Desde que o Estado assumiu o controlo da gestão da TAP após a compra da participação de David Neeleman em 2020, quatro administradores executivos renunciaram ao cargo, sem que tenha sido reportado pela empresa o pagamento de qualquer compensação adicional face ao normal acerto de contas.
A exceção terá sido Alexandra Reis, atual secretária de Estado do Tesouro, que recebeu 500 mil euros brutos pela saída antecipada de administração da TAP, a pedido da própria empresa, num pacote que inclui ainda compensações pela rescisão do vínculo contratual a várias empresas do grupo, como foi revelado esta terça-feira pela informação remetida aos ministérios das Finanças e Infraestruturas.
A maioria das saídas de administradores foi consequência de mudanças acionistas. A primeira foi a do presidente executivo Antonoaldo Neves que abandonou funções a pedido do Estado dois meses depois deste ter tomado a maioria do capital da TAP.
Antonoaldo Neves estava a cumprir o último ano do mandato de três anos que se tinha iniciado com a entrada no capital dos acionistas privados David Neeleman e Humberto Pedrosa e para evitar pedidos de indemnização, a TAP continuou a pagar o salário do gestor até ao final do ano, o que equivaleu a mais três salários, como aliás o Observador contou com base em informação prestada pela própria companhia.
No final de 2020, também David Pedrosa abandona a administração executiva da TAP, tal como o pai, Humberto Pedrosa, renuncia ao cargo de não executivo. Estas saídas foram justificadas com a necessidade de acautelar eventuais conflitos de interesse que pudessem ser apontados por estarem na administração de uma empresa pública quando o grupo do qual são acionistas, a Barraqueiro, tem concessões de transportes do Estado. Destas renúncias também não resultou qualquer indemnização, de acordo com informação recolhida pelo Observador.
É na sequência destas saídas que sobem à comissão executiva da TAP dois diretores de primeira linha. Ramiro Sequeira vinha da área operacional e assumiu interinamente as funções de presidente executivo enquanto o Estado, através de uma empresa de caça talentos, contratava um gestor profissional internacional. O que só veio a acontecer um ano depois. Alexandra Reis que era responsável pela área de contratação e compras, para a qual tinha sido contratada por David Pedrosa, também sobe à administração da TAP já com o Estado no controlo da gestão.
Pela promoção, os dois receberam aumentos dos vencimentos que foram à data polémicos e tiveram de acumular pelouros para substituir saídas num conselho liderado por Miguel Frasquilho que, apesar de não ser executivo, acabou por intervir muito mais na gestão da empresa e na preparação do plano de reestruturação.
Outra das saídas foi a do administrador com o pelouro financeiro que tinha sido indicado ainda por David Neeleman. Raffael Quintas Alves renunciou ao cargo em janeiro de 2021, quando estava já em final de mandato, mas antes de ter substituto. Também não houve lugar ao pagamento de indemnização.
Ao longo de 2021 foram vários os administradores não executivos que foram batendo com a porta, incluindo Diogo Lacerda Machado, o amigo de António Costa, mas por sua iniciativa e sem qualquer compensação.
Demissões ameaçam deixar TAP sem o número mínimo de gestores previsto nos estatutos
Finalmente em junho de 2021, um ano depois de o Estado ter assumido o controlo do capital e da gestão da TAP, é escolhida uma equipa liderada por Manuel Beja como chairman e da qual constava Christine Ourmières-Widener como CEO. Da anterior gestão mantiveram-se Ramiro Sequeira e Alexandra Reis, e juntaram-se à equipa executiva João Reis Gameiro, Silvia Mosquera e Gonçalo Pires.
Três meses depois, o administrador com o pelouro financeiro, João Reis Gameiro, pede a renúncia do cargo invocando “motivos pessoais imprevisíveis” e também não recebeu qualquer compensação extra. O Governo indicou que iria procurar um novo CFO para substituir o gestor que fez carreira na banca, mas a função acabou por ser transferida para Gonçalo Pires. Silva Rodrigues sai no final de 2021 quando Humberto Pedrosa deica de ser acionistas, mas era vogal não executivo. E já em setembro deste ano foi nomeada Sofia Lufinha para substituir Alexandra Reis que saiu em fevereiro e com um acordo de rescisão que incluiu o cargo na administração, mas também o vínculo contratual a várias empresas do grupo desde 2017.
Compensação paga a Alexandra Reis é o dobro do limite imposto para saídas negociadas na reestruturação
Ao longo do período de gestão pública, TAP pagou indemnizações a quadros, incluindo diretores e responsáveis de primeira linha contratados durante a gestão privada, através de rescisões por mútuo acordo. Os acordos que foram feitos ao abrigo do plano de reestruturação tinham o limite de 250 mil euros, metade do valor pago a Alexandra Reis, e não são (nem têm de ser) divulgados. Esta terça-feira a empresa esclareceu que a ex-diretora financeira Stéphanie Silva que saiu em março por sua iniciativa – após a nomeação do marido, Fernando Medina, para o ministro das Finanças — não recebeu qualquer indemnização.
A TAP tem obrigações de comunicação ao mercado, na qualidade de entidade emitente, e de divulgação de um conjunto vasto de informação, enquanto empresa pública. Nesta qualidade, e de acordo com o regime jurídico das empresas públicas, a TAP tem de publicitar “a identidade e os elementos curriculares de todos os membros dos seus órgãos sociais, designadamente do órgão de administração, bem como as respetivas remunerações e outros benefícios.”
No entanto, o contexto dessa divulgação é o relatório do governo das sociedades publicado anualmente quando são também divulgados os relatórios financeiros e de gestão que são conhecidos na primeira metade do ano seguinte. Neste caso, o relatório de governo de sociedade relativo a 2022, ano da rescisão com Alexandra Reis, só será conhecido em 2023.
Inspeção-Geral e CMVM vão averiguar. Tribunal de Contas também pode fiscalizar
O Governo remeteu as respostas dadas pela TAP sobre o acordo de saída para a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários e para a Inspeção-Geral de Finanças, o órgão de fiscalização interna do Estado, “para avaliação de todos os factos que tenham relevância no âmbito das suas esferas de atuação”.
Na qualidade de empresa pública, a transportadora também está sujeita à fiscalização do órgão de auditoria externa do Estado, o Tribunal de Contas.
Contactada pelo Observador no âmbito do caso de Alexandra Reis, fonte oficial do Tribunal de Contas refere apenas que “a TAP é uma empresa pública que está sujeita à fiscalização do Tribunal de Contas. Os contratos de trabalho de qualquer entidade pública não estão sujeitos a fiscalização prévia, podendo porém ser objeto de fiscalização concomitante ou sucessiva”. Questionado sobre se esta fiscalização concomitante ou sucessiva vai ocorrer, o Tribunal de Contas não respondeu.
Outra dúvida que tem sido levantada tem sido em relação ao comunicado que a TAP enviou à CMVM a 4 de fevereiro, e no qual dá nota da saída de Alexandra Reis da empresa usando o termo “renúncia”. Segundo a nota, a gestora “apresentou hoje renúncia ao cargo, decidindo encerrar este capítulo da sua vida profissional e abraçando agora novos desafios”, dando a entender que a saída foi da iniciativa da própria Alexandra Reis.
Não seria a primeira vez que a saída de um gestor afastado por iniciativa dos acionistas fosse comunicada como uma renúncia. Foi aliás o que aconteceu quando foi comunicada ao mercado a saída de Antonoaldo Neves e a sua substituição por Ramiro Sequeira em 2020, sendo que à data era público que o acionista Estado que tinha acabado de ficar com a maioria do capital queria substituir o gestor.
De acordo com a informação revelada esta terça-feira pelo Governo, e que teve origem nos esclarecimentos pedidos à TAP, os termos da comunicação de renúncia por parte de Alexandra Reis foram também alvo do acordo de saída entre a empresa e a administradora.
Questionada pelo Observador, antes do pedido formal do Governo, sobre se pediu ou vai pedir algum esclarecimento à TAP sobre a informação prestada, a CMVM não o adianta. A TAP não é uma empresa cotada mas emite obrigações, razão pela qual tem de informar a CMVM sobre atos relevantes.
“Os emitentes de obrigações cotadas têm o dever de divulgar as alterações que ocorram na composição dos seus órgãos sociais, com rigor e de forma tempestiva”, diz a CMVM. No entanto, por não serem cotadas, não têm os mesmos deveres que estas empresas. Nomeadamente, no que toca às remunerações ou ao pagamento de indemnizações “no contexto da cessação de funções de membros dos órgãos sociais”.
No entanto, acrescenta, “a CMVM acompanha e supervisiona a informação divulgada pelos emitentes sujeitos à sua supervisão, incluindo os emitentes de obrigações, tendo em atenção os requisitos de qualidade de informação prestada aos investidores e de coerência desta última com os factos relevantes que venham ao seu conhecimento”. Agora, com o pedido do Governo, a CMVM vai mesmo ter de se pronunciar sobre “todos os factos que tenham relevância no âmbito das suas esferas de atuação”.