidade da população”, sendo também um fator que acreditam pode ajudar a tirar ar à inflação.

O Bloco de Esquerda propõe, assim, que o coeficiente de atualização se mantenha o que foi aplicado este ano (0,43%), e querem mesmo que esta determinação seja aplicada a todos os contratos de arrendamento “independentemente da sua natureza e sem prejuízo de regimes mais favoráveis aplicáveis ao arrendatário”.

BE propõe teto para aumentos das rendas em 2023 para proteger famílias da inflação

A deputada bloquista Mariana Mortágua explicou que se pretende “colocar este teto de atualização de rendas aos valores que vigoraram durante o ano presente, impedindo que eles sejam atualizados à taxa de inflação que agora vigora”.

Segundo o Censos 2021, “o escalão do valor mensal da renda com maior representatividade é o dos ‘200 a 399,99 euros’ com 40,4% dos alojamentos ocupados por arrendatários. As rendas mensais pertencentes ao escalão ‘1000 euros ou mais’ representam 2,2%, sendo que o escalão com as rendas mais baixas ‘menos de 20 euros’ tem um peso 4,0%.”

Fonte: INE

Ora, num contrato de 100 euros uma atualização de 5,43% representa uma subida de 5,43 euros, o que significa que num contrato de 300 euros o aumento será de 16,3 euros. Já numa renda de 500 euros a subida será de 27,15 euros.

O que querem proprietários?

Na outra face da moeda estão os proprietários. E desse lado pede-se que não se congele qualquer subida das rendas. Aliás, lembram que as rendas anteriores a 1990 já estão congeladas há muito e voltaram a ficar sem atualizações este ano, medida aprovada no âmbito do Orçamento do Estado para 2022, que foi aliás recebida com surpresa pelos proprietários.

Segundo números da Associação Nacional de Proprietários, dos cerca de 900 mil contratos existentes cerca de 200 mil estão com rendas congeladas, rendas que nas palavras do presidente desta entidade, António Frias Marques, “são baixíssimas e são intocáveis”. Uma luta antiga dos proprietários que ainda viram réstia de esperança no subsídio de renda previsto em legislação de 2014 mas nunca “posto em prática”.

É também pela ajuda a quem não consegue pagar as rendas — e não em prejuízo dos proprietários — que a Associação Lisbonense de Proprietários (ALP) se tem batido, lembrando que “os contratos de rendas antigas, congeladas, anteriores a 1990, que estão a ser indefinidamente prolongados pelo Governo sem qualquer justificação, não podem sequer sofrer quaisquer atualizações do valor de renda, ainda que com base no coeficiente legal apurado pelo INE”.

Diana Ralha, da direção desta associação, realça que a ALP não aconselha os seus associados a usar o indicador da inflação sem habitação nos seus contratos para apurar a atualização anual. E recorda a evolução deste dado nos últimos anos para expressar que é quase um congelamento para as rendas também após 1990. Nos últimos seis anos, as rendas sujeitas ao coeficiente de atualização aferido pelo INE e publicado em Portaria em Diário da República “tiveram aumentos marginais, em contraciclo com a evolução do mercado imobiliário nacional no mesmo período: as rendas subiram 0,54% em 2016; 0,16% em 2017; 1,12% em 2018; 1,15% em 2019; 0,51% em 2020; estiveram congeladas, sem qualquer aumento, em 2021, e sofreram uma atualização de 0,43% este ano”.

Não aconselhando os seus associados a usar este indicador — o aumento que estes proprietários têm realizado encontra-se na ordem dos 2-3% –, a ALP garante que “os senhorios não têm interesse em atualizar as rendas em valores que os seus arrendatários não consigam suportar”, e lembra na o que tem ficado por pagar. Nos primeiros seis meses de 2022, um em cada quatro inquiridos no Barómetro da ALP (24,4%) tinha pagamento de rendas em atraso.

António Frias Marques atira uma outra questão em declarações à Rádio Observador: se a inflação em agosto foi de 9% “não percebo porque motivo a atualização não será desta ordem de grandeza. A renda é um serviço que é prestado”.

António Frias Marques: “Os proprietários saem muito prejudicados”

No barómetro apresentado esta semana, que resulta de um inquérito aos associados, a ALP concluiu que o maior receio dos proprietários é que haja congelamento das rendas: “Mais de um terço dos proprietários (36%) inquiridos assinala que o seu maior receio para 2023 é a manutenção do congelamento das rendas nos contratos anteriores a 1990 [quase dois terços dos inquiridos têm casas com rendas congeladas], e outro terço das respostas (34%) teme a possibilidade de um congelamento administrativo pelo Governo de todas as rendas devido à subida da inflação.”

A ALP alerta ainda que esta é uma fonte de rendimento para os proprietários, sendo que, segundo o barómetro realizado, para 17,8% dos casos é o único rendimento que tem. Cerca de metade tira das rendas até três salários mínimos brutos (2.100 euros), tendo uma taxa autónoma de 28% (se não se optar pelo englobamento destas rendas com outros rendimentos). E recorda que os proprietários também estão a sentir na pele a inflação: em todos os preços e num outro o custo de construção. Uma casa que entra no mercado de arrendamento tem de ser construída ou reabilitada. Em junho de 2022, os custos de construção de habitação nova aumentaram, segundo o INE, 12,9% em termos homólogos. O preço dos materiais e o custo da mão de obra apresentaram, respetivamente, variações homólogas de 17,2% e de 6,9%.

Esta associação ainda deixa a questão: pensa-se no congelamento das rendas, mas está a considerar-se alguma medida para o crédito à habitação, já que as taxas estão a subir?

O que vai fazer o Governo?

Se os inquilinos pedem congelamentos, os proprietários esperam que não se vá por aí. Na próxima segunda-feira o Governo realiza um conselho de ministros extraordinário para aprovar o pacote de apoio aos rendimentos, que tem sido designado pacote anti-inflação. Os proprietários admitem que o anúncio do congelamento chegue nesse dia.

Ainda não houve reuniões específicas com a tutela sobre o assunto. E o Governo fecha-se em copas.

Ao Observador o Ministério das Infraestruturas e Habitação revela ter o assunto em análise, acompanhando “as preocupações manifestadas sobre o tema”. Fonte oficial, contactada pelo Observador, esclarece que “o Governo está a acompanhar as preocupações que têm sido manifestadas sobre este tema, nomeadamente pelas várias associações do setor”, estando, “neste momento, o assunto ainda em análise”.