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A Temu chegou aos Estados Unidos em setembro de 2022. É a versão ocidental do marketplace Pinduoduo

NurPhoto via Getty Images

A Temu chegou aos Estados Unidos em setembro de 2022. É a versão ocidental do marketplace Pinduoduo

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Temu. Que empresa chinesa é esta que inundou as redes de “pechinchas” e trava uma guerra com a Shein

Chegou aos EUA em 2022, onde virou fenómeno e até teve um anúncio de milhões na final do Super Bowl. Em Portugal, já lidera o ranking das apps e dá nas vistas com anúncios a artigos pouco comuns.

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Braços ou chapéus para galinhas, capachinhos para gatos ou boias para hamsters. De repente, os utilizadores das redes sociais passaram a conviver com uma catadupa de peculiares anúncios da Temu, uma plataforma de compras onde é possível encontrar quase tudo por preços, por vezes, irrisórios.

Lê-se ‘ti-mu’, segundo explica a empresa, e, além de coisas para animais, oferece uma multiplicidade de produtos eletrónica, decoração, roupa e acessórios. A fórmula do anúncio é praticamente sempre a mesma: a imagem do artigo é acompanhada de um preço reduzido, ora com uma contagem decrescente a indicar que é uma promoção que termina em breve, ora com a indicação da percentagem do desconto.

Além do elevado número de anúncios, é também a peculiaridade do sortido de produtos que tem dado nas vistas. Inclusive, entre humoristas. Pedro Teixeira da Mota, que assina o videocast watch.tm, começou por explorar os produtos bizarros num episódio com André Pinheiro. Noutro episódio, os youtubers mostraram os visuais que criaram com as roupas e acessórios que encomendaram na Temu – calças decoradas com um efeito chantilly, um colar com uma colher, meias com dedos e chinelos com bolhas.

Mas, afinal, o que é e de onde surgiu a Temu?

Até os anúncios começarem a invadir as redes, a plataforma era praticamente desconhecida.  Teve pouco tempo para a palavra se espalhar. Foi lançada em setembro de 2022, nos Estados Unidos, como a versão para o Ocidente do marketplace chinês Pinduoduo, que é controlado pela PDD Holdings e tem 900 milhões de utilizadores na China. A expansão internacional começou nos EUA mas depressa atravessou o Atlântico. Em abril deste ano, aterrou na Bélgica, França e Alemanha e, logo depois, chegou a Portugal.

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Não é a primeira vez que um marketplace com origem na China ganha popularidade a nível global – já aconteceu com a Shein, com a Wish ou com o AliExpress. No entanto, a ascensão da Temu tem sido frenética: em poucos meses, tornou-se na aplicação mais popular nos Estados Unidos e até adquiriu um espaço publicitário na final do Super Bowl, onde o custo de anúncio de 30 segundos pode rondar os sete milhões de dólares. O anúncio, transmitido em fevereiro, no qual uma mulher usa o telemóvel para fazer compras, deu a conhecer o site de “pechinchas” a milhões de norte-americanos.

https://www.youtube.com/watch?v=RgNuwb9lpeg

Pechinchas, sorteios de cupões, códigos… Como conquistar os utilizadores

Não é só nos Estados Unidos que a Temu é popular. De acordo com dados da Similar Web e das próprias lojas de apps, a Temu tem também a aplicação mais popular em Portugal, tanto no Android como no iOS, à frente de nomes como a Shein ou a Wish. Em ambas as lojas, a app surge com a designação “shop like a billionaire” – em português, “compre como um multimilionário”.

Parte da estratégia da Temu assenta na lógica de criar uma sensação de urgência no consumidor. Basta navegar um pouco no site ou na aplicação para encontrar contagens decrescentes para o fim do envio gratuito de encomendas, alertas para o fim da “promoção relâmpago”, ajustes de preços em 30 dias ou ainda indicações sobre alguém que tenha comprado o produto que está a ver. Em vários artigos, são apresentados pequenos vídeos sobre o artigo.

Tal como acontece noutros sites do género, muitos dos produtos são cópias de outros artigos. Só assim é que é possível encontrar uns auriculares praticamente idênticos aos AirPods da Apple por pouco mais de dez euros, quando na loja oficial da dona do iPhone rondam os 200 euros. Ao longo da lista, vão girando os avisos sobre como o artigo “está quase esgotado” ou de que estão disponíveis poucas unidades.

O Observador enviou questões à Temu para perceber mais sobre a estratégia da plataforma na Europa e como é possível ter produtos com preços muito abaixo da concorrência – até ao momento, sem resposta. Na área de ajuda ao consumidor, a empresa explica que mantém os produtos com preços baixos ao “ligar diretamente os clientes a fornecedores” e que os envios ficam a cargo da Temu. O aviso de envios grátis acompanha quase todos os artigos.

Anúncios Temu redes sociais

Alguns exemplos de anúncios da Temu apresentados aos utilizadores de redes sociais

De acordo com uma investigação da Wired britânica, a empresa estará a perder em média 30 dólares por encomenda devido aos custos de envio. Especialistas ouvidos pela revista explicam que a empresa opta por perder dinheiro para tentar fazer crescer a sua quota de mercado internacional.

Ao contrário da Shein, a Temu não é responsável pelos produtos apresentados, fazendo apenas a ligação entre vendedores e clientes – a lógica de marketplace. Não há informação concreta sobre de onde vêm os artigos, apenas com a indicação de que a Temu “trabalha com uma vasta gama de fornecedores e fabricantes globais”

Além da forte presença da palavra desconto (até é possível pesquisar pela percentagem de desconto que se pretende obter), também há cupões. Basta que alguém lhe envie uma ligação para um produto à venda na Temu para ver no ecrã uma roda da sorte em movimento – quando parar, é quase certo de que vai receber um cupão para usar na primeira compra no site. Na consulta feita pelo Observador, a “prenda para o novo utilizador” era um pacote de cupões de 100 euros, com a inscrição de que são aplicáveis “limites mínimos de despesa”. Mais uma vez, também existia uma contagem decrescente para aproveitar o suposto cupão de desconto, que implicaria o download da aplicação para smartphone.

Mas ainda existem outras formas de tentar obter mais utilizadores, através de um programa de afiliados. Na página, existe a chamativa indicação de que é possível ganhar “até 100 mil euros por mês” nesta atividade, mas sem mais detalhes. Um utilizador que se registe como afiliado pode ganhar até 3 euros de recompensa caso consiga que alguém descarregue a aplicação através do seu código e até 20% de comissão pelas compras feitas por outro utilizador. Embora seja feita a referência de que qualquer pessoa se pode inscrever, o destaque vai para os influenciadores digitais que já aderiram ao programa. Alexa Dellanos, a manequim que tem mais de 9 milhões de seguidores no Instagram, ou o casal Anthony & Ana, seguidos por 9 milhões no TikTok, são mencionados como membros do programa.

Uma pesquisa rápida no YouTube mostra outra faceta do programa de afiliados: há centenas de vídeos sobre “hauls”, uma compra de grandes dimensões, na Temu. A legenda dos vídeos é praticamente sempre a mesma – o apelo ao download da aplicação para se ganhar um cupão (de 100 dólares ou 100 euros) através do código do criador de conteúdo e a descrição dos produtos mencionados no vídeo, com preço e link para a compra. Em muitos dos vídeos, é usada a expressão “dupe” – versões mais baratas de produtos caros. Num vídeo publicado a 24 de setembro, é apresentada uma réplica de uma carteira da Marc Jacobs, a Tote Bag. Enquanto o artigo oficial custa no mínimo 220 euros, a youtuber Lesley Marie encomendou uma versão no site por cerca de 13 dólares – entretanto, o produto foi descontinuado. É frequente que, ao fim de alguns dias, determinados produtos apareçam como esgotados ou descontinuados, sem mais explicações.

Deco atenta a queixas de clientes e preocupada com burlas

A popularidade da Temu não tem escapado à Deco, a Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor. O jurista Diogo Martins explica ao Observador tem sido dada atenção ao site devido ao “crescimento muito, muito elevado” e ao forte investimento da empresa “em publicidade nas redes sociais e em criadores de conteúdo”.

A associação relata que tem recebido alguns pedidos de informação de consumidores, que querem saber mais sobre a plataforma antes de avançarem para uma compra. “Existem cada vez mais sites e as pessoas não sabem bem em quem confiar. Pedem-nos ajuda a título preventivo”, explica Diogo Martins, notando que estas perguntas acontecem muitas vezes no “atendimento pessoal”. “Os consumidores ganham confiança, aproveitam e perguntam.”

Até aqui, o feedback que tem chegado à Deco de quem avança para compras é que os artigos “até estão em condições”, embora a qualidade seja a esperada para um produto de poucos euros. Nos casos em que já foram feitas queixas, há “relatos de pessoas que encomendaram sete, oito artigos e que só seis chegaram. Ou, das coisas que encomendaram, uma não correspondia bem ao anunciado, seja por tamanho, cor ou outro tipo de razão”.

Mas há outro fator a preocupar a Deco quando se fala na Temu – as burlas, não por parte do site, mas por esquemas de phishing associados à entrega de encomendas. “Os burlões têm noção de que esta plataforma tem tido um crescimento muito grande em Portugal”, contextualiza o jurista, referindo-se, por exemplo, a campanhas de SMS que falam em encomendas que precisam de pagamento para serem entregues. “Sabem que muita gente está a fazer compras na Temu e que as pessoas caem no engodo e acabam por aceder a links e a sites que parecem dos CTT ou da própria Temu.”

“Essas SMS é que são a nossa preocupação”, admite o jurista. “Levanta-se toda uma janela de problemas e os consumidores têm de apresentar queixa na polícia”, sublinha. “Até aconselhamos a que, independentemente de caírem na burla ou não, denunciem isso às autoridades.”

Poucas reclamações no Portal da Queixa mas em crescimento na Trustpilot

Tendo em conta a presença recente da Temu nas redes sociais em Portugal, ainda há muitos utilizadores para quem a plataforma é uma ilustre desconhecida, o que poderá explicar os números ainda diminutos de reclamações por cá. Os dados enviados pelo Portal da Queixa ao Observador revelam que o número de queixas sobre a Temu é ainda reduzido. “A Temu recebeu 12 reclamações, publicadas a partir do mês de junho de 2023, com um aumento no mês de agosto (75% das reclamações)”, indica o Portal da Queixa. Deste total, nota o site, cinco reclamações foram dirigidas diretamente à Temu Portugal e as restantes são queixas onde a empresa é mencionada – por exemplo, na página da CTT Expresso ou na HiPay, uma empresa de pagamentos.

Os motivos de reclamação são comuns a outras plataformas de compra: devolução de dinheiro, com quem reclama a queixar-se de que os reembolsos só são feitos em créditos Temu, obrigando a novas compras; e produtos não entregues, com esta categoria a representar a maioria das queixas. Até agora, nenhuma das queixas apresentadas recebeu resposta ou solução, nota o Portal da Queixa. Ainda que sejam poucas, as opiniões partilhadas já conferem à Temu um desempenho insatisfatório neste portal, com uma classificação de 4.3 em 100.

Numa das reclamações apresentadas, uma consumidora relata que foi atraída pelo preço de uma camisa para homem, à venda por 1,78 euros. No entanto, para concluir a compra, tinha de adicionar mais artigos ao carrinho de compras. Depois de fazer o pagamento, percebeu que tinham sido comprados todos os artigos do carrinho, exceto a tal camisa, que passou a custar 17,97 euros. Diogo Martins, da Deco, lembra que, uma vez que se trata de uma empresa que “não tem qualquer tipo de loja em Portugal”, não se aplicam as mesmas regras que a outros comerciantes, o que faz com que os “consumidores não se encontrem salvaguardados”. “É tudo muito bonito mas, se existir algum problema, é um cabo dos trabalhos para resolver. Não existe qualquer forma de contacto com a plataforma.”

Na Trustpilot, um portal internacional onde os clientes podem deixar críticas a empresas, também já figuram opiniões de internautas portugueses à Temu. Entre comentários positivos, que elogiam a rapidez na entrega, também há várias queixas. “Pedido perdido”, “propaganda enganosa e não devolvem o dinheiro” ou “mau apoio ao cliente” são alguns dos comentários que merecem apenas uma estrela.

No total, a página da Temu na Trustpilot recebeu mais de 7.600 opiniões – 49% dos utilizadores classificam o negócio como 5 estrelas e 31% dão apenas uma estrela, o que totaliza uma média de 3,4 estrelas (aceitável). A subida do número de críticas nesta página tornou-se mais visível a partir de maio de 2023.

Nos EUA, onde começou a expansão internacional da Temu, a associação Better Business Bureau (BBB), que permite aos consumidores perceber se um negócio é de confiança ou não, não dá uma nota favorável à plataforma. Num ano de atividade nos EUA, este organismo recebeu 1.004 análises de clientes, resultando numa nota de 2,55 em cinco estrelas. Deste bolo total, 992 foram queixas.

Milhares de anúncios nas redes sociais em Portugal

Quem usa redes sociais já se habituou a conviver com anúncios, a principal fonte de receita para plataformas como o Facebook ou Instagram. Na biblioteca de anúncios da Meta, a tecnológica que controla estas duas redes sociais, é possível encontrar a lista de anúncios da página Temu Portugal.

Na consulta feita pelo Observador, foram aplicados alguns filtros: apresentar informação sobre anúncios da Temu desde 1 de setembro de 2022, quando foi lançado o site no Ocidente, e apenas em português. São apresentados cerca de 9.800 resultados de anúncios no Facebook, Instagram e Messenger, em que 540 são anúncios ativos. Embora os produtos apresentados variem, o texto raramente tem alterações nos milhares de anúncios disponíveis. “Está pronto para uma grande oferta?”, é possível ler. É feito um apelo ao download da aplicação da plataforma, com a promessa de “até 90% de desconto em produtos de qualidade”. Noutros exemplos, é possível ver imagens de um artigo, com preços baixos e em promoções apenas para novos utilizadores da aplicação. Em muitos casos, os preços apresentados são válidos apenas para utilizadores que estão a experimentar o site pela primeira vez.

Em comparação, aplicando os mesmos filtros na biblioteca de anúncios, a Shein, que também é uma forte anunciante nas redes sociais, tem menos anúncios, com cerca de 540 resultados (110 ativos). Para a plataforma chinesa AliExpress, que também conquistou adeptos pelas pechinchas, os anúncios são ainda menos, apresentando cerca de 44 resultados.

Donald Tang, o fundador da Shein, a empresa de ultra-fast fashion que acusou a Temu de esquemas nas redes sociais

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

A rivalidade com a Shein na “guerra” pelo domínio dos EUA

Embora a Shein seja mais associada a vestuário e acessórios de moda, desde que a Temu aterrou nos Estados Unidos e começou a ganhar adeptos que as comparações entre empresas têm sido inevitáveis.

Há uns meses, a rivalidade escalou. Primeiro, foi a Shein a avançar com um processo, no tribunal de Chicago, no qual acusou a Temu de estabelecer um esquema com influencers com o intuito de menosprezar a companhia nas redes sociais. Na queixa, a Temu é acusada de ter feito chegar aos influencers informações “falsas e enganadoras” sobre a Shein. Além disso, também foi alegado que, em redes sociais como o então Twitter, a Temu estaria a fazer-se passar pela retalhista rival para tentar “enganar” os utilizadores. Ao imitar o aspeto da Shein nas redes sociais, os clientes estariam a ser direcionados para uma ligação para descarregar a aplicação da Temu. Do lado da empresa controlada pela PDD, veio a reação de que a ideia do esquema com influencers era um “mero exagero”, argumentando que não estavam a ser violadas leis de concorrência ou direitos de autor.

Em julho, surgiu um novo processo, desta vez da Temu contra a Shein, com trocas de acusações sobre “práticas ilegais de exclusão”. No processo, que foi avançado pelo Financial Times, foi relatado que a Shein terá forçado as fábricas na China a parar a produção de artigos à venda na Temu, numa tentativa de impedir o crescimento da quota de mercado da companhia nos EUA. “Os ataques crescentes da Shein não nos deixam outra opção a não ser a adoção de medidas legais para defender os nossos direitos”, explicou a empresa.

Na queixa, que deu entrada no tribunal de Massachusetts, com o nome Whaleco (a designação da Temu nos EUA) v Shein US Services, a Temu lembrou que a Shein chegou aos EUA em 2017 e que desde então construiu uma “posição de monopólio”. Com referências aos preços “habitualmente 10 a 40%” mais baixos na Temu do que na Shein, a recém-chegada acusa a rival de recorrer a “uma campanha de ameaças, intimidação, infrações e tentativas de impor coimas sem fundamento e forçar acordos de exclusividade com fabricantes de roupa” para tentar assegurar a sua posição no mercado norte-americano.

Este mercado assume-se como “o principal teatro desta guerra”, diz diretamente a Temu. A empresa refere ainda que as alegadas táticas adotadas pela Shein terão impedido o acesso dos consumidores a preços mais baixos. Segundo a Temu, ao manter-se como a retalhista de ultra-fast fashion dominante neste mercado, a Shein poderá “cobrar preços mais altos aos consumidores enquanto oferece uma menor seleção e qualidade do que se estivesse a concorrer com a Temu”.

Os processos seguem os trâmites habituais nos tribunais norte-americanos. Enquanto isso, as duas retalhistas de origem chinesa continuam a rivalizar para conseguir fazer chegar pequenos artigos aos clientes, mais ou menos bizarros.

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