A construção das listas de candidatos a deputados está a aumentar a tensão entre pedronunistas e carneiristas em vários pontos do país. As fileiras do candidato derrotado foram vendo, nos últimos dias, alguns dos seus nomes a ficarem pelo caminho — ou pelo menos em lista de espera — para entrar nas listas. E fazem um último esforço para tentar que Pedro Nuno Santos intervenha para resolver o que alguns classificam como uma “purga” ou um “fechamento moralmente inaceitável”. Entre pedronunistas, a resposta é uma: Carneiro não ganhou o partido e Pedro Nuno tem direito a indicar pessoas da sua confiança, não estando obrigado a ceder mais lugares à fação que derrotou nas diretas.
A corda esticou de tal forma que a “viabilidade” da candidatura de José Luís Carneiro, apontado como possível cabeça de lista do PS por Braga, pode estar de facto em causa. Os atritos variam conforme a geografia, havendo sobretudo tensões, apontadas pelos apoiantes de José Luís Carneiro, nas federações de Lisboa, Porto, Braga e Viseu. Com quase todos os nomes votados pelas federações — um processo que decorreu durante o fim de semana e que fica fechado esta segunda-feira –, falta apenas a aprovação das listas completas com a percentagem de 30% dos candidatos que cabe a Pedro Nuno indicar, o que irá acontecer numa reunião da Comissão Política do PS, esta terça-feira.
É nessa percentagem — a chamada quota nacional — que o lado de Carneiro ainda tem esperança de que ver a serem incluídos mais nomes afetos ao adversário de Pedro Nuno que teve 36% dos votos nas diretas. Durante a semana passada, Pedro Nuno deixou um aviso junto das federações socialistas, dizem fontes do partido ao Observador: não iria comunicar os nomes que farão parte da quota nacional antes de terça-feira, pelo que os presidentes das estruturas deveriam fazer aprovar a sua parte da lista respeitando os 30% que cabem à direção nacional, e que ficaria em branco até terça-feira.
E, segundo relatos de quem esteve presente no almoço que em que juntou presidentes de federação, após a primeira reunião da nova Comissão Nacional, logo nesse dia ficara também um aviso no ar relativo à composição das listas: o acordo que fizera com José Luís Carneiro para a distribuição de lugares no partido valeria apenas para esse órgão e para a Comissão Política, deixando de fora o secretariado e as listas de deputados. O esforço pela unidade do partido estava feito, mas as listas para o Parlamento teriam de seguir uma lógica diferente e com menos margem de manobra, num momento em que o partido tem noção de que terá menos lugares elegíveis em mãos.
Ainda assim, do lado de Carneiro fala-se numa “insatisfação” por causa do desperdício de “quadros valiosos” do PS e acusa-se a nova direção de um “incumprimento em relação ao compromisso”. Não que houvesse um compromisso aritmético em concreto; o que existia era a ideia de deixar ambas as correntes representadas no grupo parlamentar, lembrando que a legislatura foi interrompida por uma crise política repentina e que a “continuidade” dos deputados deveria, por isso, ser um critério relevante nas escolhas. De outro modo, para os carneiristas este processo poderá ter “efeitos muito nocivos” dentro do PS.
“A quota nacional é do secretário-geral, mediante aprovação da Comissão Política Nacional”, dispara, em resposta, um dirigente do pedronunismo ao Observador, recusando “a lógica de José Luís Carneiro reivindicar lugares”. Ou seja: na direção acredita-se que Pedro Nuno já tem feito bastantes esforços para garantir a unidade do partido, e que não existe uma varridela nem uma “purga”. Outra coisa, recordam, seria exigir que Carneiro pudesse fazer valer os 36% de votos que teve nas eleições internas do PS no tetris que é a composição das listas de deputados.
Nas estruturas afectas a Pedro Nuno também se aponta no mesmo sentido, com um dirigente distrital a dizer ao Observador que se não há representação dos que apoiaram Carneiro é porque “a generalidade dos apoiantes do José Luís não se conseguem fazer representar respetivas estruturas federativas”. “As listas não são decididas com base em qualquer proporcionalidade”, acrescenta. O processo segue todo muito por dentro do aparelho, com as comissões políticas concelhias a fazerem as suas propostas e o presidente de cada federação a levar a votos uma lista final, na comissão política distrital. Nessas listas ficam em aberto os lugares que são reservados a indicação do secretário-geral, a tal quota nacional.
Mariana e Medina são apostas para “apaziguar” Lisboa
Mesmo assim, as queixas seguem e Lisboa é um dos casos que o lado de Carneiro identifica como problemático — enquanto os pedronunistas lisboetas rejeitam que tenha razões de queixa. Para já, a lista aprovada esta segunda-feira será encabeçada por Mariana Vieira da Silva, um nome que agradará aos carneiristas, uma vez que a ministra da Presidência se manteve neutral durante a corrida interna no PS mas foi indicada por Carneiro à Comissão Política Nacional. A escolha é, assim, vista no PS de Pedro Nuno como um esforço de “apaziguamento“.
Ainda assim, há quem, do lado de Pedro Nuno, relativize e jure que o novo líder — que já elogiou publicamente o trabalho que fizeram, juntos, no Governo durante a “geringonça” — se preparava para fazer o mesmo convite para a Comissão Política, além de ter convidado a ainda governante para se juntar ao seu órgão político mais restrito, o secretariado.
A lista de Lisboa inclui também Fernando Medina, um dos mais proeminentes apoiantes de Carneiro, colocado em terceiro lugar. O ainda ministro das Finanças tinha estado muito reservado em relação ao seu futuro político e mesmo no pedronunismo não existiam certezas sobre a vontade de integração daquele que foi visto durante anos como um rival interno de Pedro Nuno.
Mas Medina acabou por surgir na lista e num lugar mais acima do que aquele que António Costa lhe atribuiu nas legislativas de 2022, quando se candidatou no quinto lugar da lista de Lisboa. Notam-se, no entanto, também algumas ausências: são os casos de Susana Amador ou de Pedro Cegonho, ambos carneiristas. Maria da Luz Rosinha, que também esteve com o atual ministro da Administração Interna, cai de nono para vigésimo lugar (possivelmente não elegível).
Outra ausência notada é a do atual secretário de Estado André Moz Caldas, que não está na lista (mas foi proposto pela concelhia de Lisboa), mas existe a expectativa de que ainda possa ser indicado na quota nacional — “até ao lavar dos cestos é vindima”, como diz uma fonte do lado de José Luís Carneiro, cuja moção Moz Caldas coordenou.
A lista de Lisboa fica completa com nomes como Marta Temido, Marcos Perestrello, Sérgio Sousa Pinto, Pedro Delgado Alves, Isabel Moreira e Miguel Costa Matos. Internamente, a inclusão de Temido foi alvo de algumas críticas, assim como a escolha de Davide Amado, seu antecessor na concelhia que foi acusado num alegado esquema de viciação de contratos por ajuste direto.
Assis entra, governante carneirista fora. Braga e Viseu em guerra aberta
No Porto, onde a lista será encabeçada por Francisco Assis, encontram-se nomes expectáveis de apoiantes de Pedro Nuno Santos que já eram deputados, como o seu diretor de campanha, João Torres, o deputados Tiago Barbosa Ribeiro e os secretários de Estado João Paulo Correia e Eduardo Pinheiro. Quem não está entre as escolhas é Isabel Oneto, secretária de Estado de José Luís Carneiro — mais uma ausência notada e lamentada desse lado, que não foi indicada pela respetiva concelhia, Vila Nova de Gaia.
Também fica de fora das escolhas da distrital o seu próprio líder, Eduardo Vítor Rodrigues, que é também presidente da Câmara Municipal de Gaia e foi recentemente condenado à perda de mandato por peculato (sentença de que prometeu recorrer). Segundo fontes locais, “não estava nos planos” do autarca fazer parte das listas, mas também há quem note que assim não é levantado um possível problema para o PS, que ainda está a afinar o código de ética que definirá o nível de envolvimento em casos judiciais que deve impedir alguém de ser candidato a deputado.
Braga é, tradicionalmente, uma distrital onde a constituição de listas e de candidaturas gera conflitos, e desta vez não foi diferente, sendo este um dos maiores focos de tensão — até porque este é o círculo onde se prevê que José Luís Carneiro venha a ser cabeça de lista, embora haja quem admita que estas tensões até podem pôr em causa a “viabilidade” da sua candidatura.
A origem do conflito: de um lado, os responsáveis pelas estruturas dizem que o critério aplicado para construir as listas foi de respeito pelas escolhas das concelhias, o que fez com que nomes como Luís Soares (atualmente deputado, de Guimarães) e Palmira Maciel (Braga), ambos carneiristas, fossem derrotados pelos respetivos presidentes de concelhia. Do outro, a leitura da situação é esta: “O Pedro Nuno Santos, em vez de respeitar a pluralidade, pôs o presidente da federação a ouvir as concelhias e sem procurar fazer equilíbrios”.
No sábado, na reunião da comissão política distrital, o presidente da federação, Frederico Castro, colocou em cima da mesa duas propostas com a quota nacional em aberto, como é hábito, mas alguns dos membros do órgão de direção queriam detalhes: se não havia nomes, que houvesse pelo menos o género do candidato a ocupar o lugar. A ausência de indicações concertas pela quota nacional colocava problemas à composição da restante lista, do ponto de vista dos críticos, e a confusão tomou conta da reunião. Soares, que estava como presidente da mesa da Comissão Política Distrital decidiu suspender os trabalhos, mas o presidente da federação prosseguiu com a votação na mesma, com a constituição de uma mesa ad hoc e depois de ter sido consultado o Conselho de Jurisdição do partido.
Agora, Luís Soares diz ao Observador que a aprovação das listas é inválida: “Todo o tipo de actos tomados depois da suspensão da reunião são nulos, inexistentes e ilegais”. Dentro da distrital há quem vá mais longe e critique o que diz ser uma “purga” dos apoiantes de José Luís Carneiro, já que na lista não está nenhum dos deputados que estiveram com Carneiro nas diretas (Palmira Maciel, Luís Soares ou Pompeu Martins).
Luís Soares não assume o termo, mas sugere: “O que é um facto é que na lista apresentada não há um nome que tenha apoiado José Luís Carneiro”, o que considera “estranho” e mau sinal para a “diversidade de pensamento” no PS. Depois da suspensão, a nova reunião ficou marcada para esta segunda-feira não sendo certo que desfecho terá.
Do lado das estruturas, e de Pedro Nuno, fala-se em “números de diversão” e recorda-se que “nunca existiu” um acordo entre Carneiro e o novo líder que incluísse a elaboração das listas de candidatos a deputados: “O secretariado e o grupo parlamentar são da confiança política e pessoal do líder. Não é o vencido que tem de ter um grupo da sua confiança”, dispara um pedronunista. Conclusão? Para os representantes das estruturas de Braga, os apoiantes de Carneiro estão “a tentar ganhar tempo e influenciar a decisão final“, tentando que alguns dos seus nomes ainda entrem nas listas antes de terça-feira.
O último grande foco de conflito é Viseu, onde para já o último cabeça de lista e apoiante de José Luís Carneiro, João Azevedo, fica de fora. “Os apoiantes do Pedro Nuno não o aceitam como cabeça de lista”, garante fonte da distrital. Na reunião de domingo, pedronunistas e carneiristas entraram em discussão e acabaram com uma lista sem Azevedo, mas com o presidente da federação, o pedronunista José Rui Cruz, em segundo lugar e o presidente da câmara de Cinfães, Armando Mourisco, em quarto (é um dos casos de autarcas que cumprem agora o último mandato e asseguram assim lugar nas listas).
Fonte local assegura ao Observador que uma indicação de Azevedo pela quota nacional provocaria “uma revolução” nas estruturas viseenses, estando ainda aberto se essa indicação poderá recair sobre o antigo secretário de Estado João Paulo Rebelo, que até agora não está nas listas e é muito próximo de Pedro Nuno.
Há depois outras dúvidas sobre listas que estão a ser votadas nas distritais na noite desta segunda-feira e que serão, em última análise, fechadas na terça-feira à noite. Falta saber, por exemplo, se se confirma que Eurico Brilhante Dias, atual líder parlamentar e apoiante de José Luís Carneiro, encabeça a lista de Leiria, ou se Marina Gonçalves, ministra da Habitação, vai mesmo à frente em Viana do Castelo. E também se Pedro Nuno encontrará um lugar para Augusto Santos Silva, que nas últimas eleições se candidatou pelo círculo de fora da Europa e que já se disponibilizou publicamente para continuar no Parlamento. Serão sinais importantes para o lado de Carneiro, e para determinar se o futuro próximo trará ou não paz interna ao PS.
Nomes certos e repetições
Outro nome apontado como certo à frente da lista de Coimbra é a ministra Ana Abrunhosa, que em 2022 foi por Castelo Branco. Em Portalegre, outra repetição mas desta vez no mesmo círculo: Ricardo Pinheiro volta a ser o cabeça de lista e como número dois vai João Pedro Meira, presidente da federação da JS no distrito e economista do Banco de Portugal. São os dois nomes acordados entre o secretário-geral e a federação para concorrem nos lugares elegíveis naquele círculo. Em Évora, tal como o Observador já tinha avançado, Luís Dias é o cabeça de lista, abandonando a presidência da Câmara de Vendas Novas para assumir o cargo de deputado depois das eleições.
Mais abaixo, em Faro, a lista também já foi aprovada pela comissão política distrital, que se reuniu este domingo, e voltará a ser liderada por Jamila Madeira (um nome que apoiou José Luís Carneiro nas diretas), sendo seguida por Jorge Botelho, Luís Graça, Isabel Guerreiro e Custódio Moreno.
Em Setúbal, a novidade é a ausência de Maria Antónia Almeida Santos, que foi por aquele crículo nas últimas legislativas e que agora não aparece em nenhum dos lugares, não sendo certo se será integrada em algum círculo pela quota do líder. A lista será liderada por Ana Catarina Mendes e incluirá António Mendonça Mendes, Eurídice Pereira, André Pinotes Batistas, Clarisse Campos, Fernando José, Ivan Gonçalves e Francisco Parreira dos dez primeiro lugares (o número de deputados que entraram pelo PS por Setúbal nas últimas legislativas). Nestes primeiros dez estão ainda lugares em aberto para Pedro Nuno Santos indicar.
Nas regiões autónomas, também já há listas fechadas, com Paulo Cafôfo a encabeçar a lista da Madeira e Francisco César, que dirigiu a campanha interna de Pedro Nuno, a repetir-se como cabeça de lista pelos Açores. Não foram as maiores dores de cabeça para o novo líder que está, até à última para fechar os cabeças de lista e ainda tem problemas para resolver ou ver serem resolvidos por algumas federações onde ainda estão a decorrer votações durante a noite, como acontece em Coimbra (que adiou a votação 48 horas para receber critérios mais fechados por parte do secretário geral), Leiria, Aveiro e, claro, as tensas distritais de Viseu e Braga.