894kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

GettyImages-2152211114
i

Fabian Hürzeler treina o St. Pauli desde a temporada passada e é um dos obreiros do regresso à Bundesliga 13 anos depois

Getty Images

Fabian Hürzeler treina o St. Pauli desde a temporada passada e é um dos obreiros do regresso à Bundesliga 13 anos depois

Getty Images

St. Pauli, o clube que luta contra preconceito, racismo, homofobia e é contra o capitalismo (e nasceu de uma bebedeira)

Está de regresso à Bundesliga mas a história do clube de um bairro de Hamburgo é maior do que o que se passa no relvado. Afirmou-se contra os nazis, opôs-se ao capitalismo e representa as origens.

Hamburgo é sinónimo de futebol. Cidade que está há várias décadas no topo do futebol alemão, a histórica descida de divisão do Hamburgo, em 2018, tirou o brilho à cidade, atirando-a para o escalão secundário. Porém, seis anos depois, Hamburgo volta a ser cidade de Bundesliga, mas desta feita à escala de um bairro. O bairro de St. Pauli.

O St. Pauli garantiu na última semana a subida de divisão, depois de ter vencido, em casa, o Osnabrück por 3-1. As imagens do final dessa partida correram o mundo, com os adeptos a invadirem o relvado depois de o árbitro ter apitado para o término do encontro. A emoção e o grito que aquelas pessoas carregaram no peito durante os últimos 13 anos pôde, finalmente, sair para fora. Já este domingo, o St. Pauli pode carimbar o primeiro lugar e a conquista da Bundesliga 2, no jogo em casa do WehenWiesbaden.

Porém, a história deste clube centenário que nasceu num bairro de Hamburgo vai muito para lá de 2024 e está bastante acima do futebol. Mas vamos por partes. O FC St. Pauli começou como um departamento de futebol chamado Hamburgo-St. Pauli Turnverein 1862 e, reza a lenda, surgiu numa noite de bebedeira num bar da cidade. O St. Pauli como o conhecemos atualmente foi oficialmente fundado a 15 de maio de 1910, embora só tenha sido inscrito como clube independente em 1924. O seu registo no Tribunal Distrital de Hamburgo data de 25 de maio de 1925. Desde a sua origem que o clube utiliza o castanho e o branco como cores principais.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

As partidas oficiais começaram em 1909/10, na altura num campeonato equivalente à distrital de Hamburgo, que era composto pelas equipas secundárias dos clubes que se encontravam na primeira divisão. No jogo inaugural, diante do SC Germania, o St. Pauli venceu por 2-0, apesar de ter disponíveis apenas dez jogadores. Essa temporada ficou ainda marcada pelos primeiros jogos disputados fora da cidade de Hamburgo, que chegaram inclusivamente à Dinamarca. Começava, assim, o crescimento de um clube que tinha todas as condições para ser um grande.

Em termos desportivos, o St. Pauli foi conhecido na década de 40 do século passado como a “equipa milagres”, já que demorou a atingir o topo do futebol regional mas, quando lá chegou, estabeleceu-se como uma das melhores equipas do norte da Alemanha. Foi nessa altura que a rivalidade com o Hamburgo se intensificou. Em 1947, os piratas conquistaram o primeiro título da sua história, vencendo a Oberliga Hamburgo. Nesse ano a equipa recusou-se a participar no campeonato regional, perdendo simpatia no seio dos adeptos da cidade.

No final da temporada 1962/63 apareceu a Bundesliga, porém a Federação Alemã de Futebol (DFB) não permitiu que o St. Pauli participasse na nova primeira divisão do futebol alemão. Nessa época a equipa teve de regressar ao Campeonato regional do norte da Alemanha, que venceu logo no primeiro ano. Depois de 11 anos no futebol regional, os piratas conseguiram a ansiada chegada ao futebol profissional, atingindo a Bundesliga em 1977.

GettyImages-2152149423

As mensagens políticas estão muito presentes no seio do St. Pauli

Getty Images

Como seria de esperar de uma equipa inexperiente e com poucos anos de profissionalismo, os primeiros tempos não foram fáceis e, na primeira época, o St. Pauli terminou nos últimos lugares, acabando por descer de divisão. No ano seguinte, a DFB revogou a licença atribuída ao clube, que retornou à Oberliga Norte, nesta altura equivalente à Terceira Divisão alemã. Só em 2001 o St. Pauli conseguiu reerguer-se e voltou a disputar a Bundesliga.

Em 2000/01, o St. Pauli era o principal favorito a descer de divisão, mas, surpreendentemente, a equipa de Hamburgo conseguiu a tão procurada manutenção. Porém, como não podia deixar de ser, no ano seguinte chegou a tempestade. Com apenas quatro vitórias durante toda a época, os piratas regressaram à Segunda Divisão. O clube estava, de novo, em risco de perder a licença da DFB devido a problemas financeiros, mas conseguiu aguentar… por pouco tempo. A segunda despromoção consecutiva veio com 17 derrotas em 34 jornadas e a penúltima posição no final da Bundesliga 2.

O St. Pauli foi, de novo, forçado a reestruturar-se, e só em 2007 conseguiu regressar ao segundo escalão. Por lá permaneceram nas duas épocas seguinte, até que, em 2009/10, voltaram a aparecer na elite do futebol germânico. Ainda assim, a estadia foi curta. A temporada foi intermitente e terminou com o clube na última posição e a dizer adeus a Holger Stanislawski, técnico que estava ligado ao St. Pauli há 20 anos. Seguiram-se 13 longos anos na Segunda Divisão e, já em 2024, o tão aguardado regresso à Bundesliga, pela mão de Fabian Hürzeler que, com 31 anos, é o treinador mais jovem das divisões profissionais.

Quando comparado com o rival da cidade, o St. Pauli é visto como a equipa “secundária”, que está bastante longe do Hamburgo em tudo: títulos, recursos financeiros e massa associativa. O maior feito do clube foi a vitória, em 2001/02, contra o Bayern Munique, que, naquela época, tinha Oliver Kahn na baliza. Essa vitória acabou por ser representativa daquilo que se vive e sente no bairro de St. Pauli, já que, do outro lado, estava um clube rico, cheio de estrelas e com muitas vitórias. No fundo, tudo aquilo que o St. Pauli não almeja alcançar.

Essa vitória foi de tal maneira importante que levou o clube a fazer uma camisola comemorativa histórica, intitulada de “Weltpokalsiegerbesieger” (“vencedores contra o campeão do mundo”, em português), que continua à venda nas lojas oficiais do clube – diga-se de passagem que estas são vistas com maus olhos por uma falange dos adeptos, que considera que o marketing e a venda da marca do clube é um fenómeno capitalista e que não vai ao encontro da comunidade.

O clube de causas que usa a caveira como símbolo

Fora das quatro linhas e longe de ver a bola a rolar, o St. Pauli é um dos clubes mais populares da Alemanha, contabilizando, em março deste ano, 40 mil sócios, como indica o seu site. A história ioiô, marcada pelas constantes subidas e descidas de divisão, é certamente um fator importante que leva os adeptos a identificarem-se com o clube. Mas há muito para além disso.

Os piratas são um clube pautado pelas causas sociais e o combate às discriminações. Politicamente conotado como clube de esquerda desde muito cedo, o St. Pauli é um dos poucos clubes do mundo que tem uma posição pública contra o machismo, a homofobia e o racismo. O St. Pauli foi o primeiro clube a proibir manifestações de extrema-direita nos seus jogos e a expulsar adeptos de extrema-direita. A luta contra o preconceito está, inclusivamente, inscrita nos estatutos do clube.

Fundado, como já vimos, em 1910, o St. Pauli teve uma origem progressista, apresentando-se como uma fonte de resistência ao Partido Nazi alemão. Quando este chegou ao poder, exigiu que os atletas judeus fossem expulsos das equipas, medida que o clube não acatou e resistiu até ser obrigado a ceder, devido à ameaça de ter de fechar.

Foi durante a década de 80 do século passado que o “clube de culto” começou a ter verdadeiramente essa definição. Um grupo de adeptos conhecido como “black block” começou a juntar-se nas bancadas do Estádio Millerntor, depois de a cidade ter sido tomada pelas discussões em torno de terrenos que estavam ao abandono e eram ocupados por pessoas sem casa e trabalhadores. A partir daí, os adeptos lideraram um movimento que visava expulsar o fascismo de dentro da claque, proibindo a venda de bilhetes e a adesão de sócio a pessoas que tivessem ligações à extrema-direita.

O grupo de apoio ao clube foi crescendo paulatinamente e começou a “seduzir” subculturas alternativas, ganhando a reputação de clube agregador e inclusivo. O grupo procurou focar-se em problemas sociais e no ativismo político, não embarcando no aumento do fenómeno hooligan que estava a acontecer na Europa.

Um dos membros do grupo intitulava-se por “Doc Mabuse”, nome pelo qual era conhecido, e foi ele que expandiu a imagem da bandeira da caveira dos ossos em formato cruzado pelo estádio e pelo clube, num dia em que se deslocava para um jogo do St. Pauli e, deparando-se com uma bandeira com uma caveira, decidiu pagá-la e levá-la para o interior do estádio. A bandeira era, na altura, símbolo dos lavradores, estando ligada à tradição dos piratas. O símbolo pretendia passar a mensagem de “pobres contra ricos” e de “trabalhadores contra patrões”, conquistando a empatia e simpatia dos mais pobres e oprimidos. O símbolo demorou a ser reconhecido pela direção do St. Pauli mas, em 1989, o clube permitiu que os adeptos criassem uma loja de fãs independente, que viralizou rapidamente. Anos depois, o clube comprou a licença do símbolo e, a partir daí, ganhou a alcunha de piratas, tornando essa uma marca da sua história.

A imagem de marca é icónica, mas no bairro onde o clube prospera, as ideias são bem mais profundas. A bandeira com o símbolo pirata está contemplada na declaração de missão do clube que, em 2009, tornou-se no primeiro emblema alemão a adotar um conjunto de princípios orientadores, aprovando uma resolução na assembleia-geral que acontece todos os anos. Nestes princípios incluem-se a promoção dos interesses de sócios, funcionários, voluntários e simpatizantes, promovendo a tolerância, o respeito e a responsabilidade social.

GettyImages-2152154732

A imagem de marca do St. Pauli é a caveira

Getty Images

Essa é, também, uma das missivas da claque do St. Pauli. Ao observarmos um jogo dos piratas, o que mais salta à vista são as bandeiras utilizadas pelos adeptos, que vão desde Che Guevara, ao arco-íris do movimento LGBTQIA+, a mensagens contra o capitalismo e o período nazi. Para além disso, os jogadores entram em campo ao som de Hells Bells, dos AC/DC, e, aquando dos golos, escuta-se Song 2, dos Blur, bem ao estilo de um clube punk. Como parte dessa inclusão, o St. Pauli chegou a ter um presidente assumidamente homossexual durante oito anos. Caorny Littman esteve ligado à subida à Bundesliga em 2010.

Mais recentemente, o St. Pauli tornou-se no primeiro clube do mundo a tornar público o seu balanço para o bem comum, que é uma auditoria à responsabilidade social das empresas. Nesse relatório, os piratas obtiveram uma pontuação acima da média e apareceram a par de organizações pioneiras da sustentabilidade, como o Greenpeace e o Voelkel.

Nos principais projetos desenvolvidos pelo clubes estão a não inclusão de um patrocinador relacionado com apostas desportivas, a criação de diretrizes para a diversidade, a paridade de género no seu Conselho de Supervisão, a venda de produtos ecologicamente sustentáveis e produzidos de forma justa e a implementação de salsichas veganas e produzidas organicamente no seu estádio. Apesar de o seu futuro desportivo ser uma grande incerteza, o futuro do St. Pauli parece estar bem assegurado.

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça até artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.