As subvenções vitalícias atribuídas a políticos vão custar 7,17 milhões de euros em 2019, apenas menos 90 mil euros do que o orçamento para 2018 (7,26 milhões de euros). A lista continua escondida, depois do Governo a ter retirado, dando como justificação a entrada em vigor do novo Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD), em maio de 2018. Há menos de um mês, a 18 setembro, o próprio grupo parlamentar do PS apresentou uma proposta para que a lista volte a ser pública, mas é uma iniciativa que ainda aguarda aprovação. Houve críticas, até de BE e PCP, devido à pressa em retirar a lista — que era pública desde 2016 — uma vez que as instituições públicas estão isentas de coimas durante três anos após a aprovação do novo RGPD e nem sequer é consensual entre os especialistas que a lista não pudesse continuar a ser pública e atualizada.
Nos últimos 12 anos, as subvenções vitalícias custaram cerca de 90 milhões de euros aos cofres do Estado. Nos orçamentos para 2014 e 2015, que eram restritivos, o Governo de Passos Coelho impôs que houvesse um corte destas subvenções: em 2014, para todos, em 2015 para quem tivesse um vencimento mensal médio acima de dois mil euros. Conclusão: nesses dois anos, as subvenções só custaram 700 mil euros por cada ano. Mas o Tribunal Constitucional — cujos juízes jubilados também fazem parte da lista — acabou por considerar a medida inconstitucional e os políticos (e os juízes) receberam os valores com retroativos. Na sequência desse pagamento, em 2016 o gasto com subvenções foi 12,4 milhões de euros.
As subvenções vitalícias foram criadas durante o Governo de Bloco Central em 1985 e o Governo de José Sócrates, em 2005, acabou com esta retribuição aos políticos. Porém, todos os que já tinham as condições necessárias para fazer o pedido de subvenção até essa data, puderam fazê-lo nos anos que se seguiram. E ainda podem fazê-lo atualmente. Não se sabe quanto a lista pode ainda crescer.
Os nomes e os valores da lista escondida
Olhando para a última lista conhecida, que data de junho de 2017, existem, pelo menos 318 pessoas a quem foi atribuída a subvenção vitalícia. Dessa lista, analisada pelo Observador, só dois terços dos beneficiários usufruem efetivamente da subvenção. Há 189 que recebem a totalidade valor que lhes foi atribuído, 17 que recebem apenas parcialmente (por força da lei), 108 que não recebem devido a imposição legal e um (Marques Mendes, 3148, 39 euros mensais) que tem a subvenção suspensa “a pedido do próprio”. Da contagem total, o Observador excluiu quatro políticos que entretanto morreram.
A subvenção mais elevada foi atribuída em abril de 2000 ao antigo governador de Macau, o general Vasco Rocha Vieira, que tem direito a um valor mensal 13. 607, 21 euros, embora — na última vez que a lista foi tornada pública — o general só estivesse a receber parcialmente esse valor por imposição legal. O seu antecessor, Carlos Melancia — também antigo ministro do PS e que chegou a ser acusado de corrupção passiva (e mais tarde ilibado) no “caso do fax de Macau” — tem a segunda mais alta subvenção: 9727,42 euros mensais, que recebe desde julho de 1998.
A lista inclui também antigos políticos acusados ou até condenados em processos de corrupção, mas não os impediu de continuarem a receber esta subvenção pelo desempenho de cargos políticos, como demonstra a lista de agosto de 2016. O antigo líder parlamentar do PSD, Domingos Duarte Lima, que foi condenado a 10 anos de prisão no caso Homeland, recebe 2.289,10 euros mensais desde 22 de janeiro de 2010, de acordo com a última lista conhecida.
O antigo ministro socialista Armando Vara também já foi condenado a cinco anos de prisão efetiva no processo Face Oculta e, na última lista tornada pública, recebia uma parte da retribuição mensal que lhe foi atribuída: 2.014,15 euros, desde 23 de abril de 2003.
Também o antigo primeiro-ministro José Sócrates, acusado de corrupção na sequência da Operação Marquês, recebe 2372, 05 euros desde 9 de junho de 2016. Antes, Sócrates fazia até gala de nunca ter pedido a subvenção (em 2005, chamou-lhe “privilégio injustificado”), mas acabou por pedi-la depois de se ver envolvido no processo judicial e admitir dificuldades financeiras. Em 2016, o antigo presidente da Câmara Municipal de Tavira, Macário Correia (PSD), também foi condenado a quatro anos e meio de prisão com pena suspensa por prevaricação. Da subvenção vitalícia, que pediu em 2012, recebe 1319, 81 euros mensais.
Há vários políticos que já podiam ter pedido a subvenção, mas não o fizeram. São os casos, por exemplo, do primeiro-ministro António Costa ou do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa — ainda podem fazê-lo no futuro. O antigo Presidente da República, Cavaco Silva, também renunciou à subvenção. Mas há casos de políticos, que estão em funções ainda, mas pediram a subvenção. Ou porque já tinham saído antes da política e depois voltaram, ou por antecipação para um dia quando abandonarem a política.
Rio, César e Jerónimo pediram, mas nunca receberam
O líder parlamentar e presidente do PS, Carlos César (2.440,37 euros), o presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues (2.635, 62 euros), o líder do PCP, Jerónimo de Sousa (2.282, 70 euros), o deputado e ex-ministro do PS, Jorge Lacão (2.635, 62 euros), o atual ministro da agricultura, Capoulas Santos (2.635, 62 euros), o ex-deputado e vice-presidente do PSD, Castro Almeida (1379, 59 euros) e a atual deputada do PS – que já foi deputada do PSD -, Helena Roseta (2819, 88 euros) são alguns dos exemplos de políticos que desempenham cargos políticos ou partidários atualmente, mas já há muito pediram a subvenção. No entanto, segundo a última lista conhecida, nenhum deles recebe sequer um cêntimo desta subvenção: têm “redução total” por “imposição legal”. Na mesma situação está o atual líder do PSD, Rui Rio, a quem foi atribuída uma subvenção vitalícia de 1.379, 59 euros a 23 de março de 2007.
Há ainda casos, como o atual presidente da câmara municipal da Guarda e dirigente do PSD, Álvaro Amaro, que tem uma subvenção de 2317, 71 euros, com “redução parcial” também por “imposição legal”. Há dois anos, quando a primeira lista foi divulgada, o atual secretário-geral da ONU, António Guterres, recebia parcialmente a subvenção. A lista não especificava quanto era o valor exatamente, mas indicava que o antigo primeiro-ministro português recebia uma parte dos 4.138,77 euros que lhe foram atribuídos a 9 de abril de 2002.
Muitos dos deputados e ministros dos tempos do cavaquismo e do barrosismo pediram a subvenção, embora não a recebam. É o caso da antiga ministra da saúde, Leonor Beleza (2.566, 09 euros), do antigo líder parlamentar do PSD, José Pacheco Pereira (2207, 34 euros), da antiga ministra da Educação de Cavaco e das Finanças de Barroso, Manuela Ferreira Leite (2759,18 euros), do antigo ministro da Administração Interna, Dias Loureiro (1571, 03 euros), ou da antiga ministra do Ambiente e dos Negócios Estrangeiros, Teresa Patrício Gouveia (2.621, 22 euros). O antigo primeiro-ministro Pedro Santana Lopes também tem um valor atribuído (1.299,40 euros), mas não o recebe.
O PSD é o partido mais representado nas subvenções. Mais de metade (174, o que correponde a 55% do total) das 318 subvenções da última lista conhecida são antigos deputados, deputados regionais dos Açores ou antigos ministros do PSD. Segue-se o PS com 93. O PCP com 19. (além do líder Jerónimo, que não recebe nada por ainda ser deputado, há nomes conhecidos como Odete Santos, que recebe 2905,11 euros, ou Zita Seabra, que mais tarde foi deputada do PSD e recebe 1342, 76 euros). O CDS apenas tem 14, onde se inclui, por exemplo, o histórico Adriano Moreira que tem atribuída uma subvenção de 2685,53 euros, mas também não a recebe.
A lista será divulgada em breve?
A lista nunca foi conhecida, embora fossem sendo divulgadas em Diário da República e no site da Caixa Geral de Aposentações as várias pensões atribuídas que eram pagas através da CGA. Ou seja: quando um político se reformava, era possível ver qual o valor em pensões que iria receber (que incluía a soma das subvenções vitalícias e outras pensões de cargos públicos).
A 24 de maio de 2016, após um pedido de um jornalista, a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) emitiu um parecer a defender a “disponibilização da lista dos beneficiários de Subvenções Mensais Vitalícias” em nome do “cumprimento de dever de transparência do Estado”. Assim, a 12 de agosto desse ano, a CGA publicaria pela primeira vez no seu site a lista. Mas já em 2018, depois do novo Regulamento da Proteção de Dados, a lista foi retirada. No lugar onde aparecia a lista aparece apenas um parágrafo com uma curta justificação, onde se lê que a divulgação “será retomada com a entrada em vigor de legislação específica que o preveja expressamente”.
O Jornal de Negócios noticiou em agosto a retirada da lista e ouviu três especialistas que defenderam que a nova lei não justificava essa decisão. Além disso, o Estado goza de três anos de isenção de coimas no cumprimento desta norma. Ou seja: em nome da transparência podia ter mantido a lista.
O Governo escudou-se na lei, mas a própria bancada do PS apresentou uma proposta, a 18 de setembro, para que a lista volte a ser publicada. A proposta tem sido discutida na Comissão Eventual para o Reforço de Transparência no Exercício de Funções Públicas e tem como objetivo “esclarecer de forma inequívoca que, ao abrigo do princípio da transparência e da administração aberta, deve ter lugar a divulgação de lista dos beneficiários das subvenções mensais vitalícias”. Em declarações à Lusa, o deputado socialista que é o coordenador do Grupo Parlamentar na Comissão da Transparência, Pedro Delgado Alves, explicou que esta seria a “forma mais célere” de voltar a publicar a lista e revelou que existe um “largo consenso” quanto à publicação.
Juízes do TC também estão na lista, Madeira e ex-presidentes de fora
De fora desta lista de subvenções (e desta dotação) estão as dos ex-Presidentes da República (que são pagas pela Presidência) e dos ex-titulares de cargos políticos da Região Autónoma da Madeira (que, ao contrário dos Açores, são pagas pelo Governo Regional da Madeira). Aliás, na última lista conhecida, 57 dos 318 beneficiários foram deputados regionais ou secretários regionais na Região Autónoma dos Açores. A lista não tem, no entanto, só políticos. Tem também, embora num número reduzido, as subvenções vitalícias de juízes do Tribunal Constitucional.
Segundo a lei, o exercício de quaisquer funções políticas ou públicas remuneradas determina a suspensão do pagamento
da subvenção mensal vitalícia durante todo o período em que durar aquele exercício de funções, o mesmo acontece quando há um exercício de atividade privada, incluindo de natureza liberal, remunerada com valor médio mensal igual
ou superior a três vezes o indexante dos apoios sociais (€ 419,22 x 3 = 1 257,66) determina a redução do valor da subvenção mensal vitalícia na parte excedente àquele montante (€ 1257,66) e até ao limite do valor da subvenção.