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Porque foi lançado este programa?

A data fica na História da zona euro: foi a 22 de janeiro de 2015 que o BCE lançou um programa generalizado de compra de dívida que inclui obrigações dos Tesouros públicos da união monetária.

O programa “visa assegurar o cumprimento do mandato do BCE de manter a estabilidade de preços” que é de uma taxa de inflação perto de 2% no médio prazo. Há dois anos que a realidade se afasta cada vez mais deste objetivo. A taxa de inflação anual deslizou em dezembro para -0,2% e, na análise feita esta quinta-feira, o BCE voltou a constatar que os indicadores de mercado atuais apontavam para tudo menos uma recuperação iminente. “A situação exigia uma resposta vigorosa em termos de política monetária”, explica o BCE.

Na prática, a estratégia do BCE para estimular a inflação passa por um aumento do balanço do banco central. Um balanço maior significa maior quantidade de crédito a circular, um euro mais baixo face às outras divisas (o que torna as empresas exportadoras mais competitivas) e custos de financiamento mais baixos para os estados e empresas. A prazo, mais crescimento e mais inflação.

O objetivo do BCE é o de elevar o balanço para mais de três biliões de euros, o que implicaria um aumento de cerca de 50% face aos valores atuais. É uma expansão que, face ao crescimento baixo, dificilmente Mario Draghi obteria de forma não forçada, ou seja, só através de medidas específicas de compra direta no mercado será possível aumentar o balanço desta forma num espaço de tempo razoável.

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Em que consiste o plano?

O que foi anunciado nesta quinta-feira foi uma expansão dos programas já existentes de intervenção do BCE nos mercados de dívida. Desde setembro que o BCE tem vindo a comprar ativos do setor privado, designadamente dívida titularizada e pacotes de dívida hipotecária. A ideia tem sido dinamizar este mercado de dívida privada, suportando os preços destes ativos, e dar aos bancos uma oportunidade para escoar estes títulos e poder emitir mais, ou seja, fomentando o financiamento na economia.

Agora, este programa passa a ter aquilo que o BCE chama “âmbito alargado”, o que em termos simples significa que além destes pacotes de dívida privada será também adquirida dívida pública. Um tipo de instrumento que, ao contrário do mercado de dívida privada, tem um mercado plenamente desenvolvido e líquido.

BCE vai comprar 60 mil milhões de euros em ativos por mês, o que tendo em conta a duração prevista do programa (ver próxima pergunta), irá levar à aquisição de algo como 1,14 biliões de euros em ativos, assim cumprindo assim, provavelmente, o objetivo de expansão do balanço definido por Draghi.

O presidente do BCE não quis desagregar aquela que é a sua expectativa sobre qual será, nestes 60 mil milhões mensais, a proporção de dívida pública e de dívida privada. Sobretudo no início deverá ser maior a percentagem de dívida pública, mas Mario Draghi espera que o mercado de dívida privada se desenvolva ao ponto de equilibrar um pouco mais o peso de cada um dos tipos de ativos.

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Quanto vai durar?

As compras de títulos de dívida vão começar já em março e durarão até setembro de 2016, 19 meses portanto. Esta é a “intenção” do BCE no momento em que parte para este programa. Mas Mario Draghi afirmou, na conferência de imprensa, que “em qualquer caso, até o Conselho do BCE considerar que se verifica um ajustamento sustentado da trajetória de inflação”, consistente com o objetivo de 2%.

Esta é uma forma engenhosa de dar aos mercados uma data mas, ao mesmo tempo, não se comprometer com um final (potencialmente abrupto) do programa numa data predefinida. É que os dois primeiros programas de expansão monetária nos EUA tiveram um montante fixo e isso criou, na aproximação ao final do programa, alguma tensão nos mercados financeiros. Daí que, à terceira, a Reserva Federal tenha optado por um programa sem limites – o que, na prática, é o que é este plano do BCE, apesar da data indicativa de termo – e se tenha reservado a flexibilidade para parar o programa quando entendesse fazê-lo.

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Como vão ser feitas as compras de dívida?

O BCE propõe-se comprar ativos denominados em euros e que tenham rating acima de lixo. Este é um patamar acima do qual a dívida portuguesa está, graças à notação da agência canadiana DBRS, que já tem permitido aos bancos portugueses aceder normalmente às operações de cedência de liquidez do BCE nos últimos anos – os ratings da Moody’s, S&P e Fitch continuam em lixo.

Serão elegíveis para compra por parte do BCE obrigações emitidas por administrações centrais da área do euro, ou seja, Tesouros públicos, mas também organismos e instituições europeias, explica o banco central. Dívida com maturidade entre dois e 30 anos (a maturidade em que Portugal emitiu recentemente) é elegível.

As compras serão feitas no mercado secundário, o que significa que o BCE irá apresentar-se no mercado como mais um comprador e nunca participará em leilões ou emissões sindicadas de dívida (mercado primário). “As aquisições serão contra moeda do banco central, que as instituições que venderam os títulos podem utilizar para adquirir outros ativos e disponibilizar crédito à economia real. Em ambos os casos, tal contribui para uma menor restritividade das condições financeiras”, espera o BCE.

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Só dívida acima de "lixo"? Então e a Grécia?

Ao contrário de Portugal, a Grécia e também Chipre não contam com qualquer rating de qualidade (acima de lixo). Para as operações de financiamento os bancos gregos e cipriotas estão a usufruir de uma exceção (waiver) e, em resposta a uma questão específica de um jornalista sobre a Grécia, Mario Draghi limitou-se a sugerir que esse waiver continuará a ter efeito, mas que as compras de dívida grega serão feitas com “condições“.

Além do waiver, “se todas as condições se mantiverem no lugar, poderemos comprar obrigações” gregas, afirmou Draghi.

O ainda primeiro-ministro grego, Antonis Samaras, candidato às eleições de 25 de janeiro, já deixou um aviso interno: “Se não concluirmos a avaliação decorrente ao programa de assistência, o que tem de acontecer dentro de um mês, seremos excluídos“. Basicamente porque, segundo Samaras, o waiver só existe porque a Grécia está a obter aprovação sucessiva nas avaliações, mas a última está empatada numa altura em que o país está a meras horas de eleições legislativas e com as sondagens lideradas por um partido, o Syriza, que quer renegociar os empréstimos europeus.

“Enquanto que a nossa visão política garante uma participação plena da Grécia nesta nova era para a Europa, a posição central do maior partido da oposição [o Syriza] mantém-nos, com toda a certeza, fora deste programa“, atirou Samaras.

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Quanta dívida poderá ser comprada? E quanta portuguesa?

As compras do BCE serão feitas de acordo com a quota de cada banco central no eurosistema. Há, contudo, dois limites importantes a ter em conta. Para evitar “distorções na formação de preço no mercado”, o BCE nunca poderá comprar mais de 25% de uma dada emissão de dívida e, também, o eurosistema nunca poderá adquirir mais de 33% da dívida total de um dado emitente.

Tendo em conta que a quota do Banco de Portugal no BCE é de 2,5%, a média mensal de dívida portuguesa poderá chegar perto de 1.500 milhões. Não é possível confrontar esta média com o grau de exposição total que o BCE já tem a Portugal, porque não existem dados atualizados sobre isso.

Este valor de quase 1.500 milhões inclui, no entanto, dívida pública e dívida privada, não sendo possível desagregar, então, o montante máximo entre estes dois tipos de instrumentos.

De qualquer forma, assumindo que o programa termina em setembro de 2016, o BCE poderá comprar até 26 mil milhões de euros em dívida portuguesa (pública e privada). A dívida pública total ascende, neste momento, a 218 mil milhões de euros.

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Quem vai, exatamente, fazer as compras em mercado?

Como já se previa pelas notícias que saíram nos dias anteriores a esta decisão, serão os bancos centrais nacionais – como o Banco de Portugal, por exemplo – a fazer as compras no mercado. Isto porque o BCE decidiu que “o Eurosistema recorrerá a uma implementação descentralizada para mobilizar recursos“.

Contudo, o BCE garante que o Conselho de Governadores “mantém o controlo sobre todas as componentes do programa e será o BCE a coordenar as aquisições, salvaguardando assim a unicidade da política monetária do Eurosistema“.

Vários analistas têm indicado que a compra será feita pelos bancos centrais nacionais como forma de incentivar, na visão de alguns governadores, uma atitude mais responsabilizadora por parte de cada país.

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E quem fica com o risco desta dívida?

Este é um ponto importante e que terá sido alvo de grande debate, no seio do Conselho de Governadores, para obter a aprovação desta medida. Medida que, ainda assim, foi aprovada por uma “ampla maioria” e não de forma unânime.

O BCE indicou que “relativamente à partilha de perdas hipotéticas, as aquisições de títulos de instituições europeias estarão sujeitas a partilha de perdas”. Na prática, em caso de problemas, o BCE responsabiliza-se por 20% do risco e 80% destas perdas terão impacto direto nos balanços do banco central respetivo.

Para Frederik Ducrozet, economista do Crédit Agricole, esta tentativa de divisão do risco e responsabilização “faz pouco sentido, tanto do ponto de vista teórico como prático”. Em nota enviada aos clientes, o especialista nota que “qualquer compra de ativos por parte de um banco central nacional equivale a criação de dinheiro ao nível do Eurosistema“.

Nota final a este respeito: em caso de perdas, o BCE prescinde de qualquer estatuto de senioridade (reembolso preferencial) face aos outros detentores de dívida, ou seja, coloca-se ao mesmo nível destes em caso de perdas.

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Lançado o programa, o que esperar?

“Mais uma vez, Draghi corresponde às expectativas”, escreveu Christian Schulz, economista do Berenberg Bank, em nota enviada aos clientes. “As expectativas subiram consideravelmente nos últimos dias, mas o BCE conseguiu mesmo assim superar a expectativa da maioria”, diz o economista.

O euro voltou a afundar face ao dólar, para mínimos de 11 anos na casa dos 1,14 dólares, as bolsas subiram e os juros da dívida caíram. Estes são sinais de que o mercado tomou este anúncio como “positivo, sem qualquer ambiguidade”, como diz Frederik Ducrozet, economista do Crédit Agricole. Outras declarações de apoio, incluindo por parte do FMI, surgiram nas horas que se seguiram ao anúncio.

Mas como admite o próprio Mario Draghi, “o que a política monetária pode fazer é criar bases para o crescimento. Mas para que a economia cresça é preciso investimento. Para haver investimento tem de haver confiança. Para haver confiança tem de haver reformas estruturais”. O italiano sublinhou que “seria um erro se os governos achassem que que a existência deste programa era um incentivo para expansão fiscal”, ou seja, para aumentar o endividamento, instando os governos a “fazerem mais” no campo das reformas estruturais.