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Quem decide as PPP?

Até aqui era o ministro das Finanças que, em conjunto com o ministro do setor em causa, decidia se havia contratação ou não de uma Parceria Público-Privada (PPP) — tratando-se, por exemplo, da gestão de um hospital, Mário Centeno decidiria em conjunto com a ministra da Saúde. Com a mudança na lei, no entanto, a decisão passa para o Conselho de Ministros, onde todos os governantes terão uma palavra a dizer.

“Passam a competir ao Conselho de Ministros — no que ao Estado e aos institutos públicos diz respeito —, mediante resolução, todas as decisões relativas à criação de parcerias, como seja o caso da decisão de iniciar um processo de estudo e preparação de lançamento de uma parceria ou a decisão de contratar”, pode ler-se no decreto lei agora publicado. O mesmo se prevê, “com as necessárias adaptações, relativamente à modificação de parcerias”.

Como a iniciativa partiu do ministro de Estado e da Economia, Pedro Siza Vieira (um advogado de carreira que tem várias obras publicadas sobre as PPP), o jornal Público chegou a titular que este tirou a Mário Centeno “o poder de decisão” sobre a matéria.

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Que critérios mudam?

O documento flexibiliza as regras que vinham do tempo da Troika. A partir de 5 de dezembro, cada PPP será decidida caso a caso e a lista de critérios a cumprir já não está definida à partida. O Governo garante, porém, que o nível a que são tomadas as decisões sobe “sem prejudicar a exigência de um trabalho técnico em momento prévio à tomada de decisão e no decurso do contrato”.

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A lei dá mais poderes ao Conselho de Ministros, tornando também o “caderno de encargos” mais leve. Alguns dos pressupostos continuam previstos na lei, outros tiveram alterações e outros caíram:

— continua a ser defendido um “modelo de parceria” que apresente para o setor público “benefícios relativamente a formas alternativas de alcançar os mesmos fins”; mas caiu a ideia de que esse modelo deva dar aos parceiros privados “uma expectativa de obtenção de remuneração adequada aos montantes investidos e ao tipo e grau de riscos” envolvidos.

— continua a ser necessário quantificar encargos para o setor público, mas desaparece a ideia de ter “análises de sensibilidade, quer em termos de procura, quer de evolução macroeconómica”;

— continua a ser necessário obter autorizações, licenças e pareceres administrativos, “tais como os de natureza ambiental e urbanísticos, dos quais dependa o desenvolvimento do projeto”, mas na versão anterior, ao contrário desta, estava bem claro o objetivo de transferir todo o risco da execução para o parceiro privado;

— manteve a necessidade de detalhar os riscos a assumir por cada um dos parceiros;

— caiu a ideia de enunciar “de forma clara” os objetivos da parceria para o setor público, indicando os resultados pretendidos e uma análise custo-benefício;

— cai a referência a uma clara enunciação dos resultados que se pretendem do parceiro privado;

A partir de agora, “os estudos económico-financeiros de suporte ao lançamento da parceria, bem como os critérios de avaliação das propostas a apresentar pelos concorrentes, utilizam os parâmetros macroeconómicos relevantes” definidos em cada resolução do Conselho de Ministros para cada projeto de parceria.

De acordo com a nova lei, estas resoluções devem determinar “os aspetos gerais e específicos a considerar na fixação da taxa de desconto a adotar, para efeitos das respetivas atualizações financeiras”.

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Deve ser ainda verificada a conformidade de cada projeto “com o maior grau de concretização possível” e a declaração de impacte ambiental, “quando exigível segundo a lei aplicável, deve ser obtida previamente ao lançamento da parceria”.

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A nova lei tem exceções. Quais?

Excluídos do novo regime legal das PPP ficam operações relacionadas com políticas de habitação e os contratos firmados por câmaras ou as regiões autónomas com entidades privadas.

No anterior quadro legal, eram definidos como parceiros públicos  o Estado, as “entidades públicas estatais”, “os fundos e serviços autónomos”; “as empresas públicas; e “outras entidades constituídas pelas entidades a que se referem as alíneas anteriores com vista à satisfação de necessidades de interesse geral”. A lei não referia, porém, explicitamente, que as autarquias não estavam incluídas pelas regras. Aliás, o Tribunal de Contas chegou a recusar dois contratos promovidos pelas câmaras de Lisboa e do Porto porque as transações não cumpririam as regras das PPP. Nos dois casos o objetivo era a promoção de projetos de habitação acessível.

Agora, o decreto-lei que entra em vigor acrescenta uma “norma interpretativa” para esclarecer que as regras também não se aplicam “aos municípios e às regiões autónomas, bem como às entidades por estes criadas”, que podem assim firmar contratos com entidades privadas sem terem de seguir o regime das PPP.

No ponto das exceções às regras das PPP, a nova lei acrescenta “as parcerias tendentes ao desenvolvimento de políticas de habitação, nos termos da respetiva Lei de Bases”.

De fora ficam ainda, tal como já acontecia, as parcerias que, no momento da criação, representavam cumulativamente um encargo para o Estado “inferior a 10 milhões de euros e um investimento inferior a 25 milhões de euros”, assim como “concessões de sistemas multimunicipais de abastecimento de água, de saneamento de águas residuais e de gestão de resíduos urbanos”.

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O que dizem os partidos?

As críticas vieram da esquerda e da direita. Bloco de Esquerda e CDS já disseram que vão pedir a apreciação parlamentar do decreto-lei. Ou seja, a Assembleia da República vai ser chamada a debater o diploma, a propor alterações ou, no limite, a eliminá-lo.

Em declarações à Lusa, João Almeida, deputado do CDS, defende que a medida agora publicada em Diário da República significa uma fuga “ao escrutínio das finanças públicas”. O centrista criticou ainda a eliminação da obrigatoriedade da análise custo-benefício que, “já em muitas PPP no passado se revelou insuficiente”. “Deixar de existir é pior ainda”, disse, criticando a “redução substancial” dos “princípios de rigor e transparência”.

Do lado do Bloco de Esquerda, a deputada Isabel Pires garantiu ao Eco que o partido também vai pedir a apreciação parlamentar, no início da próxima semana. “É alarmante e preocupante. Este decreto-lei retira grande percentagem do escrutínio e da exigência neste tipo de adjudicações”, disse, acrescentando que algumas questões “levantam muitas dúvidas e preocupação”. O Bloco de Esquerda critica ainda a exclusão do regime das PPP das medidas relacionadas com habitação.

Já Luís Montenegro, candidato a líder do PSD, considerou, no Twitter, que “esta é uma má decisão de António Costa”. E apelou a Rui Rio para que “peça a apreciação parlamentar deste decreto-lei”. “Não o fazer é pactuar com o Governo que, assim, aligeirando as regras das PPP, coloca em causa a garantia do interesse público”.

Esta sexta-feira, o PSD requereu a audição urgente do ministro de Estado e das Finanças, Mário Centeno, no parlamento, para prestar esclarecimentos sobre as “profundas alterações” ao regime das Parcerias Público-Privadas (PPP), que “parecem evidenciar” uma “diminuição da transparência”.

A Iniciativa Liberal (IL), por sua vez, já fez saber que quer voltar a tornar obrigatória a análise custo-benefício. Num projeto de resolução, citado pela Lusa, o partido considera que “eliminar as análises custo-benefício não só aumenta a arbitrariedade, mas retira também o rigor técnico”. “Esta alteração faz com que a decisão relativa à contratação das PPP, que é fundamental e determinante para a população portuguesa, seja transformada numa decisão arbitrária e política.” A IL pede ainda que o Governo “introduza um período de publicitação dos contratos que estabeleçam Parcerias Público-Privadas, prévio à efetiva celebração do contrato”.

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Porque muda a lei?

O decreto refere genericamente que, com esta mudança, o regime está a ser adaptado “à realidade social atual” do país. Questionado sobre que alterações são essas, o ministério da Economia remeteu para as Finanças, que, até ao momento, não respondeu às dúvidas do Observador.

Uma das razões que pode ser apontada para esta mudança é a intenção do Governo de manter este modelo de contratação em aberto, apesar de existir um compromisso à esquerda na área da saúde, consagrado na lei do setor, de não fazer mais parcerias público-privadas para hospitais. Outra explicação plausível é uma clarificação da lei que permita retirar algumas operações do chapéu mais apertado das PPP. Os contratos chumbados nas autarquias de Lisboa e Porto são um exemplo possível.

O Governo refuta a falta de transparência e garante que o novo decreto-lei “preserva inteiramente todos os aspetos” que visam o cálculo dos encargos do Estado e prova que as PPP representam “para o setor público benefícios relativamente a formas alternativas de alcançar o mesmo fim”.  Sobre a apreciação parlamentar, o secretário de estado da presidência do Conselho de Ministros, André Moz Caldas, diz que se trata “de um direito da Assembleia da República que o Governo, obviamente, respeita e acompanhará com interesse”.

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O que justificou as mudanças anteriores?

Quando chegou a Portugal, a Troika apontou desde o primeiro momento para uma revisão das PPP, visando “reduzir a exposição financeira do Governo”. A Comissão Europeia, o FMI e o Banco Central Europeu consideraram que este mecanismo expôs o executivo a “significativas obrigações financeiras” e a “fraquezas na sua capacidade de gerir, de facto, esses acordos”.

O memorando de entendimento assinado com o Governo português previu, por isso, assistência técnica da Comissão e do FMI para avaliar as 20 parcerias público-privadas mais relevantes, identificando “áreas-chave de preocupação”; um estudo complementar que seria pedido à consultora Ernst & Young; maior transparência no reporte; e uma mudança do quadro legal.

Foi ainda fortalecido o papel do Ministério das Finanças na avaliação e monitorização orçamental das consequências dos contratos PPP, incluindo através da criação de uma unidade especializada — a Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos, na qual foram concentradas várias competências.

É neste contexto que começariam a ser revistos alguns contratos de PPP no setor rodoviário, para reduzir os custos do Estado; e a lei seria alterada, com assinatura de Passos Coelho e Vítor Gaspar, para reformar de forma abrangente os procedimentos das parcerias, com os critérios que já referimos.

Os documentos da Troika avisavam que novas PPP só deveriam ser lançadas apenas depois de o novo regime ser posto completamente em marcha. Mas a verdade é que nem antes nem depois — o resgate financeiro atirou um balde de água fria para novas parcerias público-privadas.

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Quando foi feita a última PPP?

Segundo a unidade técnica do Ministério das Finanças, a PPP mais recente foi o contrato assinado para a subconcessão da gestão do Metro do Porto em 2018 com um operador do grupo Barraqueiro por sete anos. Mas esta dificilmente poderá ser considerada uma nova PPP, na medida em que o Metro do Porto tem sido desde o seu arranque gerido por privados. O modelo já era este. Antes, os últimos contratos para rodovia e os hospitais de Braga, Vila Franca de Xira e Loures são todos do último Governo de José Sócrates, assinados entre 2009 e 2010.

Em 2010, foi ainda assinada a primeira PPP do rede de alta velocidade ferroviária (TGV) para o Poceirão Caia que foi chumbada pelo Tribunal de Contas em 2012. O Estado foi condenado em tribunal arbitral a indemnizar o consórcio privado em 150 milhões de euros.

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Quantas PPP existem em Portugal?

Há alguma confusão em termos conceptuais entre as concessões e as PPP. No primeiro caso, o Estado não tem encargos e até pode ter receitas, sendo os portos o exemplo mais comum.

No site da Unidade Técnica de Acompanhamento de Projeto (UTAP) estão listadas 29 parcerias, considerando como única os dois contratos que existem por hospital. A maioria destas PPP são rodoviárias — cerca de 20 — ainda que o facto da contraparte do privado ser a Infraestrututuras de Portugal, nas chamadas subconcessões, levante algumas dúvidas. Há três contratos na ferrovia, quatro na saúde e um na segurança, se bem que a empresa gestora do SIRESP (Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança) tenha sido este ano adquirida pelo Estado.

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Quanto custam as PPP?

Dados de 2018 indicam que os encargos do Estado com as parcerias atingiram os 1678 milhões de euros. Neste bolo, as PPP rodoviárias representam a maior fatia, cerca de 1.200 milhões de euros. Mas o setor da saúde é o que tem vindo a registar maiores subidas nos custos do Estado. Para 2019 está prevista um aumento da despesa do Estado para 1.774 milhões de euros, de acordo com a Unidade Técnica de Apoio Orçamental.

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Afinal o que é uma PPP?

Uma parceria público privada (PPP) é um modelo de contratação pública, em regra feito por um longo prazo, e no qual o Estado assume algum tipo de responsabilidade financeira pelo projeto. Essa responsabilidade pode ser expressa por via de pagamentos, ou pode ser contingente, em função do alcance de determinadas metas. As PPP são usadas quando o Estado quer avançar com investimentos, mas precisa dos privados para financiar. Em troca, estes ficam com o direito e as receitas resultante da exploração desses investimentos normalmente feitos em infraestruturas.

Artigo modificado às 16h50 com correção da data de entrada em vigor do decreto-lei e clarificação dos critérios para lançamento das PPP e das exceções.