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"A diferença deste álbum para o outro é muito mais eu acordar de manhã, ir fazer exercício, tomar conta do meu filho, passar um bom tempo com ele, passar um bom tempo com o meu pai, ir ao psicólogo, ter a minha banda nova, a diversão que é estar no palco..."
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"A diferença deste álbum para o outro é muito mais eu acordar de manhã, ir fazer exercício, tomar conta do meu filho, passar um bom tempo com ele, passar um bom tempo com o meu pai, ir ao psicólogo, ter a minha banda nova, a diversão que é estar no palco..."

"A diferença deste álbum para o outro é muito mais eu acordar de manhã, ir fazer exercício, tomar conta do meu filho, passar um bom tempo com ele, passar um bom tempo com o meu pai, ir ao psicólogo, ter a minha banda nova, a diversão que é estar no palco..."

Slow J e a gloriosa celebração de "Afro Fado": "Este disco tornou-se a minha catarse, a minha libertação"

O novo álbum já bateu um recorde no Spotify e o músico esgotou a Altice Arena, onde vai tocar em março. Em entrevista, explica-nos o conceito e guia-nos pelo processo de construção das canções.

Ao quarto disco, Slow J apresenta-nos declaradamente o seu Afro Fado. Lançado na sexta-feira, 24 de novembro, não demorou a bater um recorde impressionante: é o álbum português mais ouvido de sempre no Spotify no primeiro dia após o lançamento. O impacto foi sentido e a curiosidade era muita.

Na capa do disco, orquestrada pelo artista Fidel Évora, Amália Rodrigues e Eusébio da Silva Ferreira apertam a mão no antigo Estádio da Luz, em Lisboa. Faltava um par de meses para a revolução do 25 de Abril e o documentário francês Mon Pays Le Voici: Amália Rodrigues Présente Le Portugal encenava este encontro entre os dois ícones nacionais. No pós-revolução, o filme acabou por não ser transmitido em Portugal. Eram e permaneceram símbolos maiores do país, mas na altura estavam de alguma maneira conotados com o regime, sobretudo no caso de Amália.

Quase 50 anos depois, Slow J não esquece o “lado feio” desse passado, mas mostra-se “esperançoso” e reinterpreta aquele encontro como um símbolo inspirador de “transcendência”. Duas pessoas que se superaram, que são verdadeiros ícones. Que dão a mão na diferença. Um homem negro e uma mulher branca, tal como os pais de João Batista Coelho, Slow J, luso-angolano de sangue, Afro Fado de espírito.

Procurando fugir de padrões “óbvios” que o título pudesse evocar, o álbum reside muito nesse equilíbrio entre a energia e a introspeção, o embalo caloroso e a intimidade fadista, a celebração e a tristeza. É o disco em que Slow J mais escapa às convenções instrumentais do hip hop, mas onde o rap persiste entre batidas distintas. Foi o álbum em que o músico de 31 anos, conhecido pela autossuficiência e por controlar todo o processo criativo, mais se abriu à colaboração. Uma apologia da mistura, construída numa bolha local e feita a ambicionar o mundo.

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[“Where U @”, o primeiro single de “Afro Fado”, revelado já no início de 2023:]

O processo até pode ter sido lento, mas teve poucas pausas. Não muito tempo depois do lançamento de You Are Forgiven, em 2019, Slow J já estava a trabalhar em canções novas, a explorar instrumentais, letras e refrões. Ficou com cerca de 45 temas. O título, como sempre, foi a primeira escolha a ser feita. Foi nessa fase, de muita música e incerteza sobre que caminho seguir em termos de produção, que começou a trabalhar com António e Henrique Carvalhal, os irmãos gémeos que assinam como GOIAS. Instrumentistas e produtores ligados ao hip hop, olharam para o imenso espólio que João Batista Coelho tinha entre mãos e esculpiram os esboços, um após o outro, criando inúmeras versões para cada tema, até que de forma natural uns foram sobressaindo e outros ficando para trás.

Grandeza foi o ponto de viragem. “Quando fizemos essa percebemos: há aqui um caminho para a produção do álbum”, conta Slow J ao Observador. Era para ter sido a primeira faixa de Afro Fado, mas o alinhamento foi sofrendo mutações e, de repente, acabou por ficar sem espaço. Foi apresentada ao mundo quando o artista se estreou em março deste ano na plataforma internacional A Colors Show. No disco, acabou substituída por Tata, criada de forma muito orgânica em “dois ou três dias” e que será o próximo single do disco. “Não sei se é verdade, mas ouvi dizer que, por vezes, nos filmes, gravam as cenas iniciais dos atores no fim, porque eles já estão mais em personagem, tendo em conta que aquela é a primeira impressão de quem vê.” Foi o que aconteceu com Tata, quando já estavam “confortáveis naquela pele”.

Em entrevista, Slow J mergulha no processo de construção do álbum, fala-nos do seu conceito de Afro Fado, revela-nos a escolha da capa e antecipa o concerto — já esgotado — que vai fazer na Altice Arena a 8 de março de 2024.

A capa do novo album de Slow J, "Afro Fado": "Era muito difícil encontrar uma capa melhor. Porque a Amália e o Eusébio são dois grandes símbolos de transcendência"

Havia quase 50 faixas que poderiam ter entrado no disco. O desafio passou por fazer esse processo, perceber o que faria sentido entrar ou não? Já tinha acontecido nos outros álbuns, ter tantos temas que ficaram de fora?
Não tantos, mas sim, também tinha. É útil, tendo em conta a maneira como trabalho. Porque na maior parte dos dias não saem ideias de jeito… Como se pode ver, foram quatro anos, 14 sons. Mas a quantidade ajuda-me muito. No fim do dia, tentamos estabelecer uma narrativa que funcione desde o início ao fim do álbum. Que faça sentido, quer esteticamente, quer conceptualmente. E os sons têm de servir isso. Não fazemos grandes concessões. Há um som que tenho quase a certeza de que, se estivesse no álbum, seria o maior single — mas não encaixava. E temos de fazer isso no processo de construção dos álbuns, para eles ficarem coesos. São documentos que vão ficar.

O conceito deste Afro Fado foi crescendo à medida que ia construindo os temas?
Tem várias origens. Vem, por exemplo, de discutir com o Kalaf sobre como é que se chega fora do país, obviamente por causa de toda a experiência de Buraka Som Sistema, e a ideia de que, quanto mais local for aquilo que fazemos, mais fácil vai ser exportar porque não há competição — mais ninguém faz isto. Por isso, quanto mais estiver dentro da própria bolha, nas influências próprias e nas raízes, mais espaço há para isso. E pareceu-me muito interessante porque o meu caminho já era muito dessa exploração. Os meus primeiros trabalhos têm muito disto, mas com mais beats de hip hop. No You Are Forgiven, quando fiz o Lágrimas, senti que acertei ali num sweet spot. E ainda tentei descobrir quanto é que o You Are Forgiven se poderia tornar neste álbum durante o processo, mas depois percebi que estava a tentar dobrar uma cena que era para ser outra coisa. Então aceitei que o You Are Forgiven iria ser aquele álbum e que depois ia partir para este. Depois, houve o concerto de apresentação no Coliseu, no Super Bock em Stock. Era só eu com o ecrã gigante. E de repente havia um momento em que entrava uma plataforma e apareciam dois guitarristas e eu a cantar no meio. Depois, fizemos isso no Seixal, mas durante o concerto inteiro. E esse momento mostrou-me muito o caminho. Posso ter rap, canções e este tipo de texturas. Sentia que era uma cena única. Foram as minhas pistas de que poderia ser um bom caminho a explorar. Ao mesmo tempo, era mergulhar no deep-end das minhas raízes, daquilo que está para trás, e imaginar um futuro. Foi só ter a certeza de que era esse o caminho e começar a trabalhar.

"A minha sensação com este álbum é que seria muito mais difícil fazê-lo, por exemplo, com o Dr. Dre do que com eles. Porque é muito específico, é daqui, é desta cultura, é desta junção de pessoas. Eles [a dupla de produtores GOIAS] cresceram na mesma cultura, têm as mesmas referências. E era impossível fazer isto sozinho, pela quantidade de trabalho, a quantidade de detalhes... Só há 24 horas num dia."

Na exposição pop-up em Marvila em que houve uma apresentação do Afro Fado nos últimos dias, havia uma frase que se referia ao disco como um “ensaio sobre a identidade”. Obviamente, está relacionado com as suas raízes, mas também existe uma extrapolação para todo o país, para toda uma identidade cultural nacional. É uma ideia que já vinha a desenvolver e há outros músicos, e não só, que a têm vindo a trabalhar de alguma forma. Queria fazer uma afirmação nesse sentido, com este disco? Marcar uma posição?
Sim, e acho que está marcada. Não sou político, sou músico. Claro que tenho as minhas opiniões, mas a música tem um poder de afetar a cultura diretamente. Afeta a forma de pensar das pessoas, através do cantar, do dançar… A realidade altera-se quase sem ninguém reparar que mudou. Só quando olhamos para trás é que percebemos a diferença. Com este álbum, quisemos imaginar um país do futuro onde a cor da pele não é uma cena — é apenas como a cor do cabelo — e em que o estilo de música que se faria seria este. Muito naturalmente. Ninguém pensaria muito sobre o assunto, simplesmente esse seria o estilo de música natural de uma sociedade que é filha destas influências todas. A ideia conceptual do álbum é que esta música seria o que se faria nessa terra prometida. E isto sempre esteve, de alguma forma, nos meus primeiros discos. A dimensão agora é que é diferente. Se calhar a maneira como consigo escrever e transmitir as ideias é mais clara. O produto é mais limado. Mas eu diria que são um bocado as mesmas ideias.

As derrotas e as vitórias até “fazer melhor”

Já disse este ano que o nível de colaboração neste álbum foi bastante superior em comparação com os anteriores. Tem a ver com a posição de onde vem, da formação como engenheiro de som e produtor, de ter o controlo criativo sobre tudo, e de aqui se abrir mais à colaboração, sobretudo com os GOIAS? Como é que foi esse processo? Delegou e confiou mais? Porque é que aconteceu neste álbum?
É a maior diferença dos outros álbuns para este. Ou, pelo menos, foi o ponto mais determinante para que sejam tão diferentes. Primeiro, teve a ver com estar bem comigo próprio, para não ter tanta necessidade de controlo e dar mais oportunidades às pessoas à minha volta que têm capacidade para contribuir. Muitas vezes é isso. Porque é difícil confiar, especialmente quando era uma coisa que eu fazia sempre e com tanto afinco… Mas também já vim um bocado derrotado do You Are Forgiven, no sentido em que, melhor do que aquilo, eu não vou fazer sozinho. E se quero fazer melhor, eu próprio vou ter de crescer.

[ouça o novo “Afro Fado” na íntegra, através do Spotify:]

Trabalhando também com outras pessoas.
Sim. Não é que o álbum tenha mais colaboradores, mas… Por exemplo, não mexi no beat do Tata. Veio assim e só cantei. Tentei mexer, estava só a ficar pior.

Talvez este processo seja estranho, olhando para trás…
Completamente. Mas o love vem daí, o nível de detalhe a que eles estavam a chegar… Se houvesse um universo paralelo e eu tivesse de lançar o You Are Forgiven na mesma altura em que está a sair o Afro Fado, a dificuldade que eu teria em competir contra o Afro Fado, tendo em conta a qualidade do processo… Porque é um a lutar contra não sei quantos, muito bem coordenados, a trabalharem muito bem juntos, a saberem desligar o ego e a pensar uma e outra vez, a reouvir. Os gémeos foram incansáveis. Por vezes estiveram uma semana inteira a fazer uma coisa, chegou ao meu lado e eu “ya, não é isto, rapazes, desculpem. Apaga tudo, ‘bora tentar outra vez”. Foram incansáveis, compreendemo-nos de parte a parte.

O que é que eles trouxeram para o disco? O que é que foi mais importante na vinda deles para o projeto? Eles são instrumentistas, o João tem um background como produtor.
Eu diria que eles são mais sample makers, eles conseguem entregar algo que é refinado e feito à medida, para um ambiente específico. Já para não falar que têm muitas referências musicais em comum comigo. Então, a compreensão foi muito automática. A minha sensação com este álbum é que seria muito mais difícil fazê-lo, por exemplo, com o Dr. Dre do que com eles. Porque é muito específico, é daqui, é desta cultura, é desta junção de pessoas. Eles cresceram na mesma cultura, têm as mesmas referências. E era impossível fazer isto sozinho, pela quantidade de trabalho, a quantidade de detalhes… Só há 24 horas num dia. Consigo escrever bem, mas vou pôr quatro acordes, não vou fazer um solo de guitarra nem um outro da música… Há muitas coisas que nunca fiz nos meus outros álbuns porque literalmente não tinha tempo. Por exemplo, a Ultimamente nunca teria saído se não fosse o António. Já era da altura do You Are Forgiven e, desde a primeira vez que a ouviu, ele ficou super afincado, a dizer: “Isto vai ter de acontecer, dê por onde der”. E lá conseguimos chegar.

"Para fazer música, tento seguir o que sinto todos os dias, mas não gosto de lançar música demasiado depressiva, nem da ideia de chorar sobre leite derramado, o triste pelo triste"

E é um dos temas que se está a destacar mais no álbum.
Claramente. O meu trabalho neste disco foi muito mais de arranjo e de estrutura. “OK, ‘bora tirar o bass desta parte, pôr os drums naquela.” Foi muito menos um trabalho de inventar os drums, de tocar a guitarra…

Falando da capa: Amália Rodrigues e Eusébio da Silva Ferreira, obviamente dois dos maiores símbolos portugueses, uma mulher branca e um homem negro, representam um Afro Fado e também as suas raízes familiares. Mas como é que chegou àquela foto para a capa do álbum?
O placeholder da capa, durante o processo inteiro do álbum, era uma outra foto deles juntos. Porque me causa um impacto emocional automático. Vai muito para lá das explicações. Acho que qualquer português que olhe para a foto tem uma reação automática. E gostei muito disso. Depois, a capa do Where U @ também é a cara da Amália e do Eusébio. E nós meio que desistimos dessa ideia de ser a capa do álbum, mas eventualmente fomos dar a esta foto, e assim que o Fidel a trabalhou… É uma daquelas cenas do universo. Alguém captou aquela imagem há imensos anos para eu agora encontrar a imagem. E era muito difícil encontrar uma capa melhor. Porque a Amália e o Eusébio são dois grandes símbolos de transcendência. De ir para lá daquilo que as pessoas consideram possível. Ao mesmo tempo, eles foram muito os puppets do tempo do Salazar, a ideia do fado, futebol e Fátima, o ópio do povo. E naquele aperto de mão — e já passei muito tempo a olhar para aquela imagem — sente-se o subtexto. O quanto eles os dois sabem o jogo que estão a jogar. Sinto que é uma imagem que reflete bem a ideia do Afro Fado. Porque não pode ser só uma história de amor bonita, porque não o é. Porque há um passado, existe um lado feio. Mas não deixa de ser uma história de amor e algo que pode inspirar um futuro. Eles os dois, enquanto símbolos, são muito isso. Por mais que a Amália tenha sido super cancelada naquela altura, e as histórias que existirem do Eusébio, olhamos para eles hoje em dia e são marcos, símbolos do quão longe uma pessoa aqui pode chegar. A foto é tão agridoce como o álbum.

Agridoce por causa dos vários temas em que aborda momentos íntimos e conjugais mais difíceis?
Sim, exatamente. Todos os meus álbuns são um bocado assim, não é? Mas este consegue ser um álbum muito enérgico — pela primeira vez podem ir ao ginásio e ouvir Slow J — mas que não deixa de ter aqueles momentos de introspeção, aqueles momentos down que acho que caracterizaram muito a minha carreira também. Adoro o equilíbrio que ficou neste álbum entre essas duas energias. Por exemplo, a Ultimamente para mim é uma catarse. Como o disco também é. Em vez de um som para deprimir, é a minha catarse, a minha libertação. Para fazer música, tento seguir o que sinto todos os dias, mas não curto lançar música demasiado depressiva, nem da ideia de chorar sobre leite derramado, o triste pelo triste… E aqui acho que conseguimos dançar bem nesta linha, de ter acesso a este lado mas nunca cair para esse lado. Pelo menos foi a minha intenção.

"Gostava que [o concerto na Altice Arena] fosse uma celebração de todos nós. Eu era técnico de som, ninguém sabia quem é que nós éramos, o Gson, o ProfJam, o Dillaz… Caminhámos mais próximos ou mais à distância, mas caminhámos todos do anonimato até ao sítio em que conseguimos viver da música e influenciar a cultura com as nossas ideias. Vejo isto como um marco para nós todos, por isso gostava de os ter lá representados de alguma forma."

Falando dos convidados: obviamente, o Gson é um velho conhecido. Mas como é que chega à Teresa Salgueiro, como é que surge aquela colaboração [na canção Nascidos & Criados]?
Uma parte do exercício do Afro Fado foi perceber como é que não iríamos fazer o álbum mais óbvio de todos os tempos. Chama-se Afro Fado, vivemos a atualidade que vivemos em termos de música, e há muitos clichês a surgir assim que a ideia é colocada no ar. Um deles é ter uma fadista. Tal como ter guitarra portuguesa ou beats afro. Em muitos desses aspetos tentámos subverter os clichês, tentámos encontrar maneiras de ir à volta, de encontrar soluções que não fossem óbvias. E a Teresa Salgueiro foi unânime, ela própria é a subversão da ideia de uma fadista… É uma artista super conceituada, toda a gente reconhece a sua voz imediatamente, não tem nada a ver com a voz de fadista que conhecemos… E os gémeos cresceram a ouvir Madredeus, era um sonho de vida. Fomos ao contacto com ela, a ideia da canção já estava lá, a cena deu-se e acho que ficou maravilhoso.

Houve uma preocupação constante de não aplicar fórmulas mais evidentes, tendo em conta o título?
Sim, é sempre uma preocupação nossa tentarmos trazer ideias novas para cima da mesa. Não jogar pelo óbvio. Desde o início que, como produtor, o que eu curto é criar uma vibe que nunca ouviram antes. É chegar a uma cena que faça abanar a cabeça sem que se perceba bem porquê. Que seja, algo natural da maneira como entra mas que não desperte assim tantas referências.

O que ele (e não só) andou para aqui chegar

Falava da conversa com o Kalaf sobre a internacionalização e é na Tata que canta sobre tomar “a banda de assalto”, referindo-se a Angola, a terra onde tem raízes. O álbum foi feito também a pensar nisso, a olhar para o mundo com ambição?
Todos os meus álbuns foram feitos com esse objetivo. Espero que este tenha sido melhor conseguido do que os outros [risos], mas o tempo o dirá. Mas nunca tentei fazer música para ela não chegar fora de Portugal. E este álbum é só mais um passo nesse sentido. Adorava que a minha música gradualmente conseguisse chegar mais a Angola, a Moçambique, a Cabo Verde… Países que sinto que falam a mesma linguagem mas que falam literalmente a mesma língua. Quem sabe é com este, quem sabe é com o próximo, mas o caminho é esse.

"Olho para a minha geração e a quantidade de afrodescendentes que têm sucesso na música é incrível. Estamos a percorrer o caminho"

Vai apresentar-se em nome próprio na Altice Arena a 8 de março. Obviamente, será uma apresentação do álbum. Mas será um espectáculo diferente de outros sítios onde possa atuar? O que é que já pode contar?
Ainda há muito trabalho do concerto para fazer, mas há algumas coisas que tenho na cabeça. Como artista da minha geração a fazer a Altice Arena, gostava que fosse uma celebração de todos nós. Eu era técnico de som, ninguém sabia quem é que nós éramos, o Gson, o ProfJam, o Dillaz… Caminhámos mais próximos ou mais à distância, mas caminhámos todos do anonimato até ao sítio em que conseguimos viver da música e influenciar a cultura com as nossas ideias. Vejo isto como um marco para nós todos, por isso gostava de os ter lá representados de alguma forma. Fora isso, quero que seja uma festa. E este álbum também é muito mais celebratório do que os outros. Acho que trabalhámos bem. Não tínhamos garantias nenhumas quando começámos. Está a ser um percurso muito fixe, abençoado, um gajo também não se pode agarrar a recordes porque eles estão lá para serem batidos. O que importa é ter o documento, porque ele vai estar lá para sempre. E sei porque, quando lancei o The Art of Slowing Down, fiz aquele álbum para ser a última Coca-Cola do deserto. A acreditar: cuidado com este álbum. E lancei-o, passado dois meses estava do género: bem, a ver se arranjo um part-time. Foi uma pedrita no charco. Mas, eventualmente… Aquilo está lá a fazer o seu trabalho. Seis meses depois já tinha concertos a toda a hora, estava a receber bem e a conseguir viver da música. Aquelas ideias realmente estavam a chegar às pessoas a que precisavam de chegar. E as pessoas estão a vibrar, a viver com essas ideias, e no fim do dia é isso que é importante. Quando apontam o foco para mim, aquilo que fica que sejam as coisas importantes, um testemunho real da minha vida, do que eu vivo, da forma como experiencio as coisas, de como eu acho que o futuro poderia ser… É deixar esses marcos.

É o seu disco mais celebratório por estar a celebrar uma forma de viver a vida, as suas raízes e ao mesmo tempo aquilo que quer que seja cada vez mais o futuro?
Sim, e mesmo a nível pessoal sinto que estou bem. Estou a fazer exercício, a fazer cenas de que gosto, tenho uma equipa muito fixe a trabalhar comigo… Lixado é fazer o próximo [risos]. É celebratório nesse sentido da minha vida pessoal. Uma vez li que as vitórias públicas que não são precedidas por vitórias privadas vão ser sempre short lived e que quando há vitórias públicas que advêm das vitórias privadas é quando conseguimos construir, construir, construir… A diferença deste álbum para o outro é muito mais eu acordar de manhã, ir fazer exercício, tomar conta do meu filho, passar um bom tempo com ele, passar um bom tempo com o meu pai, ir ao psicólogo, ter a minha banda nova, que estou a curtir muito tocar com eles e a experiência está a ser completamente nova, a diversão que é estar no palco… Acho que todas essas cenas foram pequenas vitórias que fomos conseguindo ao longo do processo deste álbum e que depois o tornam esta celebração.

"Para ela [Sara Tavares] só tenho mesmo agradecimentos e, quem me dera, quando chegar a minha hora, deixar uma marca minimamente próxima da positividade e da energia boa que ela deixou."

Ainda estamos muito longe desse lugar utópico, onde a cor da pele é só uma característica como a cor do cabelo? Ou tem havido pequenas vitórias, progressos neste caminho?
Honestamente, não sei. Claro que tem havido vitórias, também há derrotas. Vamos descobrindo que há coisas que achávamos que estavam resolvidas e, afinal, ainda não… Mas a minha vontade é dar mais um pequeno empurrão nessa direção. E outros álbuns, outros discursos, outras ideias, outras pessoas, tudo isto junto, vai levar-nos a um bom porto. Eu sou esperançoso, nesse sentido. Acho que há sinais que apontam nessa direção. Quanto tempo é que vai demorar? Não sei. Mas olho para a minha geração e a quantidade de afrodescendentes que têm sucesso na música é incrível. Estamos a percorrer o caminho.

E neste caminho não podíamos deixar de falar da Sara Tavares, a primeira artista negra a ter o destaque que teve na música portuguesa, que deixou um legado e com quem colaborou no disco anterior.
Sim, a Sara tinha uma energia muito específica. Era mesmo uma pessoa inspiradora. Só a sua presença era inspiradora. Na maneira de ser, na simplicidade, na força dela. No estúdio, ela sabia super bem o que é que queria e o que não queria. E ao mesmo tempo havia muito espaço. “Sara, e se experimentássemos isto?” Nunca me senti constrangido de lhe dar uma ideia. Era contactares com uma pessoa que se conhecia muito bem e que de alguma forma conseguia transmitir e emanar essa confiança. Lembro-me de estar encravado, a escrever o meu verso do Também Sonhar e de ser a Sara a desbloquear-me. Foi uma pessoa muito especial, muito importante na minha vida, que também abençoou o You’re Forgiven. É a voz dela que abre o álbum e de alguma forma abençoou-o e à minha carreira. No fim das contas, na altura do lançamento deste álbum, trouxe um pesar à minha semana que me voltou a focar: o que é que interessa realmente? Obviamente um lançamento implica muitas coisas e, quando soubemos a notícia, tudo isso desapareceu. Para ela só tenho mesmo agradecimentos e, quem me dera, quando chegar a minha hora, deixar uma marca minimamente próxima da positividade e da energia boa que ela deixou.

 
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