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Sobrinho-neto de um ex-presidente do Supremo Tribunal de Justiça (Jacinto Rodrigues Bastos), vem de uma família com raízes profundas no Direito e é um dos criminalistas mais conhecidos do país — e um dos que mereceu mais atenção de Ricardo Araújo Pereira até ao momento, o que encara com fair play.
Numa entrevista ao programa “Justiça Cega” da Rádio Observador — que passa a ser emitido às 19h de todas as terças-feiras —, Tiago Rodrigues Bastos, de 58 anos, aborda todos os temas quentes que estão a marcar a atualidade a Justiça.
Recorrendo à sua experiência de quase 35 anos de advocacia, Rodrigues Bastos critica duramente a abordagem do Ministério Público à Operação Influencer, censura a investigação criminal do processo legislativo dos governos por parte do titular da ação penal e revela que o seu cliente Vítor Escária (ex-chefe de gabinete de António Costa) vai declarar os 75.800 euros em numerário que lhe foram apreendidos no gabinete que utilizava na residência oficial do primeiro-ministro.
Aborda ainda o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa sobre a Operação Marquês, sobre o qual pré-anuncia a interposição de uma nulidade devido ao facto de as três juízas desembargadoras terem corrigido um lapso de escrita de “corrupção lícita” para “corrupção ilícita”. E alerta para o maior perigo do uso e abuso da prova indireta: “Aumenta a possibilidade de se verificar um erro judiciário”.
Operação Influencer. “Não é possível conceber um crime de prevaricação numa atuação política no âmbito de um ato legislativo”
Os autos da Operação Influencer são uma mão cheia de nada?
Não gosto muito desse tipo de afirmações.
É uma pergunta.
Se eu concordasse, estaria eu a fazer essa afirmação. Percebo que queiramos fazer afirmações com essa força, com esse rigor, mas a Operação Influencer é efetivamente uma operação assustadora. O que está ali em cima da mesa é muito, muito, muito assustador. E é muito assustador porque não podemos deixar de refletir em variadíssimas coisas que ali estão. Desde logo tivemos não sei quantas pessoas detidas durante não sei quantos dias para que o sr. juiz de instrução criminal decidisse relativamente a uma delas: senhor não praticou nenhum facto ilícito.
O presidente da Câmara de Sines, Nuno Mascarenhas.
É extraordinário, não é? E, relativamente aos outros, o sr. juiz disse: a imputação reduz-se a uma ideia de um alegado crime de tráfico de influência e de prevaricação, o que é muito preocupante. O que o juiz de instrução diz no seu despacho não é que não se consideram provados ou indiciados de constituir o crime por prevaricação. O que o tribunal diz é que não estão alegados nenhuns factos que possam configurar um crime por prevaricação. E não é aceitável que o Ministério Público não reflita sobre isto.
Porquê?
Porque o Ministério Público (MP) apresenta um recurso das medidas de coação para o Tribunal da Relação de Lisboa no qual mantém tudo o que afirmou no despacho de indiciação. Quer dizer, o MP não parou dois segundos para pensar: “Bom, deixa lá ver porque é que ele diz isto”. A aplicação do direito não pode ser feita pelo homem comum, é um ato técnico. E aqueles factos todos nunca na vida poderiam dar o crime de prevaricação.
O MP mantém essa leitura sobre, por exemplo, o crime de prevaricação que é imputado a António Costa no inquérito que corre termos nos serviços do MP no Supremo Tribunal de Justiça.
Não é possível, não é possível. O crime de prevaricação é um crime que foi concebido e que se enquadra na atuação da Justiça. É um crime de alguém que decide à margem do direito. Ou seja, é alguém que, para decidir um conflito, atua conscientemente contra o direito. O problema é que não é possível conceber uma prevaricação numa atuação política no âmbito de um ato legislativo.
Não é possível imputar um crime de prevaricação a um político que esteja a fazer uma lei?
Não, não é. O tipo de crime chama-se prevaricação e denegação de Justiça. Esses dois conceitos estão intimamente ligados, têm a ver com o ato de Justiça, com a aplicação da Justiça. Naturalmente, percebo que isto levanta depois problemas quando saímos do Código Penal e vamos para os crimes de titulares de casos políticos e lá pomos a prevaricação.
Entende, portanto, que a suspeita de que um determinado político beneficia uma determinada empresa no âmbito da produção de uma lei — porque a mesma é feita à medida daquela empresa — isso não configura um crime de prevaricação?
Não, não configura. Mas deixe-me dizer que o Código Penal não se esgota na prevaricação. Poderemos ter outro tipo de crime.
A Operação Influencer está dividida em três segmentos diferentes: lítio, hidrogénio e data center. Estamos a falar essencialmente de investimento nacional e estrangeiro, sendo que o data center pode ter um impacto significativo no PIB. Os benefícios fiscais e outros que os diferentes governos costumam dar a investimentos com impacto económico podem justificar as ações de favorecimento imputadas ao Governo?
Isso pode ser uma explicação e pode encerrar o assunto. Se entendermos que o interesse dos governos por estes investimentos, e respetivas intervenções devido à importância dos mesmos para o país, não está de acordo com uma determinada ideia de normalidade… Se não tivermos cuidado, se tudo aquilo pode configurar uma patologia criminal, então nós ‘não temos fim’ e acabaremos todos presos, com os custos inerentes para a democracia. O que me choca neste processo, entre outras coisas, é o entendimento do MP de que um chefe de gabinete, um primeiro-ministro, não recebe investidores, não recebe ninguém.
Não é bem assim. Há muita informalidade nesses contactos com a Start Campus. Ao contrário dos contactos com a Google, não há atas das reuniões, não fica nada registado, parece que há ali uma grande informalidade.
Isso tem muito a ver com a nossa maneira de ser…
Podemos evoluir como os restantes países europeus, não?
Se entendermos que tudo o que não está de acordo com uma determinada ideia de normalidade pode configurar crime, um dia destes ninguém quer exercer nenhuma função pública. Ou só quererão aqueles que não têm mais nada para fazer na vida ou que não têm qualquer valor que os tenha distinguido para qualquer outro tipo de atividade. Temos de ter um Estado mais europeu. Mas temos que combater estes fenómenos corruptivos mais pelo lado da origem do que pela repressão. De facto, se nós adotarmos mais transparência, maior simplificação, mais prevenção… A corrupção existe para resolver um problema do corruptor. É por isso que se criam problemas e que se criam influenciadores que facilitam a resolução dos problemas. Se começarmos a desburocratizar, isso ajuda mais no combate à corrupção do que ver cinquenta políticos presos.
É capaz de ser necessário fazer as duas coisas: reprimir e desburocratizar.
Obviamente que temos de ter repressão também. Mas a repressão não pode ir ao ponto de reprimirmos tudo aquilo que achamos que não é normal. Muito honestamente: estarmos a discutir se a peita de um crime de corrupção pode ser cem euros para um clube de futebol lá da terra ou cinco mil euros para um festival, é ridículo. Desculpem, mas é ridículo. E isso é assustador.
“Naturalmente que os 75.800 euros mancham a imagem do Governo”
As suas declarações públicas sobre a questão dos 75.800 euros em dinheiro que foram encontrados no gabinete de Vítor Escária na residência oficial do primeiro-ministro causaram muita polémica. Qual é a origem daqueles fundos?
As minhas declarações causaram muita polémica e alguma chacota.
Ricardo Araújo Pereira concentrou-se muito nas suas declarações.
Sim. Tenho que reconhecer que havia alguma matéria-prima boa… (sorriso)
Exagerou nas suas posições?
Todos compreenderão que eram momentos de grande tensão, angústia e alguma incerteza. A principal preocupação que tive foi em deixar claro que aquela quantia de dinheiro não tinha rigorosamente nada a ver com o que estávamos a discutir naquele processo.
Tem a certeza de que a origem desses 75 mil e 800 euros não serão investigados nos autos da Operação Influencer?
(Silêncio) Não domino o que o Ministério Público faz e eu já vi tudo. Mas, sinceramente, não vejo razão para que isso aconteça. Não há nenhum apontamento no despacho de indiciação de que o dr. Vitor Escária tenha recebido seja o que for. Aliás, essa é uma das questões que causa alguma perplexidade, tendo em conta os crimes que estão ali em causa: não existir sequer menção de qual seria a contrapartida do doutor Vítor Escária no meio disto tudo.
Qual é a origem dos 75.800 euros?
Aquilo que o meu cliente me transmitiu é que era uma quantia que provinha da atividade profissional dele.
De serviços de consultadoria. Recebeu esses fundos em Angola?
Não tenho de fazer essas avaliações…
É uma pergunta.
Naturalmente. Eu respondo dizendo que não me cabe aqui e agora desvendar ou esventrar a vida do dr. Vítor Escária.
Se fosse Angola, como chegou a ser noticiado, causava estranheza pelo facto de se pagar em euros — e não em dólares.
A única coisa que posso dizer é que os fundos provêm da atividade profissional do dr. Vítor Escária anterior ao exercício do cargo de chefe de gabinete. E que esses montantes já se encontram devidamente faturados e declarados.
Porque é que esses fundos não foram depositados?
Percebo as perguntas, mas não tenho que me substituir ao dr. Vítor Escária para explicar… Na altura, uma das fontes de chacota é que terei dito que não era fácil chegar a um banco com aquele quantitativo…
Se o tivesse feito, Vítor Escária teria que explicar ao banco a origem dos fundos, como obriga a lei de combate ao branqueamento de capitais, e teria de ser feita uma comunicação ao MP.
Portanto, creio que não estava a mentir…
Podemos imaginar que Vítor Escária tivesse o dinheiro na residência oficial por imaginar que as autoridades não fossem lá, eventualmente…
É uma especulação como outra qualquer. Sinceramente, não queria contribuir para essa… Diria que não foi o melhor sítio para ter aqueles fundos.
Vítor Escária já declarou estes rendimentos ao Fisco?
Já declarou os rendimentos auferidos em 2022 ao Fisco e declarará o auferido em 2023 também ao Fisco.
Isso inclui os 75 mil e 800 euros em numerário?
Exato.
Com a declaração dessas quantias, mantém-se o crime de fraude fiscal?
Acho que não, sinceramente. É verdade que não há o cumprimento de todas as formalidades legais relativamente à parte auferida em 2022 — foi feita através de uma retificação do IRS referente a 2022.
Já fez essa retificação ao IRS em 2022 e já recebeu a conta para pagar?
E já pagou, tanto quanto sei.
A propósito da descoberta desses 75.800 euros descobertos em São Bento, o primeiro-ministro exonerou de imediato Vítor Escária e afirmou: “Mais do que me magoar pela confiança traída, envergonha-me”. O ex-dirigente do PS Ascenso Simões disse na Rádio Observador que Vitor Escária merecia “um par de lambadas no focinho”. Como é que Vitor Escária assistiu a estas declarações, nomeadamente as de António Costa?
O dr. Vítor Escária tem noção de que foi um ato grave e que não devia ter acontecido.
Manchou a imagem do Governo de António Costa?
Naturalmente que mancha, naturalmente que mancha.
Vítor Escária aceitou as críticas de António Costa?
Sim, não faz disso nenhum drama. Percebe a mágoa que o dr. António Costa teve. Evidentemente, gostava de lhe poder ter explicado antes de ele ter reagido, mas compreende que a situação obrigava a que o dr. António Costa tivesse tido uma reação como a que teve.
António Costa não costumava ir ao gabinete de Vítor Escária em São Bento?
Isso é que já é uma pergunta que não me podem fazer porque eu não frequentava São Bento. Nunca fui a São Bento na minha vida.
Vítor Escária poderia ter dito alguma coisa sobre isso.
Essa tentativa de colar uma coisa à outra, por amor de Deus, acho que não tem…
É uma pergunta legítima.
Todas as perguntas são legítimas, eu não disse que era ilegítima. Estou a dizer é que não tem fundamento nenhum… A reação de António Costa foi genuína e a aceitação das consequências por parte do dr. Vítor Escária foi genuína.
Como é que Vítor Escária viu a publicidade do IKEA e o facto de a mesma se ter tornado viral? Tencionam colocar algum processo?
Não tencionamos fazer rigorosamente nada. As coisas são como são. Vou dizer uma coisa sobre o processo Face Oculta que nunca comentei em público — e espero que o dr. Armando Vara não fique zangado comigo. Como sabem, havia ali matéria indiciária que metia robalos e alheiras. E houve um humorista que resolveu fazer a piada de robalo + alheira = a roubalheira. Foi um trocadilho com alguma graça. Se não formos capazes de nos rir disto independentemente daquilo que pensamos sobre os factos…. Aliás, a grande virtude do Ricardo Araújo Pereira é precisamente usar as situações da vida para caricaturar, para tirar um sentido humorístico das coisas. Foi o que aconteceu comigo. Se não formos capazes de encarar isso com alguma bonomia e com alguma descontração, bom, então atiramo-nos ao mar, não é?
“Muito provavelmente vamos reagir processualmente contra o acórdão da Relação de Lisboa da Operação Marquês”
O Tribunal da Relação de Lisboa repôs a 25 de janeiro 118 dos 189 crimes que faziam parte da acusação da Operação Marquês e pronunciou para julgamento 18 arguidos individuais e quatro pessoas coletivas. Um dos arguidos pronunciados foi o seu cliente, Armando Vara, por um crime de corrupção passiva e um crime de branqueamento de capitais. Como analisa a decisão da Relação de Lisboa?
Não concordo com a decisão. Não só relativamente à questão da prática dos fatos que são imputados ao dr. Armando Vara, mas fundamentalmente porque a avaliação jurídica que é feita neste acórdão não me parece correta face àquilo que tinha sido a decisão proferida pelo juiz de instrução criminal. Refiro-me à correção de um alegado lapso de escrita que foi feita pelas senhoras desembargadoras dos crimes de corrupção lícita para corrupção ilícita. Aparentemente ou alegadamente fazendo uma correção de um lapso de escrita. Parece-me que as senhoras desembargadoras excederam em muito as suas competências e, por essa via, aumentaram os prazos de prescrição.
Vai tomar alguma iniciativa processual em relação a isso?
Muito provavelmente sim, porque me parece que a lei não autoriza a alteração que foi feita, muito menos sob a forma de uma correção de lapso. E, para mais, deixando expresso no acórdão que nem sequer isso tinha sido requerido pelo Ministério Público. A propósito, acho que este acórdão da Relação de Lisboa deve levar a uma reflexão profunda na comunidade jurídica.
E qual é?
Este acórdão traz-nos uma visão política sobre aquilo que deve ser a ação da justiça. Acho que a génese do problema central dos processos da criminalidade económico-financeira reside no processo Face Oculta [no qual defendeu Armando Vara, que foi condenado a uma pena de prisão efetiva de cinco anos por três crimes de tráfico de influência].
O acórdão da Relação confirma essa ideia? Aliás, cita várias vezes os diversos acórdãos dos tribunais que confirmaram a condenação da primeira instância.
Sim, isso verifica-se em muitos segmentos do acórdão da Relação da Lisboa. O que este acórdão traz para cima da mesa é uma ideia de que a Justiça deve ‘alargar muito a malha’ de forma a poder punir por esta criminalidade económico-financeira. Parte-se sempre da mesma conceção: estes são crimes muito complexos, são crimes muito engenhosos, a prova direta é muito complexa (ou inexistente), ninguém comete atos de corrupção por escrito, não deixa rasto, etc. Portanto, temos que ir mais além.
“Temos que discutir o uso da prova indireta. O poder político não pode alhear-se disso”
Ir mais além através do recurso à prova indireta e de uma análise global dos factos, tendo em conta que existe sempre um pacto de silêncio. Isso não faz sentido?
Não é uma questão de não fazer sentido. É uma questão de que isto implica um corte com aquilo que era uma outra visão da ação da justiça, que era a da segurança. Não tenho nenhum prurido relativamente à utilização da prova indireta. A questão é: que tipo de prova indireta? Quais são os limites da prova indireta que neste momento estamos a admitir? No processo Face Oculta, por exemplo, a prova indireta foi ao ponto de se dar como provado um facto, com base no cruzamento de uma escuta ou de duas escutas, onde numa se falava em 25 e noutra se falava em 50. E depois o tribunal diz que, afinal, os 50 eram para dividir por dois. A prova indireta não pode ter uma insegurança tal que encaixe numa, enfim, agora é o termo que se usa, numa determinada narrativa. A prova tem que ter maior sustentação. Este acórdão da Relação de Lisboa assume de forma absoluta que a ação da justiça agora se faz na perspetiva do follow the money [seguir o caminho/rasto do dinheiro].
É uma forma clássica de se investigar a criminalidade económico-financeira em todo o mundo ocidental.
O problema não é esse. O problema é que o follow the money foi alargado ao ponto em que, demonstrado que há uma determinada quantia de dinheiro que foi transferida de A para B, isso tem necessariamente de corresponder a um crime. E a partir daí vai-se à procura do crime ao ponto de o justificar quase com uma contemporaneidade entre uma transferência do dinheiro e um determinado facto. Ora, isto é extraordinariamente perigoso e é uma questão da qual o poder político não se pode alhear.
O poder político deve legislar no sentido de existir uma restrição no uso da prova indireta?
Isso é uma opção política. Temos de discutir com franqueza sobre quais são os limites da prova indireta. É a mesma coisa quando estamos a falar sobre o prazo de prescrição: se se deve contar a partir do acordo de consumação formal ou se se conta a partir do último pagamento. O que impressiona, o que é discutido nos fóruns de combate à corrupção, é a circunstância: então aqueles pagamentos todos não têm relevância penal, não são eles próprios criminalizados? Bem, o que está em causa é que o direto penal é um direito da tutela de um bem jurídico, e de um bem jurídico constitucionalmente protegido. Quando nós olhamos para os crimes de corrupção, temos de olhar para o bem jurídico que se protege. E se dizemos assim: o bem jurídico que se protege, e não vejo ninguém dizer o contrário, é a autonomia intencional do Estado. Portanto, a liberdade de decisão do Estado, do funcionário ou do político. Então, parece-me evidente que isso é posto em causa é com o acordo corruptivo. Os pagamentos em si já não ferem o bem jurídico. Portanto, se eles poderão ter relevância penal, tem de ser noutra sede. E isso, salvo melhor opinião, não cabe aos juízes.
Vamos recuperar a questão da prova indireta, que é usada em todo o tipo de processo penal. Por exemplo, no caso de Joana, uma menor algarvia que terá sido alegadamente assassinada pela mãe e por outro familiar, o corpo nunca foi recuperado. E foi com base em prova indireta que os arguidos foram condenados a penas pesadas. O mesmo aconteceu em processos semelhantes de homicídio. Só agora, quando está em causa a condenação de arguidos mediáticos com influência social e política, é que o poder político se vai preocupar com a prova indireta? A comunidade iria perceber isso?
Eu não posso ser acusado disso porque eu não era advogado nesses casos. Mas teria dito exatamente o mesmo. Temos que fazer opções: queremos um sistema mais securitário e com um maior risco de erros judiciários? Temos de ser honestos: a prova indireta implica necessariamente um aumento do risco do erro judiciário. Mas a comunidade jurídica não se choca, a sociedade não se choca com isto. E não se choca muito porquê? Porque são poderosos que são presos e as pessoas esquecem que amanhã também podem ser elas. As pessoas, no fundo, ficam de alguma forma satisfeitas por ver os poderosos sofrerem.
Novo imbróglio jurídico na Operação Marquês? “Corremos esse risco”
Vamos regressar à Operação Marquês. As três desembargadoras não acederam a um pedido do MP: a anulação da pronúncia do juiz Ivo Rosa em relação a José Sócrates. Ou seja, o ex-primeiro-ministro tem neste momento duas pronúncias: a pronúncia de Ivo Rosa por três crimes de branqueamento de capitais e três crimes de falsificação de documento e a pronúncia da Relação de Lisboa por 22 crimes. Corremos o perigo de um novo imbróglio jurídico, com duas pronúncias a correr ao mesmo tempo?
Sim, corremos. Os imbróglios jurídicos são uma característica a que a nossa Justiça também nos vai habituando.
As duas pronúncias podem ser juntas num só processo ou podem permanecer separadas e dar lugar a dois julgamentos?
Atenção: José Sócrates tem duas decisões de pronúncia mas ambas do mesmo processo: o NUIPC 122/13.8 TLSB [o número do processo da Operação Marquês]. Ao contrário do que aconteceu com Ricardo Salgado e com Armando Vara, o processo não foi separado. No caso do Sócrates, continuamos no mesmo processo.
Isso não pode causar o tal imbróglio jurídico?
Pode causar nesta perspetiva: os dois segmentos de pronúncia são absolutamente incompatíveis porque a pronúncia do juiz Ivo Rosa rejeita o raciocínio do MP e agora a decisão da Relação de Lisboa recupera a tese do MP [de que os cerca de 34 milhões de euros depositados pertencem a José Sócrates e que Carlos Santos Silva é um alegado testa-de-ferro de Sócrates].
Como é que isso se resolve?
Não faço ideia… Bom, há uma hipótese, embora limitada. Há um saneamento do processo no julgamento.
O julgamento da pronúncia do juiz Ivo Rosa ou o julgamento da pronúncia da Relação de Lisboa?
O julgamento é o do processo 122/13.8 TLSB. Há um único processo. Não há o 122-A, não há o 122-B.
As duas pronúncias serão julgadas pelo mesmo coletivo?
Sim, o julgamento será feito pelo coletivo designado para julgar o processo 122/13.8 TLSB. É verdade que, tendo havido duas pronúncias, a atuação ao abrigo do artigo 311 do Código de Processo Penal fica muito limitada. O coletivo, contudo, pode apreciar a questão como uma questão prévia e decidir se é possível fazer um só julgamento.