Desde que assumiu a presidência do Benfica, em 2003, Luís Filipe Vieira e o próprio clube têm vindo a mudar de forma constante, até a esta inédita conquista do tetracampeonato nacional. Hoje, o líder das águias já não é aquela figura que fala muito (e nem sempre bem, longe disso) e invade estúdios de TV indignado com o que se está a dizer; fala menos, está menos exposto, tem uma estrutura profissional onde cada um sabe bem o que fazer. E ganha mais. Mais no plano interno, mais na competição com os maiores rivais, FC Porto e Sporting. O Benfica transformou-se numa multinacional que não estagna e coloca os olhos na inovação para se desenvolver cada vez mais. E Luís Filipe Vieira, como número 1 de todo esse processo, acaba por ser o maior obreiro dessa transformação.
A, de ambição
Luís Filipe Vieira é aquele tipo de gestor que nunca está contente com o que tem. Um exemplo, real: entrou no Benfica numa situação caótica, com receitas diminutas dentro dos milhões que um clube grande acaba sempre por gerar. Depois, vai perguntando pelo valor que se estima no final do ano. E pede mais. Foi pedindo, pedindo, fazendo também por isso dentro da sua esfera, e hoje os encarnados conseguem ultrapassar os 200 milhões de euros de receitas, algo impensável em 2003. Também investe, claro, mas investe na perspetiva do retorno. Arrisca. E petisca.
B, de Bruno de Carvalho
É a grande rivalidade do futebol português na atualidade. E, no rescaldo do último dérbi, chegou a limites que ninguém conseguiria prever. Acusações graves, de parte a parte, que devem chegar mesmo aos tribunais. De relações cortadas desde fevereiro de 2015, o Sporting tem feito ataques cerrados ao eterno rival, mas a verdade é que o Benfica continua a sair por cima. Também pela forma como Luís Filipe Vieira, de forma inteligente, consegue passar mensagens sem dar a cara, ao contrário do homólogo verde e branco. O líder encarnado sempre teve os seus arrufos com presidentes leoninos, mas o choque com Bruno de Carvalho foi frontal. E, até agora, tem sido mais forte.
C, de Champions
Seja por uma questão financeira, seja por razões de prestígio, seja por respeito à própria história do clube na Europa, o Benfica continua a centrar atenções na Champions. E em 2014, por exemplo, havia o secreto desejo (gorado, de forma precoce) de poder ir o mais longe possível, sem nunca o assumir, da competição que teria a final no estádio da Luz. Luís Filipe Vieira tem consciência das diferenças astronómicas que existem hoje em relação a ligas mais fortes como a de Espanha, a da Alemanha ou a de Inglaterra, mas pelo menos quer estabilizar os encarnados entre os oito/16 melhores da principal prova europeia. O que tem conseguido. Mas sonha com mais.
D, de direitos televisivos
Foi uma das jogadas estratégicas mais arrojadas mas, em paralelo, que mais mexeu com a questão dos direitos televisivos e com os conteúdos dos canais desportivos. A então Benfica TV, hoje simplesmente BTV, começou a uma dimensão mais discreta em 2008 e a cumprir os “requisitos mínimos”, que eram máximos para os seguidores: com os jogos da formação e das modalidades já se fazia a festa. Com o tempo, o clube foi investindo mais e mais, contratou jornalistas de renome no meio, assegurou os jogos do Brasileirão e, após ter ficado com os direitos dos jogos da equipa principal em casa, comprou também a Premier League, a Serie A e a Ligue 1. Passou a ter dois canais. Rivalizou a sério com a Sport TV. Depois, quando sentiu que aquilo que achava justo pelos direitos dos seus jogos já era mais ouvido no exterior, deixou de ter as ligas estrangeiras, voltou a ter um canal apenas e, em 2016, vendeu os direitos à NOS por dez anos, num negócio com valor estimado de 400 milhões de euros.
E, de estrutura
Agora, com o tempo, as pessoas começam a perceber o que é verdadeiramente a tal estrutura de que todos falam. Deixemos agora de parte as questões das cartilhas (que existem) ou influências nos centros de decisão, como os rivais acusam. O que é isso então da estrutura? É ter as pessoas certas nos lugares certos; é perceber o que realmente importa para dar condições a quem trabalha para dar o seu melhor; é ter uma equipa vasta, porque sem investimento é muito difícil ter retorno, mas reduzir as grandes decisões a um núcleo-duro. O Sporting, por exemplo, até pode tentar agir, mas os poucos resultados que tem é quando reage; já o Benfica recusa-se a reagir, porque agiu anteriormente e antecipou a questão. Ainda se recorda da última polémica ligada ao futebol dos encarnados? Provavelmente não. Mas dos rivais lembrar-se-á de certeza. Essa é uma das grandes diferenças. E não é por acaso que Jorge Jesus, que passou seis anos na Luz, utiliza tantas vezes essa palavra: a estrutura.
F, de formação
O investimento na formação, que é mais mediático no futebol, mas que se tornou transversal a todas as modalidades, começa a dar os seus frutos mais de dez anos depois da inauguração do Caixa Futebol Campus e, em termos práticos, rivaliza com aquela que é a maior joia da coroa do Sporting. A nível de resultados, à exceção de 2006, ano em que os leões venceram as três categorias nacionais, existe equilíbrio entre Benfica, FC Porto e Sporting. A nível de chamadas às várias Seleções Nacionais, os encarnados começam a dominar na maioria dos escalões. A nível de investimento, se os outros fazem algum, as águias fazem muito e o simulador 360S, ou Cubo Mágico, é exemplo paradigmático disso mesmo. Em paralelo, existe um outro ponto mais “político”: a forma como se apresenta a formação pode abrir muitas portas a negócios lucrativos noutros mercados e, nesse aspeto, o Benfica tenta correr atrás do Sporting, que tem uma história de Bolas de Ouro (Figo e Ronaldo) a servir como cartão de visita indiscutível.
G, de gratidão
É uma das principais características de Luís Filipe Vieira. O presidente do Benfica não gosta de ter concorrência aberta no clube, mas também não tem por costume fazer campanha. Tenta mostrar resultados, que até tem para mostrar. Mas, se repararmos atentamente, são raros, raríssimos, os grandes símbolos das águias que não surgem de forma regular em eventos dos encarnados ou nos movimentos de recandidatura de Vieira à liderança. E porquê? Porque o próprio Vieira, ao assegurar que continua a envolver as referências para os mais novos nas ações do Benfica, revela uma gratidão pelo que fizeram em termos históricos, o que depois cria um sentimento recíproco.
H, de hotel
Investimento puxa investimento, ideia puxa ideia e eis que poderá estar para breve o nascimento do primeiro hotel temático do Benfica, numa zona nobre da cidade de Lisboa. O projeto já tinha sido pensado antes, mas o impacto que a abertura de lojas do clube em pontos nevrálgicos da capital teve a nível de retorno parece ter acelerado a ideia. Mas, voltando ao ponto de cima, os símbolos encarnados também não são esquecidos e outro dos projetos há muito equacionados tem a ver com uma residência sénior para antigos jogadores. Para completar a trilogia, os mais novos, aqueles que vivem no Seixal em regime de internato, não passam ao lado e o clube tem vindo a estudar as melhores soluções para tentar puxar para si também a parte educacional, num modelo que não estará fechado.
I, de infraestruturas
Por razões lógicas, este é o ponto onde é mais fácil de perceber e percecionar o salto que o Benfica conseguiu dar na gestão Vieira: além do estádio da Luz, que já tinha arrancado nos tempos de Manuel Vilarinho, os encarnados juntaram às piscinas dois pavilhões com capacidade superior a dois mil espetadores e inauguraram o Caixa Futebol Campus (e mais tarde o Museu). É aí, no centro de formação do futebol, que surgirão os próximos investimentos, com a construção de mais cinco a seis campos, 29 quartos (que darão para albergar mais 58 jovens) e melhoramentos no Benfica Lab. Em paralelo, e no seguimento do reforço que as águias têm vindo a realizar a nível de Projeto Olímpico, está prevista a construção de um Centro de Alto Rendimento na área metropolitana de Lisboa.
J, de Jiménez
Foi a contratação mais cara de sempre: para assegurar a totalidade do passe de Raúl Jiménez, o Benfica fez um investimento de 22 milhões de euros. É muito? Sim. Mas o caso do mexicano mostra algo que se tem adensado nos últimos anos: os encarnados só arriscam este tipo de negócios quando têm a certeza que nunca ficarão de mãos a abanar a nível de ativo. Isto não quer dizer que o clube tenha uma varinha mágica para acertar todos os negócios, mas a verdade é que as contratações mais caras acabam sempre por sair por bem mais do que chegaram. E isto só acontece porque foi feito um longo trabalho para criar relações privilegiadas com empresários e até alguns clubes que funcionam como “rede de segurança” quando algo corre mal (como aconteceu com Roberto).
K, de know how
Quem é o melhor desta área? É este. E o melhor desta área? É este. E se pensarmos em criar esta área? É este. “Tu vens, tu vens, tu vens. Mas atenção, quero resultados.” A cabeça de Luís Filipe Vieira é muito prática em relação à abordagem que toma nesta espécie de multinacional que tem nas mãos: para os lugares-chave, procura os melhores. Mesmo que os melhores, num caso em específico, não sejam propriamente do Benfica. Depois, fecha o núcleo das grande decisões a poucas pessoas, muito poucas, e traça as linhas gerais para cada responsável falar com a sua equipa e delinear uma estratégia para atingir os objetivos propostos. Este é o Benfica de hoje, com a nuance de ir sempre aumentando as metas a alcançar. Parece simples, mas não será assim tanto. Caso contrário, os maiores rivais já estariam mais próximos da máquina das águias do que aparentam agora (não) estar.
L, de Luz
Além de continuar a manter o número mais elevado de espectadores todas as temporadas, a verdade é que o estádio da Luz vai conseguir este ano a melhor média de sempre a nível de pessoas por jogo e, ao mesmo tempo, tem funcionado como fonte de receita extra através da criação de novos espaços corporate, que registam uma grande expansão na procura. O recinto que celebrou este sábado o sexto Campeonato Nacional desde que foi inaugurado, em 2003, serve também de prova nessa procura pela otimização de recursos e aumento dos ganhos.
M, de modalidades
O Sporting fez este ano um forte ataque ao Benfica a nível de modalidades, não só pelo aumento dos orçamentos mas também pelo desvio de figuras dos encarnados como Nélson Évora (Telma Monteiro preferiu ficar na Luz). Ainda assim, e olhando para as cinco grandes modalidades de pavilhão, os encarnados estão a disputar os títulos no basquetebol, no futsal, no voleibol e no hóquei em patins, tendo ainda reforçado algumas secções como a natação ou o triatlo. Na próxima temporada, é crível que as águias surjam com ambições ainda mais altas, melhorando as que estão bem (exemplo de hóquei em patins, com a entrada do jovem internacional Vieirinha, ex-OC Barcelos) e fazendo substanciais alterações na única que dececionou, o andebol, que terá um novo treinador (Carlos Resende) e algumas contratações sonantes, duas ou três vindas do ainda atual campeão ABC. A hipótese de fazer regressar o ciclismo também tem sido muito falada no último ano e meio.
N, de No Name Boys
É uma espécie de pedra no sapato do atual momento de Luís Filipe Vieira. Oficialmente, o Benfica explica que não apoia grupos de adeptos e que considera não haver exceções entre sócios, que devem ser todos tratados por igual. Mas a verdade é que as claques existem, todos sabem onde estão e quem são, apesar de continuarem por legalizar. O Sporting, com o apoio do FC Porto, continua a não deixar cair o tema, exigindo intervenção do Instituto Português do Desporto e da Juventude sobre o caso. Já os encarnados refutam a ideia de apoiar qualquer claque (No Name Boys e Diabos Vermelhos). No entanto, o assunto está longe de estar terminado e não promete ter soluções fáceis, como se viu numa fase mais atribulada do clube a nível desportivo quando se registaram momentos de tensão e violência em assembleias gerais e eleições.
O, de omnipresente
Luís Filipe Vieira gosta de estar atento a tudo e o exemplo dos estágios que faz com a equipa em jogos fulcrais da época é um bom exemplo disso mesmo. O presidente do Benfica não tem problemas em delegar, mas acaba por estar presente, mesmo quando não está, nas decisões que vão sendo tomadas pelas diferentes áreas.
P, de Pinto da Costa
Desde que assumiu a presidência do FC Porto, em 1982, e até chegar Luís Filipe Vieira à liderança do Benfica, em 2003, os dragões conquistaram o dobro dos Campeonatos Nacionais das águias (12-6). Nesta altura, a vantagem dos azuis e brancos é apenas de 8-6, sendo que os encarnados ganharam um inédito tetra na sua história. É até curioso observar um outro dado: desde 2003, os rivais têm uma percentagem de vitórias em jogos da Primeira Liga muito idêntica. Mais do que acabar com o reinado de Pinto da Costa no futebol português, Vieira ficou com o seu lugar.
Q, de quadriénio
Pode ser uma mera coincidência ou, simplesmente, a consumação de um trabalho que foi feito antes. A verdade é que no último mandato, entre 2012 e 2016, no rescaldo da eleição onde ganhou de forma folgada mas com menor vantagem (83%-17%), Luís Filipe Vieira teve os melhores resultados desportivos no futebol e a nível financeiro, de receitas (sendo que a segunda é muito influenciada pela primeira, como é óbvio). Em paralelo, este foi também o quadriénio onde teve alguém em despique consigo de forma mais acesa, Bruno de Carvalho, líder do Sporting.
R, de Rádio
É um dos projetos que muito em breve passará a ser uma realidade: a Rádio Benfica, que se juntará às outras plataformas já existentes como a BTV, o jornal Benfica, a revista Mística, o site (que irá também sofrer alterações de melhoramento), o Facebook, o Twitter e restantes redes sociais. Em paralelo, o clube está também a desenvolver um projeto inovador na vertente digital, acompanhado de parceiros de renome, por forma a acompanhar a evolução dos tempos. Vieira sabe que a parte da comunicação é cada vez mais fundamental em qualquer negócio e o desporto, ou um clube grande, tem de seguir da melhor forma o que melhor se vai fazendo também nessa área.
S, de sucesso
“Tenho imenso orgulho na massa associativa do Benfica pela sua dedicação, empenho, paixão e lealdade. Foram, e são, estas quatro características que nos permitiram atingir um estatuto muito especial: somos a organização desportiva de maior sucesso em Portugal, tanto no futebol, como nas modalidades e tanto na perspetiva competitiva, como na vertente económica. Mas o que verdadeiramente interessa, e faz do Benfica um clube especial e único, são as pessoas, os seus sócios e adeptos. Sem eles nada disto teria razão de ser. O Benfica é hoje um clube admirado, seguido, reconhecido pela inovação, pela modernidade. É um clube global que conseguiu reinventar-se em pouco mais de uma década. O segredo da recuperação do clube, nestes últimos anos, tem sido a estabilidade e a união dos benfiquistas em torno daquilo que é essencial. Os alicerces do Benfica estão nas suas Casas, estão a Norte, estão a Sul. Estão em todo o mundo!”, escreveu Luís Filipe Vieira no prefácio do livro “Alma Benfiquista” de Pedro Guerra.
T, de títulos
Era o projeto 50+3+1. Em outubro de 2012, quando foi reeleito presidente do Benfica, colocou a fasquia alta a nível de objetivos: queria conquistar 50 títulos nas modalidades, três Campeonatos Nacionais de futebol e atingir uma final europeia também do futebol. Nas modalidades, qualquer interpretação pode ser diferente: se formos apenas às modalidades de pavilhão dos seniores é uma coisa, se juntarmos a formação é outra, se aliarmos modalidades como o atletismo, a natação, o judo, o triatlo e tantas outras é ainda outra. Nos Campeonatos Nacionais, cumpriu com os triunfos de 2014, 2015 e 2016, este último já depois de novas eleições. Finais europeias, foram duas. Em resumo, aquilo que parecia ser um exagero acabou mesmo por concretizar-se e as condições para mais títulos não mudaram.
U, de unânime
Os anos passam e, mesmo quando estava a seco a nível de grandes títulos no futebol, nunca houve uma oposição que conseguisse ter um projeto para fazer perigar a liderança de Luís Filipe Vieira no Benfica. Em 2003, venceu Jaime Antunes e Guerra Madaleno com um total de mais de 90% dos votos; em 2006, com lista única, ganhou com 95,6%; em 2009, bateu Bruno Carvalho com 91,7%; em 2012, venceu Rui Rangel no sufrágio que, dentro da não-história, foi menos expressivo: 83%; e em 2016, concorreu sozinho e ganhou com 95,52%. Com ou sem troféus, com melhores ou piores registos financeiros, o atual líder dos encarnados conseguiu “limpar” qualquer vestígio de oposição.
V, de Vitória… e de Vieira
A saída de Jorge Jesus do Benfica, após seis anos no comando da equipa, e logo para o rival Sporting, podia ter deixado uma ferida aberta que demorasse a sarar. Vieira apostou em Vitória, que orientava o Vitória (de Guimarães). E conseguiu não só dois Campeonatos Nacionais, que fecharam o tetra, mas também outros troféus e duas qualificações para a fase a eliminar pós-grupos da Liga dos Campeões.