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Trump e Kamala. E se acontecer um empate no colégio eleitoral?

Já aconteceu por três vezes, em 1800, 1824 e 1836. Há sempre a regra do “winner takes all”. Mas se acontecer, a Câmara dos Representantes escolherá o novo Presidente e o Senado elegerá o vice.

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Costuma dizer-se que por um voto se ganha por um voto se perde, mas quando votam mais de 160 milhões de eleitores, como deverá suceder nos Estados Unidos, a possibilidade de os dois candidatos receberem o mesmo número de votos é praticamente nula. No entanto, como nos Estados Unidos quem elege o Presidente é um colégio eleitoral e esse colégio eleitoral é formado a partir das maiorias obtidas estado a estado, não é impossível que possa acontecer um empate. Aliás, já aconteceu – e logo por três vezes: nas eleições de 1800, de 1824 e de 1836.

Nesta eleição de 2024 praticamente nenhum cenário de divisão dos “swing states” aponta para a hipótese de um empate a 269 grandes eleitores (é assim que se designam os membros do colégio eleitoral). A hipótese de que mais vezes se fala é a de um dos distritos do Nebraska votar em Trump e não em Harris, como deverá acontecer – isto porque o Nebraska é um dos únicos dois Estados em que os grandes eleitores não são todos atribuídos ao candidato com mais votos. Essa atribuição de 100% dos grandes eleitores a um candidato, mesmo que este tenha vencido tangencialmente, como sucedeu no ano 2000 na Flórida, na famosa disputa entre Al Gore e George W. Bush, é a chamada regra do “winner takes all”.

Mas no caso improvável de acontecer o tal empate, o que está previsto é que seja a Câmara dos Representantes a escolher o novo Presidente e o Senado a eleger o novo vice-presidente. Mas antes de explicarmos melhor como é que isso se passa, recordemos o que se passou no passado.

Três eleições decididas no Congresso

Nas eleições de 1800 as regras eram diferentes das atuais. Nessa altura, cada membro do colégio eleitoral dispunha de dois votos e era Presidente quem reunisse mais votos no colégio eleitoral. Nessa eleição concorriam de novo John Adams, o presidente em exercício, e Thomas Jefferson, que era seu vice-presidente e tinha sido o candidato derrotado no voto popular em 1796. Na altura a disputa era entre federalistas e democrático-republicanos.

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Nessa eleição ambos os partidos apresentaram também um candidato à vice-presidência, sendo que Thomas Jefferson concorria em conjunto Aaron Burr. Problema: quando se contaram os votos no colégio eleitoral, tanto Jefferson como Burr somaram o mesmo número de votos, 73. A decisão passou para o Congresso, que surpreendentemente teve de repetir 36 vezes o escrutínio antes de confirmar Jefferson.

Em 1800 Thomas Jefferson concorria em conjunto Aaron Burr [para vice]. Problema: quando se contaram os votos no colégio eleitoral, tanto Jefferson como Burr somaram o mesmo número de votos, 73. A decisão passou para o Congresso, que surpreendentemente teve de repetir 36 vezes o escrutínio antes de confirmar. Jefferson

Este primeiro empate originou uma emenda constitucional, aprovada em 1804, que passou a distinguir o voto para Presidente do voto para vice-presidente no colégio eleitoral.

Daí que o problema em 1824 já tenha sido diferente. Nesse ano concorreram quatro candidatos, todos do partido democrático-republicano, e nenhum deles conseguiu a maioria dos grandes eleitores. O mais votado foi Andrew Jackson, mas quando a votação passou para o Congresso o candidato que ficou em segundo lugar, John Quincy Adams (filho de John Adams), fez um acordo com o candidato que chegara em quarto lugar e conseguiu ser eleito Presidente. Andrew Jackson consideraria esta manobra uma fraude, abandonaria o partido democrático-republicano e fundaria um novo partido que está na origem do actual partido democrata. Jackson, que é hoje considerado por muitos como tendo sido o primeiro candidato populista, acabaria depois por ser eleito em 1828 e 1832, cumprindo dois mandatos como Presidente.

A terceira vez em que foi necessário passar decisão para o Congresso foi na eleição 1836, quando uma parte dos delegados da Virgínia se recusou a votar no vice-presidente, o que obrigou o Senado a intervir.

Uma surpresa de dezembro?

Desde então nunca mais foi necessário recorrer ao Congresso para desempatar uma corrida à Presidência ou à vice-presidência, mas este último exemplo de 1836 recorda-nos que nem todos os delegados eleitos pelos Estados estão formalmente obrigados a votar de acordo com a regra de que todos os super-eleitores de um Estado entregam os seus votos ao candidato mais votado nesse estado. Aliás em 2016 ouve mesmo um super-eleitor do Estado do Texas, curiosamente um republicano, que se recusou a votar por Donald Trump numa eleição em que isso não mudou nada, já que este dispunha de uma confortável maioria no colégio eleitoral.

epaselect epa11574447 Former US President and current Republican presidential nominee Donald Trump speaks at a campaign rally in Johnstown, Pennsylvania, USA, 30 August 2024. Trump spoke about energy development in the battleground state, as well as vice president and Democratic presidential nominee Kamala Harris’s stance on fracking.  EPA/JIM LO SCALZO
Em 2016 ouve mesmo um super-eleitor do Estado do Texas, curiosamente um republicano, que se recusou a votar por Donald Trump numa eleição em que isso não mudou nada, já que este dispunha de uma confortável maioria no colégio eleitoral.

Ou seja, no limite pode acontecer termos um resultado muito apertado no colégio eleitoral, 270 delegados contra 268 por exemplo, bastando a mudança de voto de um só dos super-eleitores para um empate. Improvável? Sem dúvida. Mas imaginem que um dos candidatos tem vantagem no colégio eleitoral mas perdeu no voto popular e um dos super-eleitores opta por seguir… a indicação do voto popular.

Já agora refira-se que já aconteceram cinco eleições presidenciais nos Estados Unidos em que o Presidente eleito não foi aquele que recolheu mais votos populares: aconteceu em 1824, em 1876 (uma eleição que ia reabrindo a guerra civil), em 1888 (nesse ano foi o Estado de Nova Iorque a decidir a eleição, e por uma margem estreitíssima), e mais recentemente nos anos 2000 em 2016.

Houve também uma eleição, a de 1880, em que se bateram todos os recordes de eleição apertada: a diferença no voto popular entre os dois candidatos foi de apenas 0,1%, sendo que no Estado da Califórnia a diferença foi de somente 94 votos.

Como funcionaria um desempate em 2024

Regressamos no entanto a 2024 para tentar perceber o que acontecerá caso se registe um empate no colégio eleitoral e a decisão passe para o Congresso.

Ao contrário do que sucedia no século XIX, em que o Congresso só tomava posse em março, o próximo Congresso deverá tomar posse logo a 2 de janeiro de 2025, isto é, mesmo antes de se reunir para a ratificação dos resultados, o que sucederá a 6 de janeiro.

Por outras palavras, havendo empate será já o novo Congresso a decidir qual o próximo Presidente, naquela que é designada como “eleição contingente”.

E como é que o Congresso decide?

No caso da Câmara dos Representantes, que teria de escolher o novo Presidente, a votação não se faria representante a representante, mas Estado a Estado, o que também é uma originalidade, cabendo um voto a cada Estado. Isto pode significar uma vantagem para Trump, pois os republicanos até podem perder a pequena maioria de que hoje dispõem na Câmara dos Representantes, mas se contarmos Estado a Estado isso dificilmente acontecerá.

Para a vice-presidência será o Senado a votar e aí é difícil saber o que pode acontecer pois é possível que os democratas percam a maioria nestas eleições – é aliás para onde apontam as sondagens, mas sondagens são apenas sondagens.

Tudo visto e revisto não é impossível que este sistema nos dê um Presidente de um partido e um vice-presidente de outro partido, basta existirem maiorias diferentes nas duas câmaras do Congresso. É porventura o cenário mais improvável – e mais irreal – de todos, mas numa altura em que todos os cenários estão em aberto ou melhor é não descartar.

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