A 24 de Agosto, dia em que se assinala o dia da independência ucraniana, o embaixador Sergiy Kyslytsya declarou, na ONU (onde é representante permanente do seu país), que, “antes de ocupar a Ucrânia, já a Federação Russa ocupara de forma permanente o Conselho de Segurança”. Num longo discurso, onde também evocou o sofrimento e resistência dos ucranianos, Kyslytsya voltou a insistir na importância de a comunidade internacional encarar esta guerra como uma ameaça do expansionismo russo a todo o continente europeu, e não como um conflito local e circunscrito. Sergiv Kyslytsya estará esta sexta-feira na Nova SBE para falar nas Conferências do Estoril, mas também para auscultar a opinião pública sobre a guerra e os esforços para a paz.
Quais são as suas expectativas para esta edição das Conferências do Estoril?
Espero encontrar pessoas maravilhosas, com ideias muito válidas e criativas para o futuro, sobretudo para as relações entre países. À partida, os vários painéis e oradores parecem-me muito interessantes.
Espera que sejam apontadas soluções para a paz mundial, nomeadamente para o conflito entre a Rússia e o seu país?
Até aqui, tenho trabalhado no âmbito das Nações Unidas. Mas, num evento como este, aberto à sociedade civil, penso que terei a oportunidade de perceber como é que a opinião pública de vários países perceciona o que está a acontecer no terreno. Também gostaria de verificar até que ponto essa mesma opinião publica deposita confiança nas Nações Unidas. Explico melhor: ao longo das minhas viagens, tenho constatado que, um pouco por todo o lado, o cidadão comum tende a confundir as Nações Unidas com o Conselho de Segurança.
Nas suas intervenções, tem-se mostrado muito crítico em relação a este órgão, defendendo mesmo a sua reforma.
Porque tem vindo a falhar em momentos cruciais. No caso da invasão do meu país pela Rússia, ficou completamente paralisado. Em consequência disso, muita gente está desapontada com a atuação das próprias Nações Unidas. Mas países como Portugal podem desempenhar um papel na mudança que se impõe.
De que maneira?
Portugal é membro da ONU desde 1955 e é candidato a ser membro não permanente do Conselho de Segurança no biénio 2027-2028. A meu ver, é um país essencial para estabelecer a ligação entre a Europa e outras partes do mundo, como a África e a América do Sul. Também é um país respeitado, nomeadamente no seio dos países de língua portuguesa, onde tem forte influência. Ao longo dos anos, Portugal também se tem mostrado muito comprometido com os objetivos da paz mundial e da luta contra os efeitos das alterações climáticas.
Voltando ao Conselho de Segurança: que tipo de reforma preconiza?
O Conselho de Segurança ainda está demasiado preso às resoluções saídas da Conferência de Ialta, no final da Segunda Guerra Mundial, que reuniu o Presidente dos Estados Unidos, Roosevelt, o primeiro-ministro britânico, Churchill, e o ditador soviético, Estaline. O meu governo pensa que é um ultraje que a Federação Russa continue a integrar como membro permanente este Conselho de Segurança, depois de tudo o que tem feito, mesmo antes da agressão à Ucrânia.
“Temos de saber apreciar cada euro gasto pelos portugueses com os problemas da Ucrânia”
Como viu a visita do Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, à Ucrânia?
Penso que Portugal tem demonstrado um extraordinário compromisso com a Carta das Nações Unidas e com as resoluções de paz. Os esforços das autoridades portuguesas são muito bem vistos quer pelo nosso governo, quer pelo povo ucraniano. Também sabemos que Portugal recebeu muitos refugiados nossos e que tem havido muitas iniciativas da sociedade civil em prol dos ucranianos agredidos. Estamos atentos e agradecemos.
Mas pensa que Portugal tem feito o suficiente, nomeadamente o governo?
É um assunto delicado. Temos de saber apreciar cada euro gasto pelos portugueses com os problemas da Ucrânia, cada hora que nos é dedicada. Mas Portugal, como os outros Estados membros da União Europeia, deveriam estar conscientes de que a Ucrânia não luta apenas pela sua própria liberdade e soberania porque o expansionismo russo não se ficará por aqui. Se não for parado a tempo, ele estará cada vez mais perto das fronteiras de Portugal. O grave em tudo isto é que os serviços secretos norte-americanos e britânicos informaram os seus governos sobre a iminência de um ataque russo à Ucrânia e nada foi feito. Mesmo depois da invasão, demoraram demasiado tempo a decidir como é que iriam dar auxílio às forças armadas ucranianas.
“Prigozhin assinou um contrato com o Diabo, não podia esperar outra coisa”
Como está o moral dos ucranianos neste momento?
Eu diria que está em alta, apesar de tudo. A sua dedicação à causa da soberania nacional é notável.
Como analisa a morte de Prigozhin? Vai mudar alguma coisa no desenrolar dos acontecimentos?
Não sei se muda alguma coisa, mas revela a existência de um canibalismo político na hierarquia russa, o que é excelente para a Ucrânia. Prigozhin assinou um contrato com o Diabo, não podia esperar outra coisa. Há muito tempo que Putin tinha demonstrado que não aceitava oposição interna, contestação de qualquer tipo. O regime que Putin construiu nos últimos 20 anos é o de um Estado falhado e a sua fragilidade ficou demonstrada com a facilidade com que Prigozhin entrou em Moscovo.
Este artigo faz parte de uma série sobre as Conferências do Estoril, evento de que o Observador é media partner.Resulta de uma parceria com a Nova Medical School, Nova School of Business and Economics e a Câmara Municipal de Cascais. É um conteúdo editorial independente.