O coletivo de juízes que julgou os militares acusados no caso da morte de dois comandos, condenou apenas três dos 19 arguidos a penas suspensas entre os dois e os três anos de prisão por um crime de abuso de autoridade por ofensa à integridade física cada um. Os restantes 16 foram absolvidos. Em causa estavam um total de 539 crimes previstos no Código de Justiça Militar. A juíza que leu um resumo do acórdão deixou claro que o facto de os arguidos terem sido acusados à luz da lei militar “inviabiliza este tribunal de retirar as consequências que deviam ser extraídas”. Ideia que os advogados que representam as famílias das vítimas contestam, sendo que um deles pondera mesmo pedir a anulação do julgamento.

Entre os três condenados está o instrutor dos Comandos, Ricardo Rodrigues, com uma pena de cadeia de três anos, já Lenate Miguel Inácio foi condenado a dois anos e Pedro Morais Fernandes a dois anos e três meses de prisão. Ainda assim, as penas foram suspensas, pelo que vão ficar em liberdade.

A decisão foi conhecida esta tarde de segunda-feira, mais de cinco anos passados da morte dos dois recrutas dos Comandos Dylan da Silva e Hugo Abreu, em setembro de 2016, — depois de uma alteração aos factos da acusação comunicada aos advogados em setembro. A sessão estava prevista para as 14h00 numa sala do terceiro piso do Tribunal Central Criminal, no Campus da Justiça, em Lisboa, mas por causa do número de arguidos e de assistentes na sala acabou por ser mudada para uma sala maior no primeiro piso, a fim de serem cumpridas as regras sanitárias impostas pela Direção Geral da Saúde por causa da Covid-19.

A procuradora  do julgamento, Isabel Lima, tinha pedido a condenação para cinco dos arguidos a penas de prisão entre dois e 10 anos de cadeia:

  1. O Instrutor dos Comandos Ricardo Rodrigues com pena de prisão até 10 anos.
  2. O médico Miguel Domingues, também acusado de abuso de autoridade com ofensa à integridade física, a cinco anos de prisão, pena passível de ser suspensa na execução.
  3. O diretor da “prova zero”, o tenente-coronel Mário Maia, a procuradora pediu a sua condenação a uma pena de dois anos de prisão, suspensa por igual período.
  4. Pedro Nelson Morais, a uma pena de dois anos suspensos
  5. Lenate Inácio, a uma pena de dois anos suspensos

Depois da decisão do tribunal, cujo coletivo foi constituído por um militar, a procuradora anunciou logo que ia recorrer, sobretudo em relação à pena aplicada a Mário Maia e a Miguel Domingos. Irá também recorrer em relação a Ricardo Rodrigues.

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Já à saída do tribunal, o pai de Dylan da Silva disse não acreditar na Justiça. “Se eles cometeram um crime deviam estar presos”, disse Vítor Silva, que não conseguiu conter as lágrimas. Já os advogados que representam as vítimas, Ricardo Sá Fernandes e Miguel Santos Pereira, anunciaram aos jornalistas que iram recorrer uma vez que do seu ponto de vista o tribunal era competente para analisar os crimes previstos no Código Penal.

 “Nós entendemos que este tribunal tinha competência para apreciar estas condutas sob pena de cairmos numa situação kafkiana de termos que ir para um tribunal civil, não incluindo o militar, julgar essas condutas. Estamos convictos que esse grau absurdo ainda não chegou à Justiça portuguesa e que o tribunal da Relação determinará que o que foi aqui apurado relativamente a condutas homicidas que tiveram por vítimas Hugo Abreu e Dylan da Silva serão devidamente julgadas e apreciadas”, disse Ricardo Sá Fernandes.

Já Miguel Santos Pereira, que representa a família de Dylan Silva, pondera mesmo anular o julgamento uma vez que a certa altura foi impedido de assistir ao julgamento e só conseguiu regressar depois de uma decisão da Relação. Logo foi impedido de garantir a defesa do seu cliente.

O 127º curso de Comandos arrancou, em setembro, com 67 instruendos. Na madrugada de 4 de setembro de 2016, os 67 foram levados para o Campo de Tiro de Alcochete e divididos em quatro grupos para dar início à chamada “Prova Zero”, uma prova que serve para testar os limites do corpo e da mente dos militares e afastar aqueles que não a conseguem superar.

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Às 16h00, além de Hugo Abreu e Dylan Silva, outros 20 instruendos do 127º Curso de Comandos estavam a soro na enfermaria quando o capitão Rui Monteiro tomou a decisão de suspender a instrução. O estado de saúde de Hugo Abreu e Dylan Silva foram piorando. Às 20h36, o primeiro teve uma paragem cardíaca e acabou por morrer. Já Dylan Silva foi transferido para o Hospital do Barreiro nessa noite e, mais tarde, para o Hospital Curry Cabral. Acabaria por morrer a 10 de setembro.

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(Artigo corrigido quanto ao pedido de anulação do julgamento, uma ponderação apenas do advogado Miguel Santos Pereira)