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Habitação e urbanismo, Lisboa, 08 de abril de 2024. rendas. alfama. turismo. CARLOS M. ALMEIDA/LUSA
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CARLOS M. ALMEIDA/LUSA

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Seringas usadas, dejetos, prostituição e assaltos: 40 moradores denunciam "insegurança insustentável" em Santa Maria Maior

Em plena luz do dia, há cada vez mais pessoas a consumir drogas, a prostituir-se, defecar e a vandalizar propriedades na freguesia de Santa Maria Maior. Moradores denunciaram casos em sessão pública.

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No último ano, o prédio onde Maria João Correia mora, no bairro da Mouraria, foi assaltado duas vezes. O restaurante onde Gurnek Singh trabalha perdeu a clientela porque à porta do estabelecimento, em plena luz do dia, há pessoas a consumir drogas e a defecar. É este o cenário com que os moradores da freguesia de Santa Maria Maior, na capital, se deparam diariamente. Falam numa situação de “insegurança insustentável”, dizem ter “medo” e sentem-se abandonados pela Câmara Municipal e pela PSP. O presidente da Junta de Freguesia, que convocou uma sessão para tornar pública esta realidade, apresentou um plano de 12 medidas para pôr fim às situações “inaceitáveis” que se têm registado.

A sala do Hotel Mundial, em plena praça do Martim Moniz, na freguesia de Santa Maria Maior, não tinha espaço suficiente para tanta gente que decidiu participar na sessão pública de denúncia desta quinta-feira.

A convocatória para a sessão, promovida pela própria Junta, traçava um cenário dramática da situação atual na freguesia: “Assaltos, vandalismo, ocupações, tráfico e consumo à vista de todos, tentativas de violação, agressões, homicídios”, referia o anúncio divulgado nas redes sociais, onde também se descreviam as “ruas controladas por grupos criminosos, invasões dos domicílios, ocupações, vandalismo, ajuntamentos violentos, assédio, ameaças, medo”.

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Ao Observador, esta quarta-feira, Miguel Coelho fazia referência a “um homicídio” que teria ocorrido “há dias” e ainda a uma “tentativa de violação” que só não terá sido concretizada porque a população interveio e deteve o autor até à chegada das autoridades. Também ao Observador, a PSP contrapunha com a ideia de que a “grande maioria das queixas” que recebe naquele território “não dizem respeito a fenómenos criminais, mas sim a um sentimento de insegurança subjetivo”.

A freguesia abrange alguns dos principais bairros históricos da cidade de Lisboa: Alfama, Baixa, Castelo, Chiado, Mouraria e Sé. Foram selecionados 40 moradores e comerciantes da freguesia liderada por Miguel Coelho (PS) para partilhar os episódios impressionantes, chocantes e por vezes até violentos que têm testemunhado na primeira pessoa. A dinâmica era simples: cada um tinha um minuto para fazer a denúncia, passando o microfone à pessoa que estivesse ao seu lado. Na primeira linha, de frente para os “denunciantes”, estavam três representantes da Câmara Municipal de Lisboa e dois representantes da Polícia Municipal. Foram também dirigidos convites à PSP e ao secretário de Estado da Administração Interna, mas ninguém apareceu para ocupar as cadeiras.

“A loja [de produtos tecnológicos] foi partida duas vezes e uma das vezes até foi queimada. Há assaltos frequentes, pegam nas coisas mais valiosas e fogem”
Gurnek Singh, natural da Índia com cidadania portuguesa

Depois das referências a “homicídios” e “violações” e à existência de um “medo” generalizado entre a população, foi ficando mais claro — à medida que cada um dos 40 moradores ia dando o seu testemunho pessoal — que há um sentimento generalizado de degradação do ambiente social na freguesia de Santa Maria Maior. Os relatos espelharam precisamente esse sentimento, sobretudo com descrições de vandalismo, um consumo de drogas a céu aberto e algumas situações de ameaças à população e comerciantes.

“Peço às autoridades: não abandonem a Mouraria!”

Maria João Correia era uma dos 40 convidados. Disse morar há 24 anos no bairro da Mouraria,  mas tudo se agravou nos últimos 12 meses. “No último ano, o sítio onde moro foi assaltado duas vezes. Eu e os meus vizinhos reforçámos a segurança do prédio com a instalação de alarmes. Das vezes em que os assaltos aconteceram, de imediato contactei as autoridades, mas disseram sempre que não podiam fazer nada: já tudo tinha acontecido e não havia provas”, começa por contar.

E, pondo de lado a timidez que se fez vencer quando outros moradores pegaram no microfone, contou ainda mais detalhes: “A insegurança é insustentável. Tenho uma filha novinha que tem medo, a partir de certa hora, de sair de casa, com medo da violência que existe na rua.”

A menor, diz, “quer trazer amiguinhos a casa”, mas recusam assim que “diz que vive na Mouraria. Não quero que ela sofra este estigma”, remata Maria João Correia. Da plateia ouviu-se um aplauso forte e a moradora de Santa Maria Maior aproveita para constatar que “o posto” da PSP” que havia na freguesia “faz falta. Quando foi fechado, a insegurança aumentou drasticamente”.

Presidente da Junta de Freguesia, Miguel Coelho

Uma das residentes que partilha desta opinião — e que devido à emoção nem se identificou — conta que “eram 8h15 quando ia sendo assaltada”. “A minha sorte foram dois paquistaneses, que me ajudaram. Peço às autoridades: não abandonem a Mouraria!”

Novos aplausos encheram o espaço. E assim foi durante quase as duas horas de duração da sessão pública de denúncia, principalmente quando era mencionado qualquer facto relacionado com a alegada inação da PSP na freguesia.

Até o presidente da Junta, Miguel Coelho, justificou que a sessão tinha sido dinamizada “para apresentar testemunhos”. “Para que não digam que estes casos não acontecem e que estamos a inventar coisas. Muitas vezes, quando falamos com os agentes de autoridade, dizem-nos: ‘Não corresponde aos nossos registos’. As pessoas deixaram de fazer queixa! Têm medo e sentem que não são ouvidas.”

Gurnek não leva os filhos ao jardim porque podem picar-se em seringas

Tomando o microfone com uma certa insegurança, Alcindo, comerciante local, disse, recorrendo a um português pouco claro e com algumas lacunas, que está na Mouraria desde 2022. Nos últimos tempos passou pelo incómodo de ter de “acordar um drogado que se deitou à porta da loja” onde trabalha. Ao longo do dia, o homem foi ficando por ali, obrigando Alcindo a “levar com a bebida e com o fumo dele”. “Os funcionários deixam de trabalhar nas lojas, não aguentam mais. Levam com barulho e ameaças”, concluiu.

Experiência semelhante teve Gurnek Singh, natural da Índia mas com nacionalidade portuguesa. Disse ter dois negócios: uma loja que vende produtos tecnológicos e um restaurante. “A loja foi partida duas vezes e uma das vezes até foi queimada. Há assaltos frequentes, pegam nas coisas mais valiosas e fogem”, diz.

Mas no segundo negócio a situação é mais grave: “No restaurante, ninguém quer passar lá. Há gente a drogar-se, fazem as necessidades à porta. E levamos com faltas de respeito.”

"Sentam-se na escadaria, comem e deixam o lixo, fazem as necessidades e fazem imenso barulho. Não conseguimos descansar nem trabalhar no dia seguinte"
Helena Peixoto, representante da Residência Martim Moniz

Gurnek Singh tem dois filhos, de dois e três anos, e, para proteger as crianças, deixou de as levar ao parque infantil. Quando lá vou, “levo com pessoas a drogar-se e com seringas penduradas no braço. Não os levo ao jardim porque vão para lá brincar e podem picar-se”. Apesar de ter tentado pedir a intervenção da polícia, segundo o comerciante, as autoridades alegam que as pessoas “podem estar ali a fazer o que estão a fazer”.

Minutos antes da partilha de Gurnek Singh, quase apenas numa só frase, um funcionário da Junta de Freguesia pegava no microfone para dizer: “Trabalho na limpeza da rua e todos os dias encontro montes de seringas, com e sem sangue. Isto não era assim.”

“Durmo com as portadas fechadas, tenho medo”

Mas as seringas não são a única “prova” de que o mundo do consumo está cada vez mais forte nesta freguesia. Segundo Maria Carmo Chagas, que vive há 52 anos na calçada de S. Lourenço, os moradores queixam-se de que o barulho é uma constante e que o chão é permanentemente remexido.

“Não deixam dormir ninguém, fazem as necessidades à nossa frente mesmo se formos a passar. As pedras da calçada estão todas levantadas, não se pode andar. Tiram-nas do chão, fazem buracos, metem coisas enroladas em papel e metem as pedras por cima”, conta.

“Há um tráfico inacreditável ali. E prostituição, na escadaria Pinheiro da Graça, junto à muralha Fernandina. Sentam-se na escadaria, comem e deixam o lixo, fazem as necessidades e fazem imenso barulho. Não conseguimos descansar nem trabalhar no dia seguinte”, conta ao Observador Helena Peixoto

O testemunho desta residente idosa vai ao encontro daquilo que alguns funcionários da limpeza das ruas contaram ao presidente da Junta. Segundo Miguel Coelho, os responsáveis pela higiene urbana da freguesia já foram abordados por “marginais” que os impedem de lavar o chão porque escondem a droga debaixo das pedras. Segundo detalhou ao Expresso antes da sessão pública, numa rua específica foi necessário o apoio da polícia para poder proceder à limpeza do chão.

À porta de Luísa Reis, em vez de droga debaixo das pedras, há fumo à janela. “Há dias cheguei à minha janela e eles estavam a fumar. Pedi para se desviarem e trataram-me mal”, diz. E logo conta que, dias depois, o “sobrinho deixou o carro à porta [da sua casa] durante cinco minutos e partiram o vidro e roubaram tudo”. “Tenho de dormir com as portadas fechadas, tenho medo”, rematou.

Junta de Freguesia denuncia “agressões”, “homicídios” e “medo” generalizado em Lisboa. Polícia fala em “sentimento subjetivo”

Na Residência Martim Moniz não é melhor: “Há um tráfico inacreditável ali. E prostituição, na escadaria Pinheiro da Graça, junto à muralha Fernandina. Sentam-se na escadaria, comem e deixam o lixo, fazem as necessidades e fazem imenso barulho. Não conseguimos descansar nem trabalhar no dia seguinte”, detalhou ao Observador Helena Peixoto. Segundo a representante da residência, em 2021 elaborou um dossier com um conjunto de fotografias como prova. “Foi reportado à Câmara de Lisboa [quando Fernando Medina ainda era o autarca], à Administração Interna e até junto do Ministério Público. Foi ignorado. Parece que estamos abandonados.”

As 12 soluções para um problema que “é de todos”

A sessão já ia longa quando o presidente da Junta de Freguesia voltou a pegar no microfone. O responsável por Santa Maria Maior fez questão de sublinhar que as denuncias feitas “não eram contra ninguém”, mas sim “para apresentar factos”. Este “não é um problema de etnias, raça, religiões ou orientação sexual. É um problema de todos, porque todos somos vítimas e eu sou o recetáculo de todas as queixas.”

Na véspera da sessão pública, em declarações ao Observador, Miguel Coelho fez questão de separar as questões de insegurança e a existência, na freguesia que lidera, de uma considerável comunidade imigrante, sobretudo de países do Indostão. Já com mais de uma hora de sessão, os ânimos na sala começaram a exaltar-se, com alguns dos presentes a alegar que a “culpa” era dos imigrantes que tinham decidido vir para Portugal e que era necessária uma “limpeza” do país.

Rapidamente, o socialista retomou a condução da sessão e apresentou 12 soluções para o problema, sublinhando que está agora nas mãos da Câmara Municipal de Lisboa, da PSP e do Parlamento:

  1. Considerar Santa Maria Maior “uma zona crítica”: “Sei que não há os polícias que devia haver, mas aqui não é a Lapa ou a Estrela. É preciso que o território seja considerado zona crítica para que se afetem mais quadros para aqui”;
  2. A Junta de Freguesia propõe “ceder um espaço seu para repôr o posto da PSP”: “Está identificado e se a PSP não quiser é dirigida à Polícia Municipal.” E ainda ceder “um espaço de dormitório para os polícias que vão substituir os outros” que acabam o turno;
  3. Ceder uma viatura de patrulhamento à PSP “com a condição de usarem neste território”;
  4. Pedir, no Parlamento, “o fim do licenciamento zero, que permite a um estabelecimento abrir e fechar à hora que quiser, para acabar pancadaria de madrugada e o barulho”;
  5. “Convencer a Câmara Municipal a instalar uma rede de videovigilância”;
  6. “Exigir um despacho que limite as horas dos estabelecimentos que vendem bebida: até às 23h durante a semana e 24h ao fim de semana domingo. Pode haver exceções, mas tem de ter parecer da Junta”;
  7. É preciso “ter sanções: fechar temporariamente ou definitivamente se o estabelecimento não cumprir as regras e horários”;
  8. “A Câmara Municipal tem de ter uma posição mais assertiva em relação aos prédios devolutos: ou os fecha ou empareda”, evitando que sejam ocupados ilegalmente;
  9. “Criar uma rede de guardas noturnos na cidade de Lisboa. E, se o enquadramento legal permitir, contratar empresas privadas de segurança”;
  10. Atribuir à Polícia Municipal a responsabilidade de realizar “ações de fiscalização noturna com frequência”.
  11. Implementar uma “rede de salas de consumo assistido por toda a cidade, uma por freguesia”, evitando que a população que consome drogas se “concentre toda” em Santa Maria Maior, onde existe a única sala de consumo assistido da cidade;
  12. Criar uma “rede intermédia de recolha de pessoas sem-abrigo”, sem permitir “acampamentos” e impedindo a existência de “falsas situações de sem-abrigo, com pessoas a querer aproveitar estas circunstâncias para assaltar casas”.
 
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