Quarenta e seis segundos de combate entre Angela Carini e Imane Khelif foram suficientes para que se instalasse uma enorme polémica nos Jogos Olímpicos da qual a atleta argelina foi o principal rosto. Em causa estavam acusações de que não era uma mulher e, por isso, não era legítimo que combatesse naquela categoria.
A questão foi levantada quando a italiana Angela Carini abandonou o combate de boxe, na categoria de -66 kg, depois de ser atingida pela adversária. Na altura justificou que nunca tinha sido atingida com “tanta força na vida” e que era preciso o Comité Olímpico Internacional julgar a situação. Acabou mais tarde por pedir desculpa à adversária, mas as dúvidas estavam levantadas — e foram adensadas pelo histórico.
Nos Campeonatos do Mundo de Boxe do ano passado, que decorreram no Uzbequistão, Khelif foi desqualificada pela Associação Internacional de Boxe, que desde 2019 não é reconhecida pelo Comité Olímpico Internacional (COI), e que justificou que a atleta não tinha cumprido os critérios de elegibilidade. Porém, a própria organização não explicava que critérios estiveram na base dessa decisão.
A IBA recusou-se a prestar esclarecimentos sobre o tema, alegando razões relacionadas com a privacidade, mas desmentiu que estivesse em causa o teste de testosterona, dizendo ter sido feito um teste “separado e reconhecido”. Por essa altura, o presidente da IBA, o russo Igor Kremlev, disse que estava a acompanhar os casos tanto de Khelif como da pugilista de Taiwan Li Yu-Ting (também afastada) e que ambas tinham testado positivo para cromossomas XY — ou seja, masculinos. A atleta argelina ainda recorreu da decisão para o Tribunal Arbitral do Desporto, mas acabou por retirar o recurso.
Já em plenos Jogos Olímpicos, nos quais o COI autorizou a participação da atleta, as redes sociais foram inundadas com teses de que Khelif não era uma mulher logo após o combate com a atleta italiana. Havia quem dissesse que era um homem e quem garantisse que era transgénero.
Nenhuma das duas alegações é verdade — Imane Khelif é uma mulher. Nasceu mulher, está identificada como mulher no seu passaporte, sempre competiu em modalidades femininas e não consta que alguma vez tivesse iniciado qualquer processo de transição de género. Pelo que também não é uma pessoa transgénero (que não se identifica com o género com que nasceu).
Já após a polémica, a delegação da Argélia informou que a atleta do país tem hiperandrogenismo, uma condição caracterizada pela existência de níveis altos de andrógenos, hormonas masculinos — o que não faz de Khelif um homem.
Mais do que isso, mesmo que se comprove a presença de cromossomas XY, isso não significa que a atleta seja um homem. Há atletas afetados por Transtornos do Desenvolvimento Sexual, uma série de condições médicas raras, que envolvem genes, hormonas e órgãos reprodutivos, segundo a explicação que consta no site do serviço nacional de saúde britânico. Uma dessas condições é o Síndrome de Swyer, que é um distúrbio do desenvolvimento sexual associado a anomalias do desenvolvimento gonadal que resultam na presença de genitais femininos externos e internos, apesar do cromossoma XY.
Ainda assim, é um facto que a Associação Internacional de Boxe continua a considerar, nos seus estatutos, que uma mulher é “um indivíduo com cromossoma XX” e um homem “um indivíduo com cromossoma XY”, normas que foram sendo atualizadas ao longo dos últimos anos por federações que vão desde a natação ao atletismo e ao ciclismo.
Já o Comité Olímpico Internacional recusou-se a alterar a decisão que tinha permitido a participação da atleta argelina e, em comunicado, afirmou que, em 2023, as duas atletas (Khelif e a pugilista taiwanesa) foram “vítimas de uma decisão arbitrária da IBA”, sublinhando que as acusações de que a argelina está a ser alvo são “baseadas inteiramente nessa decisão arbitrária, que foi tomada sem qualquer procedimento adequado – especialmente considerando que essas atletas estavam a competir ao mais alto nível há muitos anos”.
Conclusão
Imane Khelif é uma mulher e não há nada que prove o contrário. Ao longo dos últimos dias, muito se tem falado sobre a atleta argelina, principalmente à boleia da decisão da Associação Internacional de Boxe, que desqualificou a atleta por causa de “níveis elevados de testosterona”, nos campeonatos mundiais da modalidade. Em causa estaria a presença de cromossomas XY (masculinos), mas nem isso faz da atleta um homem. Também a delegação veio especificar que Khelif tem hiperandrogenismo, excesso de hormonas masculinas, mas, mais uma vez, nada disso faz dela um homem.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
ERRADO
No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:
FALSO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.
NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.