O envelhecimento dos pais é o derradeiro corte com a infância. É inevitável e gradual, embora seja muitas vezes recebido num repente, quando uma queda violenta e/ou a perda de memória abalam uma família. Envelhecer faz parte do percurso natural da vida, mas este é um fenómeno vítima de um paradoxo curioso: nunca vivemos até tão tarde — e fazemos vários esforços nesse sentido — e nunca tememos tanto a velhice, que a sociedade atual, focada na juventude e na beleza, tende a tratar como uma doença.
Estas são algumas das ideias que surgem nesta entrevista a Maria José da Silveira Núncio, doutorada em Sociologia, professora universitária, mediadora familiar e coautora do livro recentemente lançado “Os meus pais estão a envelhecer” (Ideias de Ler, da Porto Editora). Num livro escrito essencialmente para um público feminino e dirigido às famílias, as novas e já formadas, Maria José Núncio procura “normalizar” algumas situações e encarar de frente o elefante na sala: ver as figuras de referência e de proteção enfraquecer nunca é fácil, mas também é algo que deva ser desvalorizado.
“É sempre doloroso quando percebemos que aqueles que eram os nossos referenciais de proteção e de segurança precisam, de repente, de ser protegidos. E temos de ser nós a dar-lhes essa segurança. Isto não é fácil de aceitar. O envelhecimento dos pais é uma realidade mais difícil de aceitar pelos filhos do que pelos pais. Os pais aceitam que estão a envelhecer, que há todo um percurso de vida, que isto é normal. Para os filhos… às vezes até caímos no erro de desvalorizar determinados sinais.”
Na introdução e ao longo do livro refere-se a uma leitora e não a um leitor. É propositado?
Foi uma decisão propositada e conjunta, minha e da editora, porque começámos a perceber que iríamos ter de pôr “leitor/leitora”, o que em termos de leitura não resultava tão bem. Depois, porque lidamos fundamentalmente com mulheres que assumem as responsabilidades de cuidar, tanto nos cuidados na infância como nos cuidados para com os mais velhos. Foi uma opção. Não tem a ver com o dever ser, mas com aquilo que de facto é. Acreditamos que o público deste livro é muito mais feminino do que masculino, o que não quer dizer que isto não envolva toda a família.
Há números que comprovam que o principal cuidador é, nesta fase em particular, a mulher?
Não sei de cor as estatísticas, evidentemente, mas todas elas provam que sim. Efetivamente, continua a haver uma maior responsabilidade feminina em Portugal em tudo o que diz respeito às tarefas familiares e domésticas, nas quis se incluem estas [cuidar dos pais envelhecidos]. Tendo em conta a construção de um percurso profissional, se este tiver de ser interrompido para prestação de cuidados, é interrompido pelas mulheres.
Mas a mensagem é para todos?
Este livro dirige-se a quem já está numa situação de cuidador informal de pais em processo de envelhecimento e a quem está na iminência disso. De facto assistimos a uma expressão já muito trabalhada, a “geração sanduíche”. Atualmente, estamos a viver uma combinação de fenómenos demográficos. Assistimos ao aumento da esperança média de vida, ou seja, hoje temos pessoas cada vez mais velhas — os nossos pais vão viver, felizmente, até mais tarde. Isso implica a perda progressiva de uma série de faculdades e de capacidades, bem como o acréscimo de dependência causada pela perda de autonomia. Ao mesmo tempo que precisamos de prestar cuidados a pais que vão viver cada vez mais tempo, por efeito de uma série de mudanças, começamos a ser pais cada vez mais tarde. Porquê falar em geração “sanduíche”? Porque nós realmente temos uma geração de adultos que tem de prestar cuidados nestes dois sentidos.
Como acha que as gerações mais novas encaram a eventual responsabilidade de cuidar dos mais velhos, sobretudo tendo em conta o fenómeno da “adolescência tardia”?
A questão da “adolescência tardia” vai exatamente repercutir-se naquilo que estava a falar, ou seja, vemos que as pessoas saem cada vez mais tarde de casa dos pais e constroem projetos de vida, de conjugalidade, sejam formais ou informais, e de parentalidade, também cada vez mais tarde. Provavelmente, esta geração vai ter filhos no final da infância ou da adolescência ao mesmo tempo que terá pais a perder progressivamente a autonomia. Acredito que isto vai ser vivido com muito mais premência, de uma maneira muito aguda e muito forte. Passamos de ser responsáveis por nós próprios, para ter responsabilidades para com os nossos filhos e, ao mesmo tempo, para com os nossos pais. Isto é uma questão do ponto de vista social que se vai colocar, que é tanto mais grave se olharmos à volta e percebermos que, em Portugal, isto é um deserto do ponto de vista de respostas. Temos ainda outro fenómeno no qual é importante pensar: temos gerações mais velhas em que cada vez mais se encontram pessoas sós, porque quem fez o boom do divórcio encontra-se, neste momento, envelhecido e muitos não refizeram as suas vidas, não encontraram novos companheiros. Isso é um fator de preocupação acrescida.
A nível emocional, a “geração sanduíche” está perante uma rutura grande?
Está. Assumir o envelhecimento dos nossos pais implica o corte com a infância. E isso nunca é fácil. Habituámo-nos a pensar nos pais como as figuras que estão ali para nos proteger e custa-nos muito pensar que, eventualmente, estas figuras protetoras, estes quase super-heróis, vão enfraquecer. Há aqui uma espécie de dissonância. Ainda por cima se temos esta geração que chega à fase adulta cada vez mais tarde — ela está obviamente menos preparada para lidar com isto porque passou muito tempo sob a dependência dos pais, passou muito tempo a precisar dos seus cuidados. Vai ser extremamente doloroso. É sempre doloroso quando percebemos que aqueles que eram os nossos referenciais de proteção e de segurança precisam, de repente, de ser protegidos. E temos de ser nós a dar-lhes essa segurança. Isto não é fácil de aceitar. O que me fui apercebendo, aquando da construção do livro, é que o envelhecimento dos pais é uma realidade mais difícil de aceitar por parte dos filhos do que pelos pais. Os pais aceitam que estão a envelhecer, que há todo um percurso de vida, que isto é normal. Para os filhos… às vezes até caímos no erro de desvalorizar determinados sinais.
No livro escreve que esta necessidade de cuidar dos pais se instala gradualmente, mas muitas vezes é preciso um susto para nos apercebermos disso…
Há, de facto, sinais. Na maior parte dos casos isto é um processo gradual — aliás, o envelhecimento é um processo gradual, a partir do momento em que nascemos já estamos a envelhecer. Depois, torna-se mais rápido em determinadas fases da nossa vida e há sinais, pequenos sinais: quando as pessoas começam a ter problemas ao nível do equilíbrio, quando as quedas começam a ser mais frequentes e os esquecimentos mais comuns, ou quando as pessoas começam a ter comportamentos diferentes relativamente ao dinheiro (pessoas que eram muito contidas começam a gastar muito, sendo que o contrário também acontece). Muitas vezes somos capazes de perceber isto nos outros, mas custa-nos muito aceitar isto nos nossos pais, pelo que tendemos a desvalorizar. Vamos desvalorizando e arranjando pretextos, que não são para os nossos pais, mas sim para nós próprios.
Entramos numa espécie de fase de negação?
Exatamente, tem a ver com isso. Embora isto seja um processo gradual, se tivermos a capacidade de estar atentos e de discutir um conjunto de eventualidades em família, e com os nossos pais, tal evita que a necessidade de cuidar se instale de repente (porque a pessoa deu uma queda, ficou incapacitada ou porque teve um AVC). Caso contrário é difícil, porque aí somos apanhados totalmente de surpresa e não ponderámos o que é que podíamos fazer enquanto família. E não ponderámos uma coisa importantíssima, que é aquilo que os nossos pais gostariam que acontecesse perante uma situação de necessidade. Porque isto está rodeado de uma série de mitos: é a ideia de que jamais vamos pôr os nossos pais num lar ou que eles vão viver connosco, ou ainda que vão ter uma pessoa a acompanhá-los 24 horas por dia. E quantas vezes perguntámos aos nossos pais se é isto o que eles realmente querem?
O que está em causa é a aceitação, isto é, a geração dos filhos precisa de aceitar o envelhecimento dos pais para o bem-estar destes?
Exatamente, é isso mesmo, para o bem-estar atual e futuro dos próprios pais. Porquê? Porque se os nossos pais também perceberem que estamos em “negação”, eles próprios vão ter algum receio de tocar nesse assunto…
…porque não deixam de ser pais?
Sim, porque não deixam de ser pais e, no fundo, também nos querem proteger. Esta iniciativa tem sempre de partir dos filhos. Estamos rodeados de pessoas e há exemplos que podemos usar, além de que podemos tentar ver com os nossos pais o que eles preferem e, se calhar, até vamos ficar surpreendidos — se calhar até preferem ir para um lar à ideia de ficarem em casa dos filhos e de perderem a sua autonomia, porque aí perde-se mais autonomia do que numa situação de residência. As pessoas sabem o que querem para o seu futuro. Há uma série de mitos em torno do envelhecimento que se vão gerando e que podem, de facto, funcionar como obstáculos.
É quase como se o envelhecimento fosse o elefante na sala?
É, é o elefante na sala porque de facto está lá, é evidente. Nós vivemos em sociedades em que ninguém quer ser velho…
Gostava que comentasse a seguinte frase escrita no livro: “As emoções que vai viver serão contraditórias, fazendo-a oscilar entre o carinho profundo e o ressentimento, entre a abnegação e o egoísmo, entre a compreensão e a impaciência, entre o medo do fim e o desejo de que esse fim chegue depressa”.
Um dos objetivos deste livro é normalizar ou naturalizar uma série de coisas pelas quais muitas vezes as pessoas se sentem culpadas — quando digo normalizar não quero dizer banalizar, ou seja, não é tirar importância, porque basta que eu sinta para ser importante. Acho que este é um momento de grande ambivalência para nós. Por um lado, percebemos que os nossos pais estão a envelhecer e não queremos que isso aconteça, por outro, sabemos que queremos cuidar deles. Mas o querer cuidar vai ter impactos enormes na nossa vida, pelo que começamos a fazer uma série de contas de cabeça acerca desses impactos e, quando isso acontece, vem a culpa porque nos achamos egoístas. Depois, há a questão final da frase, que é muito dura do ponto de vista emocional e afetivo: o sofrimento do outro dói-nos sempre, sinal da nossa capacidade de empatia, o sofrimento daqueles que nos são queridos dói-nos duplamente e nós oscilamos permanentemente entre a vontade de que aquele sofrimento acabe e o medo da perda. Quando estamos a falar em envelhecimento, obviamente que o fim do sofrimento é a morte.
Há muitas outras coisas que são geradoras de culpa, das quais ninguém fala. Uma questão perfeitamente tabu é a ideia de que cuidar em determinadas circunstâncias pode causar-nos repulsa e ninguém quer assumir uma coisa dessas porque sentimo-nos as piores pessoas do mundo. É ter de cuidar da mãe e, ao mesmo tempo, sentir repulsa. Isto é comum e a ideia é naturalizar isto. É um pudor enorme partilhar isto com alguém, as pessoas fecham-se em si próprias. Há outra dimensão da qual nos esquecemos, que também é muito importante: no sofrimento do outro e na morte do outro, eu antevejo o meu próprio envelhecimento, sofrimento e morte. Quando os nossos pais começam a envelhecer, nó sentimos que somos os próximos, isto mexe connosco. Não só porque são os nossos pais, mas porque a pessoa começa a ter consciência da sua própria finitude. É o fim da infância, literalmente.
Escreve também que nunca vivemos até tão tarde — fazemos vários esforços para que isso aconteça — e nunca tememos tanto a velhice. Porque é que acha que este contrassenso existe? A sociedade trata a velhice como se fosse uma doença?
Estamos a assistir a um aumento enorme da longevidade que previsivelmente vai continuar. Há fenómenos que aparentemente não têm marcha atrás e este é um deles. Isto é paradoxal com o quê? Nós queremos viver mais, mas queremos viver mais sendo jovens. E porque é que queremos ser jovens? Se repararmos, tudo à nossa volta faz esse apelo. Tudo aquilo que nos é transmitido e difundido como valendo a pena é algo que tem a ver com juventude, com beleza e estética. Vivemos em sociedades em que toda a gente tem de ser jovem, magro e bonito. Isto gera uma pressão muito grande. Nunca se assistiu a um recurso tão grande a tudo o que sejam tratamentos de estética.
Isto deve-se a outra coisa: vivemos em sociedades consumistas, é sempre para a frente, consumimos e descartamos para consumir outra vez. Vivemos em sociedades consumistas, hedonistas, claramente a procura do prazer é o que nos move. Todas as características das sociedades atuais, no fundo, funcionam contra o envelhecimento, o que é paradoxal no momento em que temos mais velhos do que nunca. O querer generalizar a imagem do velho como alguém que está arrumado a um canto, que já é incapaz de acompanhar seja o que for, que está quase à espera da morte, é completamente errado. Mas o querer assimilar, como agora muitas vezes se vê… Tenho assistido nas campanhas publicitárias a algum enaltecer do envelhecimento, mas não é o envelhecimento “natural”, aquilo é o querer assimilar o envelhecimento a uma espécie de nova juventude fora do tempo. Isto é um absurdo porque coloca as pessoas novamente sob pressão.
Mas isso não terá a ver com o fenómeno da inclusão, que está muito na moda?
Mas nós temos de incluir com as características que cada um tem, respeitando as diferenças. Incluir não é assimilar. Nós precisamos das pessoas mais velhas, precisamos de envelhecer. Faz parte do nosso ciclo de vida, é uma coisa perfeitamente normal e há de facto um capital de experiência e de sabedoria que se vai ganhando com a idade, que é extraordinariamente útil e que tem de ser percebido como um referencial.
Quais são as grandes vantagens de envelhecer?
Acho que a grande vantagem de envelhecer tem a ver com aquilo que vamos adquirindo em termos de sabedoria e de experiência de vida. Não é por acaso que, em algumas sociedades mais remotas, o mais velho era o grande referencial do ponto de vista dos conselhos e da arbitragem dos conflitos, porque era a pessoa cuja experiência de vida lhe permitia ter maior capacidade de discernimento acerca das coisas. A idade vai-nos dando uma certa capacidade de distanciamento e nós vamo-nos apercebendo disto, não é preciso chegarmos a velhos. À medida que os anos vão passando vamos percebendo que modificamos a nossa atitude. Há outra coisa fundamental: nós não existimos sem história. Até em termos familiares. Os mais velhos, os avós, são o grande património, o grande repositório da história da família, tal como são o grande repositório da história da sociedade. Os avós são um privilégio, estimular a relação entre os avós e os netos é fundamental — isto é, ao nível micro da família, transmitir uma identidade. Em sociedades que mudam tão rapidamente é preciso mantermos esta noção.
Noção que não estamos a manter?
Penso que não estamos ou estamos a manter com muita dificuldade. Estamos a esquecer o nosso passado. E nem digo o passado mais longínquo, mas o mais próximo, quase imediato. Estamos a esquecermo-nos de como viviam os nossos avós. Estamos a perder essa noção, que é ótima para nos manter no lugar, para dar rumos à nossa vida. O recurso a todo este capital de experiência, de história e de sabedoria não pode ser desvalorizado. São lições de resiliência. Atualmente, nós consumimos tudo — isto até se alastrou do ponto de vista das relações, nós facilmente nos descartamos das pessoas, facilmente nos descartamos das relações. Ensinaram-nos que devemos ter objetivos na vida, só que a grande questão é que quando atingimos um objetivo não o gozamos porque já estamos a pensar no próximo. Perdeu-se uma coisa que é importantísssima, isto é, a capacidade de parar e pensar, de fazer balanços. As gerações que vão surgindo e crescendo fazem-no nesta lógica de imediatismo. Estamos também a perder a capacidade de sonhar, sonhar no sentido de ter um objetivo a longo prazo, porque nos habituamos a ter tudo no momento.
Enquanto sociedade, acha que valorizamos a terceira idade?
Não valorizamos, digo-lhe já categoricamente que não, pelas razões de que já falámos. Se valorizássemos os mais velhos, assumiríamos o envelhecimento como uma condição natural da nossa vida. As pessoas quase que correm o risco de se tornarem clones, pelo menos por fora, umas das outras só para não envelhecerem.
Temos medo ou vergonha de envelhecer?
Acho que são as duas coisas juntas. O medo de envelhecer é o medo do sofrimento e da morte que faz parte da nossa estrutura. Foi sempre o grande medo da humanidade e é transversal a todas as épocas. Neste momento temos a vergonha de envelhecer. Temos vergonha porque sentimos que o envelhecimento não é valorizado, pelo que não queremos mostrar aos outros que estamos a perder valor. É por isso que as pessoas tentam esconder ao máximo que estão a envelhecer e recorrem a tudo o que seja artifício para isso. Mas há um momento em que não há mais artifícios, há um momento em que ou cede o corpo ou cede a mente. Nestas alturas, se não estivermos preparados para isso, a vergonha pode converter-se em algo muito pior. Assistimos cada vez mais a situações de depressão entre a população mais velha que, em muitos casos, têm a ver com isto. Tem a ver com uma dificuldade em aceitar a passagem do tempo e em aceitar a vergonha de ser velho, juntando isto a outros fenómenos que podem acontecer nesta idade, como o isolamento. Mas, afinal, onde é que o idoso cabe? A juntar ao medo que sempre existiu, nós neste momento temos de facto a vergonha de envelhecer.
Também escreve que a preservação da autonomia e da independência dos pais deve ser uma prioridade. Porquê? E como é que se conjuga isso com o cuidar deles?
Nós devemos agir na justa medida em que a nossa ação é necessária. Basicamente é isto. Não devemos sobrepor-nos aos outros sempre que os outros têm capacidade para ou decidir ou realizar alguma tarefa, porque isso é retirar à pessoa parte da sua dignidade. A questão da condução é muito evidente. Devemos ajustar a nossa ação e a nossa presença e cuidado àquilo que é o instalar progressivo de necessidades. À medida que as necessidades se vão instalando nós vamos encontrando respostas. É preferível a nossa intranquilidade ao sentimento de perda de identidade ou de perda de lugar no mundo por parte dos nossos pais — é um daqueles momentos em que temos de apelar mais à abnegação do que ao egoísmo.
Não há inversão de papéis?
Não há. Nós não nos tornamos pais dos nossos pais, embora a tentação seja muito grande.
E os idosos não são crianças?
Não são. Nós, quer em família, quer em termos institucionais, começamos a utilizar muitas vezes com os mais velhos o mesmo tipo de linguagem que usamos com os mais novos, o mesmo tipo de referências. A nossa vida não é um círculo. A infantilização da linguagem… Se nunca falámos com os nossos pais num determinado tom, a linguagem paternalista e autoritária não faz sentido. Isto vindo dos filhos é extraordinariamente doloroso e sentido como um desrespeito muito grande.
Que conselhos mais práticos dá a quem está agora a começar a cuidar dos pais?
O primeiro conselho é exatamente sentar-se a falar sobre o assunto. É bom começar a adotar certas medidas em casa dos pais, vivam eles sozinhos ou em casal, desde a organização à adaptação da casa. Assim estamos a trabalhar a prevenção, porque sabemos que isso vai suceder no futuro. Outra questão fundamental é perceber qual é a vontade dos nossos pais em termos de respostas e cuidados. Temos de mostrar que somos pessoas confiáveis, que já não somos crianças e que, sem nos sobrepormos, estamos disponíveis para ajudar. Numa situação em que haja vários irmãos, todos eles vão ser chamados a assumir um papel, que não tem necessariamente de ser igual. É conveniente falarmos todos em família. Perante o envelhecimento dos nossos pais algumas dinâmicas familiares que já estavam esquecidas, e que não têm de ser necessariamente positivas, vêm de novo ao de cima — antagonismos entre irmãos, dificuldades de relacionamento com um dos pais… Isto tudo, que durante a fase adulta fica ali em latência, pode vir ao de cima nesta situações, o que do ponto de vista emocional nos coloca sob maior pressão.
Também fala numa altura para fortalecer laços e criar memórias positivas para o futuro…
Isso tem a ver com o facto de assistirmos ao envelhecimento e ao fim do outro. Isso leva-nos a que as memórias que ficam gravadas na nossa cabeça sejam só as mais recentes, as do fim, mas há todo um outro capital de memórias que pode ser recuperado. Não é por uma pessoa estar debilitada que deixou de gostar de comer um gelado numa tarde de sol. Estamos tão preocupados em cuidar — a medicação, as consultas, etc. — que nos esquecemos que todos temos de ter vida para além disso e que não é pelo facto de envelhecermos que deixamos de ter sonhos. E poder contribuir para isso é fundamental, tal como apelar às memórias familiares — à partida, são um fator de união.
E como estão os serviços para a terceira idade?
Não se recomendam. Existe obviamente uma grande carência do ponto de vista de unidades de cuidado, nomeadamente de cuidados paliativos e de cuidados continuados. Em termos de unidades residenciais, os chamados lares, a taxa de cobertura não é de todo aquela que seria adequada para a população portuguesa —existem soluções que não são, de facto, adequadas àquilo que é o rendimento médio da população mais velha, sabendo nós que Portugal é um país de reformas muito baixas. Nunca investimos de facto num Estado providência a este nível porque sempre acreditámos que tínhamos as famílias providência — absoluto mito.