787kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

i

LUSA

LUSA

Um pai a chorar por falta de justiça e 16 militares absolvidos aos abraços. Como foi a decisão do caso das mortes dos Comandos

Pai de um dos dois comandos mortos não conteve as lágrimas com a decisão de condenar apenas três arguidos a penas suspensas de dois e três anos. Os 16 militares absolvidos abraçaram-se no tribunal.

Começou por estar sentado num canto da sala, de mãos dadas com a companheira, enquanto segurava as lágrimas nos olhos. Só depois de reorganizados os lugares do rés do chão do Tribunal Central Criminal, no Campus da Justiça, em Lisboa, para cumprir as normas sanitárias, é que Vítor Silva — pai do segundo comando a morrer durante a instrução do 127.º curso — mudou de lugar. Ficou sentado atrás dos advogados, ao lado dos restantes assistentes no processo, e a olhar de frente para 17 dos 19 arguidos presentes na primeira fila da audiência. Foi em direção a eles que manteve sempre preso o olhar, enquanto a juíza revelava que, de todos os arguidos, só três seriam condenados a penas entre os dois e os três anos, e mesmo assim suspensas pelo mesmo tempo.

Nesta tarde de segunda-feira, Vítor Silva conseguiu segurar sempre as lágrimas e manter-se em silêncio. Depois de uma hora de sessão, abandonou a sala como que desorientado, agarrado à companheira, e acabou por não conter-se mais já na rua, à porta do tribunal, enquanto respondia aos jornalistas. “Se eu acredito na Justiça? O meu filho morreu há mais de cinco anos!”.”Se eles cometeram um crime deviam estar presos.” Eles, os militares, que minutos antes se abraçavam à porta do tribunal— felizes pela decisão do coletivo de juízes (entre os quais um militar) que deixou cair a maior parte dos 539 crimes de abuso de autoridade por ofensa à integridade física.

Lá dentro, na sala, numa audiência que chegou a estar prevista para setembro e acabou empurrada para esta segunda-feira por causa de uma alteração à acusação, a sessão arrancou com uma hora de atraso, pelas 15h00. Isto porque implicou uma mudança de sala para que todos os 17 arguidos presentes (dois faltaram, um deles o médico arguido, por ter Covid-19), assistentes, familiares e jornalistas se sentassem com a devida distância de segurança. Depois de uma sala cheia, houve quem acabasse lá fora à espera por falta de lugar.

Tribunal considerou que grande parte das agressões reportadas pelo Ministério Público não ficaram provadas, assim como quem as fez.

No despacho de pronúncia são descritos vários episódios de violência entre instrutores arguidos e instruendos ofendidos, como socos e bofetadas. Mas, para o tribunal, em muitas destas situações não foi possível identificar o agressor. E naquelas em que a identificação de um autor era possível, “ficaram por demonstrar” as provas de que as agressões realmente ocorreram.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Para o tribunal, a acusação do Ministério Público chega a ser contraditória. Uma dessas contradições apontadas pela juíza está relacionada com o médico Miguel Domingues, que para o Ministério Público permitiu que os militares chegassem a um estado de exaustão limite, vendo-os a vomitar e até a desmaiar sem nada ter feito para o impedir. A juíza diz que, na acusação, tão depressa se diz que ele não permitiu que eles bebessem água como se diz que ele deu água aos instruendos. Neste ponto, o que a pronúncia consultada pelo Observador refere é que o médico só aceitava na tenda que servia de enfermaria quem já não conseguia movimentar-se. E que, a dada altura, pelo facto de a tenda estar lotada, permitiu a alguns formandos que bebessem seis a oito tampas de água. O tribunal considerou mesmo haver falhas no despacho da acusação, como a referência à causa de morte de Hugo Abreu que fala em asfixia, quando ele morreu “por calor “e não por asfixia” como alegou a acusação.

Comandos. As 20 horas que mataram os dois recrutas

Vítimas “camuflaram” os sintomas até ao limite, diz o tribunal

O tribunal considerou ainda que Hugo Abreu, o primeiro comando do curso a morrer, não mostrou sinais de se estar a sentir mal. “Ficou demonstrado que assim que demonstram mau estar físico foram retirados da instrução”, disse a juíza. Também Dylan da Silva foi levado quando já não conseguia falar nem segurar-se de pé. Hugo Abreu e Dylan Silva durante a instrução “nunca se queixaram”  e “conseguiram camuflar os sintomas até ao limite”.

Já em relação a Ricardo Rodrigues, o instrutor dos Comandos que acabou com a pena mais alta aplicada, de três anos (aquém dos dez anos pedidos pelo MP), o tribunal considerou que “extrapolou” os deveres que lhe foram conferidos”, o que se reflete “de forma negativa” na instituição militar e que o seu comportamento foi de “elevada censurabilidade”. Também a atuação de Lenate Miguel Inácio lhe valeu uma pena suspensa de dois anos e a Pedro Morais Fernandes uma de dois anos e três meses de prisão. Os três ficam assim em liberdade.

Absolvidos foram Mário Maia (que vinha acusado de 26 crimes de abuso de autoridade por ofensa à integridade física), Rui Monteiro (de 30 crimes), Hugo Pereira (9), Tiago Costa (9), José Moreira da Silva (1), Cristiano Vaz Monteiro (quatro), Miguel Almeida (sete), Nuno Jesus Pinto (dois), Gonçalo Fulgêncio (69), Tiago Arsénico (67), Fábio António (69 crimes), Joel Filipe Gonçalves (68), José da Silva Pires (69), Messias de Carvalho (10), Miguel Maia Domingues (29) e João Peixoto Coelho (1)

Sessão teve que mudar de sala para acolher todos os arguidos e assistência

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Advogados das vítimas com esperança de que Tribunal da Relação faça justiça e lhes dê razão, como já fez antes

À saída do tribunal, depois de arguidos e familiares das vítimas dispersarem, os dois advogados que representam as famílias de Hugo Abreu e Dylan mostraram as sua insatisfação aos jornalistas e garantiram um recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, neste caso, já lhes deu razão duas vezes.

“As condenações são claramente insuficientes”, começou por dizer o advogado Ricardo Sá Fernandes, que representa Hugo Abreu (assim como o inspetor da Polícia Judiciária Militar Vasco Brazão, que investigou este caso e que foi recentemente condenado no caso Tancos).

“Chamo à atenção que este tribunal, no início do julgamento, pretendeu que os pedidos cíveis não fossem julgados neste processo, nós recorremos para a Relação, ganhámos e os pedidos cíveis foram aqui incluídos e, mais tarde, o Estado veio a fazer um acordo com as famílias dessas vítimas. Neste acórdão, o tribunal entendeu que não era competente para julgar matérias de crimes não estritamente militares, designadamente as condutas homicidas, que são o mais grave que aconteceu aqui neste processo”, disse. Uma competência que, no seu entender, cabe a este tribunal, “sob pena de cairmos numa situação kafkiana de termos que ir para um tribunal civil, não incluindo o militar, julgar essas condutas”.

Mortes nos Comandos: condenados três dos 19 arguidos acusados. Advogados da vítima ponderam pedir anulação do julgamento

“Estamos convencidos de que esse grau de absurdo ainda não chegou à Justiça portuguesa e que, portanto, o tribunal da Relação determinará que o que foi aqui apurado relativamente a condutas homicidas, que tiveram por vítimas Hugo Abreu e Dylan da Silva, serão devidamente julgadas e apreciadas”, disse o advogado.

"Esta solução do tribunal de entender que os crimes civis não estritamente militares, permitiu atirar para debaixo do tapete a matéria mais importante que estava em causa neste julgamento e que tem a ver com as condutas que alguns destes militares tiveram e que levou à morte de Hugo Abreu e Dylan da Silva É inaceitável"
Advogado Ricardo Sá Fernandes

Já Miguel Santos Pereira, advogado de uma das vítimas, disse ter sentido ao longo da leitura do resumo do acórdão que as famílias quase tiveram que pedir desculpa ao tribunal pela morte dos seus familiares.

“Era só o que faltava, neste caso os pais perderam os filhos, mas era tudo normal. Houve ali um dado momento em que o tribunal disse que, uma vez que a preparação tinha em vista um cenário de guerra, tudo era permitido. Então, eventualmente, mesmo que um instrutor tivesse dado um tiro num instruendo, não seria condenado”, criticou.

“Esta solução do tribunal de entender que os crimes civis não estritamente militares, permitiu atirar para debaixo do tapete a matéria mais importante que estava em causa neste julgamento e que tem a ver com as condutas que alguns destes militares tiveram e que levou à morte de Hugo Abreu e Dylan da Silva É inaceitável”, concluiu Ricardo Sá Fernandes.

O 127º curso de Comandos arrancou com 67 instruendos. Na madrugada de 4 de setembro de 2016, os 67 foram levados para o Campo de Tiro de Alcochete e divididos em quatro grupos para dar início à chamada “Prova Zero”, uma prova que serve para testar os limites do corpo e da mente dos militares e afastar aqueles que não a conseguem superar.

Às 16h00, além de Hugo Abreu e Dylan Silva, outros 20 instruendos do 127º Curso de Comandos estavam a soro na enfermaria quando foi decidido  suspender a instrução. O estado de saúde de Hugo Abreu e Dylan Silva foi piorando. Às 20h36, o primeiro teve uma paragem cardíaca e acabou por morrer. Já Dylan Silva foi transferido para o Hospital do Barreiro nessa noite e, mais tarde, para o Hospital Curry Cabral. Acabaria por morrer a 10 de setembro.

Assine por 19,74€

Não é só para chegar ao fim deste artigo:

  • Leitura sem limites, em qualquer dispositivo
  • Menos publicidade
  • Desconto na Academia Observador
  • Desconto na revista best-of
  • Newsletter exclusiva
  • Conversas com jornalistas exclusivas
  • Oferta de artigos
  • Participação nos comentários

Apoie agora o jornalismo independente

Ver planos

Oferta limitada

Apoio ao cliente | Já é assinante? Faça logout e inicie sessão na conta com a qual tem uma assinatura

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.

Assine por 19,74€

Apoie o jornalismo independente

Assinar agora