Marcelo Rebelo de Sousa está a ser um “obstáculo” à construção de uma alternativa à direita e “obrigou” Luís Montenegro a distanciar-se do Chega? É a pergunta que André Ventura quer ver respondida esta quarta-feira, no Palácio de Belém, quando for recebido pelo Presidente da República.

Ainda antes de regressar a Lisboa, no encerramento das jornadas parlamentares do Chega, em Évora, Ventura fez uma visita a uma residência universitária — mas ficou à porta. Recebido apenas por dois jovens do Chega (um estudante, outro não), ouviu-os sobre problemas na habitação — e ainda que a reunião de deputados tenha sido sobre o tema, terminou o dia apenas a recordar propostas passadas e sem apresentar novas soluções.

O foco estava, no momento, no futuro da governação do país. E tendo em conta as notícias que dão conta de que o Presidente da República prefere uma alternativa à direita que não inclua o partido liderado por Ventura, o líder do Chega pede “clareza” e assegura que “nunca [lhe] foi transmitido” qualquer entrave ou distanciamento de Marcelo em todas as audiências e circunstâncias em que estiveram juntos.

“Acho que o Presidente da República tem de dizer se está ou não a ser um obstáculo à constituição de um governo de direita que inclua o Chega”, começou por dizer o líder do Chega nas declarações que encerraram as jornadas parlamentares do Chega, em Évora.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Depois de um dia em que atacou a “direita maricas“, em que acusou o PSD de se “prostituir ao PS” e em que percebeu que “já não pode contar” com liberais nem com sociais-democratas, Ventura considera que há um “dever político” de Marcelo Rebelo de Sousa explicar o que pensa e dizer se é ou não verdade que não quer uma solução política com o Chega. E dizer “porquê”: se por “uma razão política, ideológica [ou] de outra natureza”.

“O Presidente da República não pode um dia pedir uma alternativa e depois estar sempre a minar essa alternativa. O centro-direita e direita têm de dizer ‘estamos prontos’, não podemos é estar sempre a ter obstáculos no caminho”, sublinhou o líder do Chega.

Ventura reconhece Marcelo como um “analista político proeminente” e como alguém que “gosta desse jogo“, mas deixa um aviso ao chefe de Estado: “O país não é um jogo, o futuro da direita não é um jogo e nem Luís Montenegro nem eu somos joguetes.”

É “clareza” que Ventura procura. E, mais do que isso, acredita que Marcelo “não tem de ser o motor da oposição”, mas também “não pode ser uma oposição à oposição” — “Tem de deixar claro que em caso de eleições ou de dissolução da Assembleia da República não vai obstacularizar a solução que aritmeticamente parece ser a única possível.”

“Nunca me foi transmitido que o Presidente da República quer uma maioria PSD/IL em todos os encontros. [Foi-me transmitido] que respeita o Chega como o PSD e a IL e que todos são parte da reorganização da direita”, assegura o líder do Chega. E se já não é assim, Ventura quer perceber o que mudou, sendo que o “ainda é o presidente do partido e a orientação ideológica e política não parece ter mudado”.

O “alcance” das palavras de Montenegro e um PSD “a reboque” do Presidente

Na visão de André Ventura, as palavras de Luís Montenegro na entrevista à CNN tiveram um “alcance [de] que o próprio se arrependerá, que é dizer aos portugueses que alternativas são o PS ou uma parte da direita e nunca toda — seja Chega ou PSD”. “O que disse foi para não contarem com estabilidade à direita.”

Questionado sobre as diferenças no discurso de Montenegro, Ventura destaca que o líder do PSD “acrescentou políticos” ao discurso (e não apenas políticas) e “sobretudo a pergunta foi especificamente sobre o Chega e um dia antes sai nos jornais que o Presidente da República só dissolve AR se PSD não precisar do Chega para governar”.

Foi um caldo suficiente para que a narrativa do Chega mudasse, nomeadamente porque Ventura considera que há uma “articulação entre Luís Montenegro e o Presidente da República”. Ventura não se fica por aqui: “O Presidente da República obrigou Montenegro — e obrigou é mesmo a palavra, mantenho — que com o Chega não.”

“Tudo certo, cada um submete-se ao que se quer submeter, é importante é que não se minta ao país“, avisa, acusando o PSD de estar “a reboque de Marcelo Rebelo de Sousa” e de “não fazer oposição”. “O PSD tem de se desamarrar do Presidente da República e perceber o que quer autonomamente, tem de olhar para os números e para as sondagens que mostram a realidade de que só há uma maioria com o Chega.”

“O PSD ou quer governar com o PS ou com o Chega e o Presidente da República tem de faz uma escolha, ou quer um governo com o Chega ou um bloco central — força com isso, para nós é o melhor dos cenários, passadeira aberta, via verde”, esclarece, dando a entender que esse cenário permitirá fazer uma oposição forte.

Ventura diz ainda que Presidente da República e ele próprio não podem “continuar a parecer namorados desavindos” — dormirá “pior” se Marcelo lhe disser que enquanto for chefe de Estado “o Chega nunca entrará no Governo”, mas prefere transparência.

A visita (ou quase)

Quando formos governo vamos ter de resolver isto tudo e combater estes problemas e ajudar os jovens.” É Flávio Antunes, de 22 anos, coordenador da Juventude Chega em Évora que o diz, ao lado de André Ventura e de Rita Matias, deputada do Chega que recordou algumas das propostas do partido para apoiar jovens universitários.

Fez uma visita guiada aos deputados do partido que se deslocaram para perceber a realidade das residências universitárias e que ficaram à porta — é a casa dos estudantes e não podiam entrar. Viram por fora, André Ventura ainda tentou perceber melhor como funcionava, quantos jovens ali moravam, quantos quartos tinha e quanto pagavam. Ficou pouco esclarecido.

Aos poucos, Rodrigo Anastácio, o outro jovem do Chega que recebeu André Ventura, “português de bem“, segundo a pulseira que trazia no braço, foi dando algumas informações. Não sabia ao certo o número de camas, mas sabia que, enquanto bolseiro, paga pouco menos de 80 euros e que quem não tem direito a bolsa paga mais de cem.

Foi Flávio Antunes que tentou ajudar Ventura a obter mais respostas às perguntas: as outras residências em Évora são maiores? Dão para mais alunos? (“esta é pequena”) São mais no centro? “Penso que sim que seja ali no centro mais ou menos, mas não dá vazão aos oito mil alunos deslocados”, disse, sem grandes certezas.

Perante as incertezas, foi Rita Matias que tentou tomar conta da conversa, para dizer que o Chega apresentou uma proposta para que os alunos saibam se são beneficiários de bolsa de estudo antes de ingressarem na faculdade (nas propostas de alteração ao OE2022 foi aprovada uma medida da IL para alterar as regras de atribuição de bolsas no ensino superior e que solicitava a antecipação das decisões) — tendo em conta que a candidatura a este apoio só é feita após a entrada no ensino superior e demora alguns meses a ser aprovada e a que os estudantes comecem a receber.

Rodrigo Anastácio, que estuda Património Cultura na Universidade de Évora, considera que seria uma boa opção e garantiu mesmo que sem a bolsa não teria possibilidade de frequentar o ensino superior.

No final da visita, durante as declarações, André Ventura esclareceu que o Chega vai “manter as propostas” que o partido já tinha, por entender que é “um bom pacote de medidas”.

“Temos vários propostas nesta matéria: de incentivo à construção, de diminuição do IVA da construção, de aumento dos incentivos públicos à construção em várias áreas, de diminuição do período de licenças. E é nisso que queremos focar o debate e é esse pacote que vamos contrapor ao Governo quando ele apresentar o programa Mais Habitação para discussão total”, frisou, realçando que pedirá ao Presidente da República que vete o “arrendamento coercivo” e o “aumento da contribuição extraordinária para o alojamento local”.