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Enviado especial do Observador em Doha, no Qatar
Por mais aspetos negativos que possamos reconhecer numa situação, há sempre uma qualquer maneira de dar a volta. Um exemplo prático: Ronaldo não fez um bom jogo com a Coreia do Sul, continua a ter apenas golos de grande penalidade nos últimos seis encontros apesar das oportunidades que teve à disposição, mas segue-se a Suíça nos oitavos do Campeonato do Mundo e este é provavelmente o adversário que propicia o melhor rendimento do jogador que leva cinco golos em três partidas realizadas, incluindo o hat-trick nas meias da Liga das Nações que a Seleção venceu em 2019. No entanto, e se é verdade que os números contam a verdade que queremos quando são torturados, esse é um dos poucos dados que ainda assim tem como positivos.
Zero remates enquadrados em duas tentativas, zero dribles conseguidos, uma oportunidade de golo flagrante falhada, três foras de jogo e um erro (involuntário) que acabou num golo adversário foram alguns desses números nesta partida frente à Coreia do Sul no Estádio Cidade da Educação, a pior que realizou neste Mundial do Qatar após ter estado a treinar à parte do grupo e de ser apontado como um dos possíveis poupados por Fernando Santos. Além do jogo que foi de novo pouco conseguido, ainda houve o momento mais tenso da substituição, a dúvida sobre o que se tinha na verdade passado e uma rábula com passagem e regresso à zona mista. Tudo por mais uma partida, pela possibilidade de chegar ao recorde de golos de Eusébio em fases finais de Mundiais (nove, sendo que os do Pantera Negra foram todos na edição de 1966), mas que ficou adiado. Mais do que isso, e num contexto que é muito favorável pela autêntica devoção divina dos adeptos de futebol de outros países, não conseguiu evitar que a ansiedade excessiva o levasse para uma lei de Murphy, onde tudo o que podia correr mal, correu pior.
Cristiano Ronaldo vs South Korea
• 65 minutes played
• 26 touches
• 2 shots
• 1 big chance missed
• 0/1 successful dribbles
• 1 time dispossessed
• 0/2 duels won
• 3 offsides
• 0 chances created
• 1 assist for KoreaA hall of shame performance! pic.twitter.com/PRTPefMy2F
— Aadoo #FreePalestine???????? (@Aadozo) December 2, 2022
A escolha para o onze que surpreendeu após os últimos dias (mas que CR7 queria)
Na conferência de imprensa de antevisão da partida, Fernando Santos admitiu fazer substituições na equipa por motivos físicos e disciplinares tendo em vista a densidade competitiva deste Mundial e o facto de já ter perdido provavelmente para toda a prova dois jogadores (Nuno Mendes e Danilo). “Jogar de quatro em quatro dias vai começar a doer. Cansaço causa fadiga, fadiga causa lesões… Temos de avaliar bem, depois há a questão dos amarelos, mas o mais importante é que quem entrar é porque confio, não pela parte física ou os amarelos. Ronaldo poupado? Vamos ver no treino, nem sei se é 50/50. Se não tivermos mais nenhum problema, serão 20 de campo disponíveis…”, referira o selecionador, quase que abrindo essa possibilidade.
Em condições normais, e olhando apenas para o planeamento, a projeção dos próximos compromissos e o que tem acontecido, Ronaldo seria suplente até por haver duas alternativas para a frente de ataque mediante a estratégia que fosse pensada para o encontro diante da Coreia do Sul (André Silva e Gonçalo Ramos). No entanto, cedo se percebeu que o avançado queria jogar, quase que a correr contra os minutos a menos que teve no início da época no Manchester United. E o selecionador voltou a apostar nele, numa opção que foi de forma natural muito saudada por todos os adeptos que têm em Ronaldo o seu grande ídolo, mas que até pela forma como foi trabalhando condicionado nos últimos dias poderia ter sido diferente.
O que se passou (e não se viu na TV) durante o pior jogo no Mundial
Os números supracitados mostram o jogo desinspirado que CR7 realizou contra a Coreia do Sul, o pior nesta fase final depois dos compromissos com o Gana e o Uruguai, não contando também perto de si, no apoio, com Bruno Fernandes, João Félix e Bernardo Silva. Aliás, os sites especializados não têm dúvidas em catalogar esta exibição como uma das piores ao longo deste Mundial (sendo que os jogos não podem ser vistos apenas à luz dos números), num dia em que correu tudo mal até ser substituído aos 65′ por troca com André Silva. No entanto, houve mais sinais em campo que contam tanto ou mais do que números. E não foram famosos.
???????? Coreia ???? Portugal ????????
Os números e rating da exibição de Cristiano Ronaldo ???????? na noite de hoje#Qatar2022 #FIFAWorldCup #KORPOR #RatersGonnaRate pic.twitter.com/uIgICniF6Q
— GoalPoint (@_Goalpoint) December 2, 2022
A confiança e aquele sentir de que é um verdadeiro ícone em qualquer estádio que entre no Qatar (e veremos se também na Arábia Saudita, como se fala com cada vez maior insistência…) estavam lá como sempre, num ritual já comum em que deixa os adeptos em delírio ou quando é anunciado na equipa inicial de Portugal ou surge nos ecrãs gigantes. E isso teve prolongamento na primeira tentativa de cruzamento da seleção para a área de Matheus Nunes, que mereceu aplausos e o polegar bem levantado por parte do avançado ao perceber que a ideia era colocar em si na área. A partir daí, houve outras decisões com que já não concordou tanto e percebeu-se o barafustar com alguns dos seus companheiros em lances em que não lhe passaram, como aconteceu com João Cancelo (15′), Matheus Nunes (42′) e mais alguns no segundo tempo. Por mais que vá tentando disfarçar a ansiedade crescente pela falta de golos, há pormenores que o mostram.
O que se passou no momento da substituição (sim, houve uma “pega” mas…)
O momento da substituição gerou muita conversa também pelas explicações que foram dadas por todos os protagonistas e houve de facto um bate boca mais acalorado de Ronaldo com o avançado sul-coreano Cho Gue-sung quando se encaminhava para a linha lateral, com o adversário a pedir por gestos para que fosse mais rápido a sair, o português a responder também por gestos por não ter gostado dessa atitude e a gerar-se depois um burburinho com Pepe, que foi a seguir pedir satisfações ao número 9 dos asiáticos.
https://twitter.com/FODA___SEEE/status/1598738838028832768
No entanto, apesar de tudo ser verdade e bem percetível no estádio, as imagens televisivas apanharam em paralelo uma frase do capitão quando entregava a braçadeira a Pepe. “Estás com uma presa do c****** para me tirar, f*****”, atirou, neste caso olhando claramente para a zona do banco de suplentes de Portugal em sinal de discordância pelo momento do encontro em que saiu quando o resultado estava em 1-1.
O que defendeu o selecionador após o jogo e a análise feita sempre ao coletivo
“O Ronaldo estava zangado com o jogador da Coreia, que o estava a mandar embora. O Pepe depois até foi para cima dele, estava a insultá-lo. É perfeitamente normal. Estava a responder ao jogador da Coreia. A resposta era para o jogador da Coreia, não tenho dúvidas nenhumas. Claro que ele [Ronaldo] entendeu a substituição, entendeu seguramente”, garantiu depois do encontro Fernando Santos na conferência. “Ouvi o que o jogador coreano estava a dizer. Se vir as imagens vê o Pepe a ir para cima do sul-coreano por causa disso”, acrescentou ainda a esse propósito o selecionador, relativizando aquela frase proferida por Ronaldo.
Ronaldo had 0 shots on goal for the second time at this World Cup.
He had only done that twice in his previous 4 World Cups combined. pic.twitter.com/MRBVrdMJBe
— ESPN UK (@ESPNUK) December 2, 2022
“Sabia que esta equipa da Coreia era de qualidade, que trabalha muito, que nunca desiste. Esteve sempre no jogo e tínhamos de responder com intensidade. Entrámos muito bem, explorando aquilo que eram as situações da Coreia. Fizemos um golo e criámos mais três, quatro, cinco situações. Tentámos sempre responder e, com boa organização, fomos sempre anulando. Na primeira parte, apesar de terem causado algum perigo, fomos melhores.”Para a segunda parte disse aos jogadores que tínhamos de retificar, voltar a fazer aquilo que fizemos nos primeiros 20 minutos. Estávamos a ter muitas dificuldades nas costas, a aparecerem situações de finalização. Perdemos alguma concentração. Depois, num pontapé de canto a nosso favor, acabámos por sofrer”, resumiu depois sobre o encontro, falando numa perspetiva coletiva.
A primeira passagem pela zona mista, um “toque” e o regresso para falar
Não é muito habitual Cristiano Ronaldo falar na zona mista após os encontros, sendo até mais normal fazê-lo quando recebe o prémio de MVP do jogo e passa pela conferência de imprensa e por uma outra zona de flash interview especial do patrocinador desse troféu. E quando já havia a indicação de que não falaria mais ninguém da equipa nacional, o avançado passou pelo corredor da zona mista sem falar. Mas questionado pela CNN Portugal sobre o que tinha acontecido na altura da substituição, disse apenas “isso já passou”, após fazer a curva referiu ainda um só “hoje não” para confirmar que não prestaria declarações e seguiu para a zona onde está o autocarro da equipa. Contudo, talvez pela perceção de que o momento em que saiu estava a ser mais falado do que o que pensaria e ganhar proporções, o número 7 voltou a fazer a parte inicial do caminho para falar às televisões que têm os direitos do Mundial.
“O que aconteceu foi antes da minha substituição. O jogador coreano estava a dizer-me para sair rápido e mandei-o calar-se porque não é autoridade nenhuma. Não tem de opinar, se acelerava o passo. Teria de ser o árbitro a dizer. Não tem de haver polémica. É o calor do jogo. Independentemente do que aconteceu, as coisas ficam sempre dentro de campo. O mais importante é que temos de estar unidos. Estamos na próxima fase. Não só jogadores mas também os portugueses têm de estar confiantes. Ninguém gosta de perder, sabíamos de antemão que já estávamos qualificados. Sabíamos que teria de haver quase um pequeno milagre para não passarmos em primeiro. Não quero justificar-me com isso. Há que aprender com as lições. Temos de aprender connosco quando não jogamos bem. Espero que possamos aprender com esta derrota para que no próximo jogo, que é um mata-mata, ganhemos e passar à fase seguinte”, comentou.
A presença da família junto a si no Qatar (faltando apenas a mãe que vai a caminho)
Georgina Rodríguez, namorada de Ronaldo, e os filhos já tinham chegado ao Qatar, também a irmã Kátia está no país e a mãe Dolores vai a caminho. O português, que sempre foi muito ligado à família e que mais ficou ainda depois de tudo o que se passou ao longo deste ano de 2022, passa a contar com uma ajuda extra neste Campeonato do Mundo, à semelhança de outros companheiros. A irmã falou mesmo à CNN Portugal sobre o momento do avançado e até a reação que teve no momento em que estava a ser substituído.
“Já temos uma bagagem de muitos anos. Sentimos a ansiedade. A minha mãe vibra desde o início da carreira do meu irmão. Nesta fase, ela já vai preparada para muita coisa. É só desfrutar deste Mundial, que possivelmente será o último Mundial dele. O foco é esse: desfrutar destes últimos momentos. É o que todos os portugueses deviam fazer, desfrutar desta fase final da carreira do Cristiano. Vou falar como portuguesa e não como irmã: acho que todos devemos ser gratos por tudo aquilo que ele fez, por tudo aquilo que ele trabalhou, por tudo aquilo que ele conquistou nos últimos anos. Não há nenhum português que tenha conquistado aquilo que ele conquistou. Sou uma portuguesa muito orgulhosa por aquilo que ele conquistou. Este é o Mundial para ficarmos com a tal nostalgia. Ele vai fazer 38 anos, possivelmente será o último Mundial dele e eu, como adepta de futebol e irmã, sinto já saudade. Vai ser muito difícil assistir aos jogos da seleção quando ele sair. Substituição? Acho que nenhum jogador gosta de ser substituído”, referiu.
O que se segue, entre a continuidade como titular e a ambição de (mais) recordes
Portugal vai agora ter mais 24 horas de descanso por ter terminado o grupo em primeiro, o que faz com que jogue apenas na terça-feira frente frente à Suíça e não na segunda com o Brasil, como poderia ter acontecido caso perdesse a liderança. Assim, as contas são fáceis de fazer: sábado com um treino de recuperação para os mais utilizados da partida e “normal” para os restantes, domingo mais um treino que será o primeiro a preparar de forma mais direta o jogo dos oitavos com os suíços, na segunda-feira o último apronto e as conferências de imprensa, na terça-feira o encontro. Neste caso, sem qualquer margem de erro: quem perder, sai.
Fernando Santos irá analisar o que se passou de bom e de mau contra os sul-coreanos, surgindo os nomes de Diogo Dalot e Vitinha como principais jogadores capazes de se mostrarem titulares também para o arranque da fase a eliminar da competição.
Já em relação a Ronaldo, mais do mesmo: será titular, será de novo o maior destaque para todos os presentes no Estádio Lusail que volta a receber Portugal depois da vitória com o Uruguai, será capitão, será o maior foco de tudo e todos. Depois, e a par disso, tentará fazer o que motivou a que voltasse a merecer lugar na equipa em vez de descanso: golos e (mais) recordes. Uma coisa parece ser certa – entrando numa fase a eliminar, o jogo com a Coreia do Sul foi de rutura ou de viragem.