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A Sala Portugal, criada para servir de sala do museu da Sociedade de Geografia de Lisboa
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A Sala Portugal, criada para servir de sala do museu da Sociedade de Geografia de Lisboa

Reinaldo Rodrigues/Global Imagens

A Sala Portugal, criada para servir de sala do museu da Sociedade de Geografia de Lisboa

Reinaldo Rodrigues/Global Imagens

Sociedade de Geografia de Lisboa tem 80 peças do Reino do Benim. Arquivo digital internacional diz que não consegue contactá-la

Sociedade de Geografia de Lisboa tem mais peças do que o londrino Horniman Museum and Gardens. Digital Benin quer integrá-las no seu arquivo, mas diz que não consegue contactar a instituição privada.

Em 1486, depois de várias viagens empreendidas por portugueses na costa ocidental africana, o explorador João de Paiva atracou no Benim, num local não muito distante do Castelo de S. Jorge da Mina, no atual Gana, mandado erigir em 1481 pelo rei português D. João II. A chegada ao Benim abriu novas possibilidades aos portugueses, que se apressaram a estabelecer contacto com o rei local. “E a captação do rei do Benim foi de tal forma feliz que em breve também veio a D. João II uma embaixada real”, escreveu o etnógrafo e arqueólogo português Luís Chaves, em 1946. Foi o início de uma prolífica relação diplomática e comercial, que durou até o continente africano se tornar num local especialmente apetecível para as grandes potências ocidentais, no século XIX.

O longo contacto dos portugueses com os beninenses ficou marcado na produção artística do reino e nos chamados Bronzes do Benim, objetos de grande qualidade artística que têm feito manchetes nos jornais por razões menos felizes: em 1897, na sequência da chamada “expedição punitiva” britânica, um alargado conjunto de esculturas reais em bronze e outros materiais foram roubados da residência real e das casas dos sacerdotes na capital, a Cidade do Benim, e dispersados por instituições museológicas na Europa e América do Norte. Depois de longos anos de campanha pela restituição dos Bronzes do Benim, vários museus, como o Smithsonian e o Rautenstrauch Joest, tomaram este ano a iniciativa de devolver as peças nas suas coleções à Nigéria, cujo território abarca o antigo Benim. Recentemente, o governo alemão devolveu 21 bronzes, que estavam em vários museus na Alemanha.

Paralelamente, foi lançada em novembro uma plataforma digital que pretende reunir informações sobre os objetos roubados e outros itens históricos de interesse, numa tentativa de disponibilizar o espólio desviado a investigadores e outros interessados em qualquer parte do mundo. O Digital Benin reúne atualmente dados referentes a 5.246 obras de arte, em 131 instituições em 20 países, 14 dos quais europeus. O British Museum, em Londres, é a instituição que, por razões histórias, tem a maior coleção de Bronzes do Benim (944), seguido pelo Ethnologisches Museum, em Berlim (518). Durante a fase de contacto com as diferentes instituições e recolha de informações, os investigadores do Digital Benin identificaram um bronze em Portugal, um sabre cerimonial em bronze (Ada), que foi transportado para a Europa na sequência do saque britânico de 1897. O objeto integra a coleção do Museu Nacional de Etnologia, que foi contactado para integrar o acervo digital a 20 de setembro de 2021.

Em agosto do mesmo ano, os investigadores do arquivo digital tentaram entrar em contacto com a Sociedade de Geografia de Lisboa (SGL), que tem no seu site informação relativa a um Bronze do Benim, uma cabeça comemorativa de um antigo rei (Oba) em latão, que foi oferecida à instituição no final do século XIX, por um etnólogo e explorador alemão. Fonte oficial do arquivo digital afirmou ao Observador que, além do contacto por email, procurou-se também falar com a SGL por telefone, mas sem sucesso. Por sua vez, a SGL, na figura da diretora e curadora do seu museu, garantiu ao Observador que o organismo nunca foi abordado pelo Digita Benin, que apenas disponibiliza os dados fornecidos de forma oficial pelas instituições contactadas e que, por isso, não tem qualquer informação acerca dos bronzes da Sociedade de Geografia de Lisboa, que terá uma coleção significativa com objetos de relevo.

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De acordo com uma lista publicada por Manuela Cantinho no livro O Museu Etnográfico da Sociedade de Geografia de Lisboa, a SGL tem cerca de 80 objetos provenientes do Reino do Benim. Em comparação, o Museu Nacional em Lagos, na Nigéria, tem 81 artefactos e o Horniman Museum and Gardens, em Londres, que anunciou recentemente que ia restituir os bronzes da sua coleção, 72, segundo os dados recolhidos pelo Digital Benin. A lista divulgada por Cantinho não fornece qualquer informação acerca das datas de produção das peças da SGL, mas praticamente todo o espólio do museu está datado do século XIX, quando a instituição abriu portas no contexto da chamada “corrida a África”. Se os objetos do Reino do Benim tiverem sido produzidos no mesmo período, isso significa que interessam ao Digital Benim e que são passíveis de o integrar.

Questionado pelo Observador a propósito de um artigo anterior sobre os critérios que orientam o projeto, fonte oficial do Digital Benim remeteu para a página sobre revisão e pesquisa de objetos, na qual se explica que o seu foco são os “objetos roubados pelas forças britânicas da Cidade do Benim em fevereiro de 1897”. Reconhecendo, contudo, “que esse corpus não está claramente definido, os parâmetros foram expandidos de modo a considerar quaisquer objetos relacionados com o reino que foram criados e/ou circularam entre o continente africano e a Europa ou a América do Norte entre 1897 até aos anos 30”. Foi por essa razão que o arquivo optou por não incluir os outros seis Bronzes do Benim que integram o espólio do Museu Nacional de Etnologia — são datáveis das décadas de 1930 e 1950 e foram produzidos exclusivamente para venda no mercado.

Apesar de os objetos criados pelos artesãos do Reino do Benim circularem em território europeu pelo menos desde o século XIV graças à relação comercial estabelecida com os portugueses, foi com a invasão britânica de 1897 que os chamados Bronzes do Benim — fabricados em bronze, mas também noutros materiais — se tornaram conhecidos e reconhecidos pela sua qualidade artística na Europa. A maioria dos artefactos roubados acabou em museus, sobretudo no Reino Unido e na Alemanha, que detêm ainda hoje grande parte do espólio desviado. A maioria dos artefactos chegaram a esses países por via direta, isto é, foram comprados aos seus detentores, entre os quais se incluíam membros da expedição e o Ministério dos Negócios Estrangeiros britânico, que vendeu 101 peças a instituições no Reino Unido e Alemanha e a compradores privados após a exposição no British Museum no outono de 1897, quando os Bronzes do Benim foram mostrados pela primeira vez ao público inglês.

Isso não terá acontecido com as peças atualmente em solo português. No caso dos objetos no Museu Nacional de Etnologia, estes foram compradas a comerciantes de arte ou doadas. O mesmo aconteceu com a Sociedade de Geografia de Lisboa, cuja coleção é maioritariamente composta por artefactos que foram oferecidos por membros, correspondentes ou colaboradores da instituição no final do século XIX e início do século XX. Isso explica-se pela forma como a SGL procurou reunir, logo após a sua criação, uma coleção interessante de objetos provenientes dos territórios portugueses ultramarinos ou que tivessem relação com a presença portuguesa no ultramar, mesmo antes da criação do seu museu.

O nascimento da Sociedade de Geografia de Lisboa e a “corrida a África”

A Sociedade de Geografia de Lisboa surgiu em meados do século XIX. Trata-se de “uma instituição [privada], nas suas origens e nas suas finalidades, muito ligada ao contexto português [da época], à situação da Europa desse tempo e ao que era o problema da nossa posição [portuguesa] no Ultramar e especialmente em África”, é referido o site do organismo. A SGL apareceu no contexto da chamada “corrida a África”, um movimento desenfreado de anexação de territórios africanos pelas grandes potências ocidentais, que, na sequência da Revolução Industrial, necessitavam de matérias-primas e novos mercados para escoamento de produção industrial.

A presença europeia e portuguesa em África data do século XV, mas limitava-se até então a alguns pontos litorais. Até ao século XIX, o interior do continente era praticamente desconhecido, o que motivou um interesse pela exploração do território. Foi nesse âmbito que começaram a surgir, nas grandes capitais europeias, sociedades de geografia, que pretendiam impulsionar o estudo e expedições de exploração científica em África, indo ao encontro dos interesses políticos e económicos dos respetivos países. As conclusões desses trabalhos foram amplamente divulgadas em publicações periódicas e também em livros, o que contribui para que o continente recebesse cada vez mais atenção.

A SGL foi fundada a 10 de novembro de 1875, depois de terem sido criadas instituições semelhantes em Paris, Berlim, Londres, Viena e Roma. Foi nessa data que um grupo de mais de 70 peticionários, entre os quais Luciano Cordeiro, António Enes, Eduardo Coelho, Manuel Joaquim Pinheiro Chagas, Marquês Sá da Bandeira e Teófilo Braga, solicitou ao rei D. Luís apoio para a criação de uma sociedade “destinada a promover e auxiliar o estudo e progresso das ciências geográficas e correlativas no país”. O grupo pretendia igualmente chamar a atenção para “a luz e a justiça da crítica moderna por mais este (…) tão necessário e tão interessante cultivo das ciências geográficas”.

Um busto de Luciano Cordeiro na Sociedade de Geografia de Lisboa. O historiador e escritor foi um dos fundadores da SGL em 1875

Reinaldo Rodrigues/Global Imagens

A missão ficou expressa logo nos primeiros estatutos, redigidos a 31 de dezembro: “Explorar cientificamente os diversos ramos, princípios, relações, descobertas e progressos da geografia”, divulgando a ciência, “essa grande luz que a todos nos alumia”. Para isso, a SGL propunha-se a organizar congressos, conferências, cursos, sessões, concursos e a corresponder-se com outras instituições científicas, promovendo o “convívio científico”. O grupo queria igualmente formar bibliotecas, arquivos e museus, o que se concretizou na criação da respetiva biblioteca e museu.

Outro interesse era o de impulsionar as explorações científicas, apontado pelo próprio rei D. Luís em 1878, quando se declarou protetor da SGL, destacando, em carta datada de 14 de novembro, o “louvável empenho com que se tem promovido os trabalhos indispensáveis para o desenvolvimento de estudos e explorações geográficas”. Apesar de a atuação da SGL não ser na sua génese direcionada exclusivamente para África, o grande interesse pelo continente africano em meados do século XIX levou a que, nos primeiros anos, fosse criada a Comissão Nacional de Exploração e Civilização de África, mais conhecida por Comissão de África. “A ação da sociedade foi determinante, promovendo expedições geográficas e contribuindo para a definição de uma política portuguesa em África”, pode ler-se na página do Instituto Camões dedicada à instituição privada, onde são destacadas as “descrições minuciosas” feitas pelos exploradores com ligação à SGL das “zonas percorridas, com a elaboração de mapas, fotografias e recolha de informação com interesse científico”.

Segundo o atual diretor da Sociedade de Geografia de Lisboa, Luís Aires-Barros, em 1876, foi votada uma proposta sobre a relevância de se empreender uma expedição “através do Sertão africano, de costa a costa”, lançando “o embrião das expedições de Serpa Pinto e de Roberto Ivens e Hermenegildo Capelo”, referiu num texto publicado em livro a propósito dos 140 anos da instituição. As expedições iniciais pretendiam fazer a exploração do Rio Cuango e das suas bacias hidrográficas, mas Pinto, seguindo as instruções de Luciano Cordeiro, procurou concretizar a travessia entre os territórios de Angola e Moçambique, mas sem sucesso, apontou o Instituto Camões. A ligação foi posteriormente realizada por Capelo e Ivens. A viagem dos dois exploradores culminou na publicação pela SGL de um mapa em que parte da África Central surgia dominada pelos portugueses e na abertura de uma subscrição pública para o estabelecimento de “estações civilizadoras” entre Angola e Moçambique e para auxiliar na exploração científica e agrícola da região.

Em 1880, A Comissão Central Permanente de Geografia, um organismo governamental afeto ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, criado após o surgimento da Sociedade de Geografia de Lisboa, foi integrado na SGL por decisão no Governo. Tinha como objetivo “organizar expedições cientificas, coligir exemplares e documentos” que interessavam “ao desenvolvimento e aperfeiçoamento da geografia, da história etnológica, da arqueologia, da antropologia e ciências naturais em relação ao território português, mormente das possessões do Ultramar, promover e auxiliar quaisquer trabalhos referentes a essas ciências e propor ao Governo, todas as providencias tendentes a tornar mais e melhor conhecidas aquelas vastas e importantes regiões”. A integração de um organismo oficial como a Comissão Central numa associação privada como a SGL permitiu a esta ter acesso a instalações, material e pessoal. “Quer isto dizer que a comissão passou a ser um organismo do Estado ao cuidado da Sociedade de Geografia, mantendo os poderes públicos e apoio financeiro que a comissão pudesse atual”, explicou Luís Aires-Barros no mesmo texto.

Na opinião de Fernando Castel-Branco Chaves, diretor da Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, “se a incorporação realça mais uma vez o relevante papel da SGL em todo esses esforços em que o país estava tão empenhado, também significa o intensificar da sua atuação e parece-nos que é a vitoria da estratégia preconizada pela própria sociedade. E, na verdade, todas as diligencias, todos esses trabalhos de exploração geográfica do continente africano são dum modo geral acompanhados, orientados, estimulados pela SGL. Basta percorrer a longa resenha das suas atividades no derradeiro quartel do século XIX para se verificar como a afirmação é corroborada”, afirmou o responsável no livro Tesouros da Sociedade de Geografia de Lisboa, destacando que é “evidente que esta atuação da SGL nesta conjuntura coloca-a numa posição singular e num plano de grande relevância na vida nacional”, que a participação da entidade na Conferência de Berlim evidencia.

A Sala Portugal, com alguns dos artefactos da coleção africana da Sociedade de Geografia de Lisboa

Reinaldo Rodrigues/Global Imagens

A Conferência de Berlim, um momento decisivo no processo de expansão europeu em África que serviu para definir em que moldes esse processo seria realizado, realizou-se entre 25 de novembro de 1884 e 26 de fevereiro de 1885. A SGL foi representada no evento por Luciano Cordeiro e João Capelo. Durante a conferência, foram discutidas seis questões consideradas fundamentais em relação à questão colonial: liberdade de comércio na bacia do Rio Congo e seus afluentes e neutralidade dos territórios na mesma região; navegação nos rios Congo e Níger; fim do comércio de escravos; condições a serem seguidas nas novas ocupações no continente africano; e mapeamento das ocupações efetuadas e consideradas efetivas, ou seja, com posse efetiva no terreno.

Essa última questão, salvaguardada pelo acordo final da Conferência de Berlim, impôs, segundo explicou o Instituto Camões, “o reconhecimento, por parte dos régulos indígenas, da soberania de uma potência europeia sobre os territórios tradicionalmente pertencentes a uma ou várias etnias, contra a validação dos direitos históricos reclamados por Portugal”, que saiu prejudicado do evento. Apesar de estar presente em África desde o século XV, o reino português ocupava de forma efetiva apenas alguns pontos ao longo da zona costeira. Em 1890, o Reino Unido impôs um ultimato a Portugal, exigindo a sua retirada dos territórios entre Angola e Moçambique e atirando definitivamente por terra as ambições portuguesas em África.

O Museu da Sociedade de Geografia de Lisboa e a coleção especial do Benim

O Museu da Sociedade de Geografia de Lisboa foi inaugurado em 1884. Com uma ênfase colonial e uma componente histórica e etnográfica, é atualmente composto pelas coleções privadas de diversas figuras de destaque da sociedade portuguesa do final do século XIX (como Henrique de Carvalho, explorador e antigo governador de Angola; e Cipriano Forjaz, governador de Macau e Timor-Leste entre 1891 e 1894) e por um conjunto de artefactos de diferentes grupos culturais africanos, com destaque para as coleções especiais do Egito e do Benim. O museu inclui ainda os padrões do navegador Diogo Cão, colocados ao longo da costa ocidental africana, uma estrela de uma antiga mesquita indiana transformada em lápide funerária, e a urna de Afonso de Albuquerque, segundo governador da Índia portuguesa.

A coleção ocupa quatro salas do segundo andar da Sociedade de Geografia na Rua das Portas de Santo Antão, na Baixa lisboeta. Os objetos de maior relevo estão expostos nas galerias da Sala de Portugal, projetada por José Luís Monteiro, responsável pelo projeto da Estação do Rossio, para receber o museu. A coleção africana costuma ocupar as duas galerias superiores, mas quem visitar hoje o espaço museológico não terá oportunidade de ver os sarcófagos egípcios ou as peças do Benim — estas foram retiradas para remodelação do espaço e, apesar de a SGL pretender restituí-las às galerias, tal ainda não aconteceu. Uma pequena amostra da coleção encontra-se exposta num dos cantos da sala. Esta inclui sobretudo peças de Angola e Moçambique e a cabeça do Oba que está no site da SGL.

Os artefactos que compõem o espólio do Museu da Sociedade de Geografia de Lisboa começaram a ser recolhidos quase uma década antes da sua abertura. Por altura da fundação da SGL, tinha sido aberto há relativamente pouco tempo em Lisboa um museu colonial estatal, que tinha sido alvo de uma reestruturação em 1876. Segundo explicou a investigadora Manuela Cantinho num texto sobre o museu da SGL nos finais do século XIX, publicado no volume dedicado aos “tesouros” da Sociedade de Geografia, a instituição “mantinha uma proximidade institucional” com o museu colonial “dada a ligação privilegiada que tinha com a Direção Geral do Ultramar e com a própria Secretaria de Estado”. O então ministro da Marinha e Ultramar, João de Andrade Corvo, era sócio da SGL e integrava a Comissão Central Permanente de Geografia com Luciano Cordeiro, o Visconde de S. Januário e José Júlio Rodrigues, entre outros. “Alguns membros dessa comissão nesse mesmo período mostraram-se interessados em formar um museu geográfico, pelo que se tornava inviável surgir em tão pouco espaço de tempo uma ideia concreta sobre uma terceira unidade museológica vocacionada para as colónias, tanto mais que as prioridades da Sociedade de Geografia eram certamente outras nessa fase inicial”, constatou Manuela Cantinho, atual diretora e curadora do museu.

Em 1877, a sociedade lançou a primeira subscrição nacional apelando ao envio de livros, documentos e comunicações para integrarem a biblioteca e arquivo e também de “objetos interessantes”. Em 1882, fez um novo pedido, desta vez com vista a recolher peças coloniais para serem exibidas na Exposição Mundial de 1883, que ia decorrer Amesterdão. Numa carta-circular enviada a 2 de dezembro para as colónias, a SGL solicitou às diferentes entidades e a instituições privadas, como a Sociedade Propagadora de Conhecimento Geográfico de Luanda, o “envio de remessas”. Pediu igualmente a uma companhia de navegação que fizesse o transporte das peças gratuitamente, ao que esta acedeu. “Toda a documentação relativa a sua historia [da SGL] assinalara mais tarde que a instituição, embora não possuísse um museu no sentido pleno do termo, iniciara a aquisição de coleções logo a seguir à sua criação, neste caso através de donativos”, afirmou Manuela Cantinho no mesmo texto.

Planta da peninsula de Macau. Sociedade de Geografia de Lisboa, 1889.

Uma planta da Península de Macau da Sociedade de Geografia de Lisboa

ullstein bild via Getty Images

Um primeiro conjunto de artefactos vindos de Nova Goa, na Índia, chegou a Lisboa em fevereiro de 1833, depois de a instituição privada ter insistido com os governadores coloniais para que se empenhassem na recolha de peças, um apelo que, segundo Manuela Cantinho, se terá repetido, “recorrendo a sociedade à sua rede de sócios correspondentes, delegados e secções e externas” e ao próprio Governo que, a 6 de março, fez expedir, através da Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar, uma circular em que pedia aos governadores que enviassem “as remessas de produtos já requeridos para a exposição de Amesterdão”. Estas deviam incluir “amostras, produtos naturais, produtos industriais, bem como quaisquer objetos de costumes, como armas, instrumentos, utensílios, que pudessem ‘tornar mais e melhor conhecidas as diversas regiões e povos, e o seu viver e situação social’”, especificou. A SGL tinha igualmente interesse em notícias e informações acerca das regiões e dos povos que as habitavam, nas “suas crenças, usos, aptidões, linguagem, vocabulário, contos, cantigas, etc.”. Para a investigadora, estes pedidos específicos mostram que “estava de algum modo delineada já uma ideia mais concreta de museu”.

Manuela Cantinho descreveu esta fase da história do Museu da Sociedade de Geografia de Lisboa como “fundamental para a constituição” das suas coleções, destacando “uma valorização crescente da componente etnográfica do acervo”. “A ideia de que o conhecimento do africano só seria possível através da via etnográfica encontra no seio desta instituição vários defensores, entre os quais se destacavam nomes como Francisco Adolfo Coelho, Luciano Cordeiro ou Vasconcelos Abreu”. Este interesse impulsionou a etnografia em Portugal, levando também à criação de um curso colonial.

Em 1892, com o encerramento do Museu Colonial de Lisboa, as suas coleções foram incorporadas no museu da SGL. Desde a década anterior que, segundo a investigadora, o museu se encontrava praticamente encerrado, o que impulsionou o desenvolvimento de um programa museológico colonial por parte da Sociedade de Geografia que, até 1900, continuou com a sua política de aquisição junto de responsáveis internacionais e também de missionários, comerciantes, exploradores e militares, reunindo um conjunto de artefactos variados que “traduzem de uma forma significativa a presença portuguesa em zonas tão diversas como Angola, Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, Timor e Macau”, refere o site da SGL.

No que diz respeito ao Benim, o Museu da Sociedade de Geografia de Lisboa tem atualmente na sua coleção cerca de 80 objetos oriundos do antigo reino africano, alguns dos quais em bronze. Entre os artefactos contam-se quatro cabeças de antigos Oba (um deles será o que se encontra no site da SGL, semelhantes a outros que foram roubados da Cidade do Benim em 1897), um galo e uma serpente em bronze, dois punhais (um deles com a respetiva bainha), uma espada e uma lança em latão. Segundo Manuela Cantinho, a coleção foi oferecida à SGL em 1899 pelo explorador e etnólogo alemão Max Shöeller, por intermédio do sócio correspondente em Viena, Dr. Paulistschke. Contudo, na nota sobre os Bronzes do Benim que acompanhou a oferta, o explorador só fez referência a oito peças que explicitou terem sido retiradas do Palácio Real e das habitações de sacerdotes (djoujoube) na Cidade de Benim durante o ataque britânico de 1897. Não é claro se o explorador estava apenas a referir-se aos artefactos que sabia com certeza terem sido trazidos para a Europa pelos britânicos ou se a sua oferta era composta por oito objetos. Tendo em conta a pouca clareza do texto, o Observador tentou obter um esclarecimento relativamente à proveniência das peças junto da Sociedade de Geografia, mas não obteve resposta. Tentou igualmente conseguir mais dados acerca da natureza da oferta, em relação à qual parece faltar um estudo desenvolvido, mas também nesse aspeto não foi possível conseguir esclarecimentos da parte da SGL.

Na mesma nota, o explorador alemão referiu que a maioria dos bronzes retirados do Benim pelos britânicos foram transportados para Inglaterra e Alemanha, onde integraram as coleções do British Museum, em Londres, e do Museum für Völkerkunde, em Dresden. “Apenas um número muito limitado ficara na posse de membros da expedição militar, de amadores e de colecionadores. Adquiri felizmente oito destes preciosos objetos, que tenho a honra de oferecer ao museu da Sociedade de Geografia de Lisboa”, afirmou. Embora não tenha dito explicitamente porque é que decidiu oferecer os bronzes, que admitiu terem um valor incalculável, o texto sugere que foi a ligação histórica entre o Reino do Benim e Portugal que o levou a tomar essa decisão.

“É evidente que os portugueses, desde 1470 e 1472, certamente desde 1486, e principalmente na segunda metade do século XVI (Afonso de Aveiro), exerceram grande influência sobre as populações do Benim, e que esta influência se estendeu também às artes de cultura material tão notória e magnificamente desenvolvida pelo que também respeita, por exemplo, à metalurgia da costa da Guiné”, afirmou na nota, publicada em português por Luís Chaves em 1946, por altura da realização do congresso comemorativo do quinto centenário da descoberta da Guiné, organizado pela SGL.

A biblioteca do Sociedade de Geografia de Lisboa

Reinaldo Rodrigues/Global Imagens

Numa comunicação proferida no mesmo congresso, o etnógrafo e arqueólogo lembrou que “todos os comentadores e noticiaristas da arte dos bronzes do Benim atribuem aos portugueses influência transformadora. E basta olhar para as figuras, para a decoração, tanto no que tem de comum com as formas tradicionais de muitos povos, como na feição especial, que só podia ser transmitida por um povo europeu, e nos elementos decorativos tirados de personagens, utensílios, armas usadas na Europa; basta reparar nelas com atenção, e ver-se-á que, sem deixarem de ser africanas, devem a graça dos movimentos, atitudes, expressões, decorativismo a sugestões que não são africanas”.

“Até 1536, nenhuma outra nacionalidade europeia devia e podia traficar com os indígenas do Benim, exceto por intermédio dos portugueses”, continuou Shöeller, destacando que “a concessão ou composição convencional dos bronzes (…) é exclusivamente portuguesa quanto à formação da cara de bronze, à cobertura da cabeça e do pescoço, bem assim quanto à maneira contemporânea de trabalhar o bronze entre 1500 e 1580. O caso merece a atenção dos metalurgistas portugueses. Convém especialmente investigar os traços nacionais do trabalho do bronze, segundo o processo antigo do país”. Chaves não sugeriu, à semelhança do etnólogo alemão, que a técnica que era utilizada pelos artesãos do Benim era europeia, mas sim que as peças deviam alguns dos seus traços ao contacto com os portugueses. Existem de facto inúmeros artefactos que representam os contactos comerciais estabelecidos na costa ocidental africana com comerciantes europeus, sobretudo portugueses, os primeiros a chegar ao reino dos Obas, em 1486, data em que o navegador João de Paiva atracou no Benim, nome que na altura era dado à costa africana que ia da Costa do Ouro ao Golfo da Guiné.

Na “nota histórica”, Max Shöeller destacou a qualidade artística dos Bronzes do Benim, “objetos de luxo destinados a ornar os aposentos reais e os santuários”, chamando a atenção para o galo em bronze da sua coleção, “seguramente um objeto de sacerdotes feiticeiros”. “Deve acrescentar-se que em parte alguma do continente africano se tem encontrado, até hoje, produtos metalúrgicos semelhantes a estes do Benim e de uma tal perfeição artística”, declarou, acrescentando que o preço que essas peças alcançavam no mercado europeu era “muito elevado” e que era “quase impossível adquiri-los, ainda mesmo oferecendo grande somas de dinheiro”. “Os museus públicos guardam cuidadosamente tais objetos de tão excecional valor”, o que ainda hoje acontece — apesar de várias instituições terem recentemente decidido restituir os Bronzes do Benim nas suas coleções, algumas, como o British Museum, continuam a não dar resposta aos pedidos do governo nigeriano e de ativistas internacionais. A posição oficial do organismo é a de que os Bronzes do Benim servem como “embaixadores” da cultura beninense quando expostos internacionalmente.

Como agradecimento pela generosa oferta, a SGL concedeu a Shöeller, “através do rei seu protetor, uma distinção honorífica pelos ‘preciosos monumentos’ que recebeu e que sabia serem muito disputados pelos museus europeus, atingindo no mercado uma elevada cotação mercantil e científica”, referiu Manuela Cantinho no livro O Museu Etnográfico da Sociedade de Geografia de Lisboa.

Apesar da fama dos “preciosos monumentos” oferecidos por Max Shöeller à SGL, estes e outros artefactos no Museu da Sociedade de Geografia de Lisboa encontram-se esquecidos. O espaço está aberto cinco dias por semana, de segunda a sexta-feira, e o bilhete custa cinco euros. Todos os visitantes podem contar com a amabilidade do assistente de sala, que está disponível para fornecer todas as informações necessárias. Porém, o número de visitantes é quase sempre baixo, menos quando o museu recebe visitas de estudo ou de grupo, o que nem sempre acontece. Nos melhores dias, entram dez pessoas na sede da SGL para visitar o museu. Na maioria dos dias, porém, a porta mantém-se fechada.

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