Texto e fotos dos enviados do Observador à Ucrânia, Carlos Diogo Santos e João Porfírio
“Não podem fotografar a coluna e têm de se afastar”. Às 12h20, o grito da militar que estava à beira de uma das estradas que liga a parte oeste de Kiev ao norte de Irpin, junto a Stoyanka, parecia um ralhete a antecipar qualquer investida para fotografar os tanques russos totalmente destruídos que ainda estão em fila na berma, ainda que muito espaçados uns dos outros. Mas não era. Aproximava-se a comitiva do primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, e da primeira-ministra da Dinamarca, que visitaram a capital ucraniana esta quinta-feira. Carros, carrinhas da polícia e ambulâncias passaram a alta velocidade e pararam poucos metros depois da militar, do outro lado da estrada, onde estavam ainda mais homens fardados, a maioria deles elementos da defesa territorial.
O cenário que os dois líderes tinham pela frente foi o que restou após os confrontos: à volta dos tanques estavam as latas de conserva dos militares russos, botas, garrafas de vodka, algumas ainda com bebida, uma delas de marca ucraniana (provavelmente conseguida durante as pilhagens), pequenos utensílios metálicos que os inimigos usam para cozinhar alimentos com álcool, trincheiras individuais. E os próprios cadáveres dos soldados russos. Carbonizados.
Saem líderes, chega equipa de remoção de corpos
A paragem foi curta. E, ainda que não se saiba ao certo o que motivou a visita àquele local específico, Valériy Oleksandrovich, coronel das Forças de Defesa Territorial, encontra uma explicação: dar uma imagem real do que está a ser a guerra. Ao Observador, afirma que “provavelmente o objetivo foi mostrar aos líderes mundiais o que ali aconteceu, para que não tenham apenas uma visão do geral. Para verem de perto o que aconteceu aqui, como as coisas estão”.
Na estreita estrada — com uma faixa para cada sentido ladeada de árvores que escondem casas bombardeadas — tudo parecia estar sincronizado ao início desta tarde. Assim que a comitiva deixou o local a alta velocidade, e com o mesmo aparato da chegada, encostou na berma contrária uma carrinha da equipa responsável pela recolha de cadáveres.
Os elementos, também eles militares, vestidos com camuflado e luvas brancas calçadas, entraram em pelo menos dois tanques para retirar cadáveres de soldados russos, que ali estariam desde o dia em que os confrontos ditaram o fim da coluna militar — as forças ucranianas terão usado drones, além de mísseis anti-tanque Javelin, que atingem os veículos na parte superior.
No local, um outro elemento das forças de Defesa Territorial, que preferiu não ser identificado, explicou ainda ao Observador que nem sempre as perícias que são feitas após a recolha permitem a identificação dos corpos, sobretudo quando os cadáveres estão nas condições em que estes foram encontrados. A análise do cenário é, no entanto, muito relevante, até porque este foi um local onde os russos ficaram por um período alargado.
Novo ataque? “Temos de estar preparados”
Arranhando o inglês, Oleksandrovich foi o único entre os elementos da Defesa Territorial que aceitou falar. Este coronel explicou ao Observador que a sua presença ali nada tinha a ver com a visita dos chefes de governo estrangeiros, prendendo-se apenas com a missão que lhe foi conferida: preparar uma defesa futura da região. Sem querer dar muitos detalhes sobre o que será feito nessa preparação ou qual o risco de uma coluna de tanques como esta poder vir a tentar de novo entrar naquela estrada, rematou: “É preciso organizar tudo para uma possível nova tentativa, temos de preparar este território para responder melhor”.
– Mas acredita mesmo que os russos possam voltar?
– Temos de estar preparados.
Oleksandrovich veio de Lviv para ajudar a organizar aqui a estratégia defensiva ucraniana — “vim eu e um oficial, chegámos ontem para organizar esta missão”. A importância desta estrada, esclarece, é o facto de, “dadas as suas características, por ela poderem passar veículos como tanques”. “É preciso agir”, remata.
Sánchez em Borodyanka, onde os russos acabaram com uma cidade
Em Borodyanka, uma pequena cidade a noroeste de Kiev, um quarteirão de torres de habitação bombardeado — onde há duas semanas as autoridades ucranianas anunciaram ter encontrado dezenas de corpos — continua a ser uma das marcas mais visíveis da destruição deixada na região após a saída das tropas russas. Quando, na altura, anunciou terem sido encontrados 26 cadáveres nos escombros de dois prédios, a procuradora-geral ucraniana, Iryna Venediktova, considerou-a “a cidade mais destruída da região”.
Mas agora, Olena (nome fictício), que passeava na tarde desta quinta-feira no jardim em frente a alguns destes edifícios, lembra que essa contabilização foi apenas a ponta do iceberg: “Só neste prédio viviam 70 pessoas, morreram quase todas, fugiram para a cave, mas está a ver como aquilo ficou, não está?”. Olena, na casa dos 70 anos, nem era para estar ali, se desse ouvidos ao seu filho, mas já não consegue ficar em casa — onde vive desde sempre. “Não saio de Borodyanka, porque, se for para morrer, que morra aqui. E quero ver com os meus olhos o que aconteceu”. Também não chora quando olha para aquilo que é hoje a sua cidade, diz ao Observador, até porque “as lágrimas não resolvem nada”.
Pedro Sánchez e Mette Frederiksen não levarão apenas a imagem da estrada com tanques destruídos, levarão também a de como Borodyanka ficou reduzida a cinzas, destruição e pânico. Da vista a que Olena ainda se está a habituar, das pilhagens a lojas e casas contadas a cada esquina.
Conmovido al comprobar en las calles de Borodyanka el horror y las atrocidades de la guerra de Putin.
No dejaremos solo al pueblo ucraniano. pic.twitter.com/OfEIa9oOTC
— Pedro Sánchez (@sanchezcastejon) April 21, 2022
No fim da visita, o primeiro-ministro espanhol partilhou isso mesmo no seu Twitter. Na publicação afirma ter ficado “comovido ao confirmar nas ruas de Borodyanka o horror e as atrocidades da guerra de Putin”.