A taxa de inflação mensal foi de 9% em agosto, o que denotou um abrandamento face aos 9,1% que tinha sido registado em julho. Uma décima que ainda é pouco para assumir que a escalada de preços já chegou ao seu pico. E há mesmo quem admita que pode ainda atingir em algum dos próximos meses os dois dígitos ou seja os 10%.
Quando às 9h30 da manhã o INE divulgou a estimativa rápida para a inflação de agosto o número levou a um momento de alívio. A evolução dos preços em agosto tinha atenuado face ao mês anterior. Os 9,1% de julho tinham sido o valor mais elevado desde dezembro de 1992, há 30 anos. E significavam um crescimento mês após mês desde setembro de 2021.
É, por isso, uma décima de esperança. Mas os economistas contactados pelo Observador não têm dúvidas em afirmar que uma décima é um valor muito ligeiro para se aferir que o abrandamento veio para ficar. Além de que este agosto pode estar influenciado, em termos homólogos, pela subida face a julho registada em 2021, o que normalmente não acontece.
“É uma décima, por isso, não tem muito significado”, atenta Pedro Braz Teixeira, diretor do Gabinete de Estudos do Fórum para a Competitividade, que realça que a pressão continua a existir até porque os preços da energia não têm dados sinais de tréguas, ainda que em agosto a subida nos produtos energéticos — a dois dígitos — tenha sido menor do que em julho. E isso influenciou o abrandamento de agosto. Os produtos energéticos subiram, em agosto, 24% quando em julho tinham escalado 31,18%.
Mas a evolução não foi igual em todos os segmentos. Se nos produtos energéticos mostrou abrandamento, nos produtos alimentares não transformados houve escalada de 13,2% em julho para 15,4% em agosto. O BPI diz que esta evolução “surpreendeu novamente em alta”.
Isto apesar de as cotações agrícolas, nos mercados internacionais, terem já, em agosto, recuperado para níveis pré-guerra. Não se esperava, ainda assim, que essa descida chegasse ao consumidor. O BPI realça isso mesmo: “apesar da cotação de diversas commodities alimentares se ter vindo a moderar, isto não se está a refletir nos preços ao consumidor”. Além da subida homóloga maior face a julho, também houve uma subida em cadeia dos produtos alimentares não transformados de 1,29%.
Preços dos cereais voltaram a níveis pré-guerra. Mas queda não vai chegar ao consumidor
Subida dos produtos energéticos abrandou mas pode ser sol de pouca dura
Os preços energéticos contabilizados para efeitos de inflação abrandaram em agosto. Se em julho a subida tinha sido de 31,18%, em agosto foi de 24%. Ainda assim dois dígitos não pequenos. Mas é também um abrandamento que não merece grandes aplausos, já que se antecipa que não dure muito tempo. Teve impacto no valor final da inflação e foi, em particular, motivado pelo facto de em agosto a cotação do brent ter ficado abaixo dos 100 dólares.
“O abrandamento da inflação em termos homólogos foi muito ligeiro, de apenas 0,1 ponto percentual, e os efeitos de base vão continuar a ser pouco favoráveis nos próximos dois a três meses”, salienta Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, olhando também para esta componente energética. “Em termos mensais, o número que mais interessa para aferir a tendência, a variação foi negativa de -0,3%, a beneficiar da queda dos preços do produtos energéticos de 4,93% em agosto”. Paulo Rosa acrescenta um “mas”: “a aproximação do inverno e a crise energética na Europa, nomeadamente do gás natural, poderá reverter novamente esta tendência”.
Numa nota sobre a inflação o BPI diz que esperava “uma variação em cadeia negativa da inflação (seguindo a sazonalidade habitual), que se verificou (-0,28%) em termos muito mais moderados”, já que o BPI previa para uma queda mensal de -0,63%.
O que se vai passar na energia é, aliás, expresso nas reflexões de todos os economistas. Braz Teixeira lembra também a escalada nos preços do gás que deverá continuar com os cortes da Rússia à Europa.
E é este o ponto em particular que leva a que ninguém se atreva a acreditar que este abrandamento veio para ficar. Aliás, para analisar tendências há que ver um outro indicador, divulgado pelo INE na estimativa rápida da inflação de agosto. É a chamada inflação subjacente.
O que é isso da inflação subjacente e porque é importante?
A inflação subjacente é uma medida que não considera os valores para os produtos energéticos e para os produtos alimentares não transformados. São retirados estes elementos devido à elevada volatilidade que registam, em particular devido a choques externos. E sem esses dois fatores verifica-se que o valor em vez de abrandar, como o índice geral, aumentou. A inflação subjacente é um indicador mais persistente de tendência e pode demonstrar algum alastramento generalizado da subida dos preços.
A inflação subjacente homóloga foi em agosto de 6,52%, quando em julho tinha sido de 6,24%. Está ao nível mais alto de março de 1994. Já a mensal foi de 0,06%, em sinal contrário à descida de 0,33% de julho.
“Mais importante nesta conjuntura é a inflação subjacente que subiu”, realça Braz Teixeira, sendo corroborado pelos restantes economistas. “Ainda me parece cedo para falar em abrandamento até porque a inflação subjacente tornou a aumentar”, salienta João Borges de Assunção, responsável pelo núcleo de estudos de economia da Católica.
Estes dados do INE ainda são preliminares. O apuramento da taxa final só será divulgado a 12 de setembro, altura em que se poderá dissecar melhor os indicadores. Ainda assim, Borges de Assunção acredita que “continua a ser possível que nalgum mês a inflação ultrapasse os 10%, como tem acontecido noutros países da zona euro”.
Essa perspetiva para o resto do ano é igualmente realçada pelo BPI, diz ao Observador Paula Gonçalves, economista-chefe do banco: “Tendo em conta as atuais tensões e a incerteza nos mercados de energia parece-nos que a inflação se deverá manter pressionada em alta até aos primeiros meses de 2023”, pelo que “só então poderá ser mais evidente uma clara tendência de descida, caso os bens energéticos pelo menos estabilizem”.
Para já, o BPI vai dizendo que “o dado do aumento significativo da inflação subjacente, de natureza mais persistente, conjugado com a expectativa de aumento de preços da energia (eletricidade e gás) já anunciada por vários comercializadores ainda neste ano, poderá implicar a revisão em alta da previsão para a inflação média anual de 2022 (7,1%)”.