Circula nas redes sociais uma publicação que alega que o empresário Bill Gates está a inserir o vírus que causa da sida na “vacina contra a varíola dos macacos”, de modo a espalhar a doença pelo mundo como parte de uma suposta agenda globalista de “despovoamento” do planeta.

“Bill Gates inserindo HIV na vacina contra a varíola dos macacos”, diz a publicação que circula no Facebook. “Bill Gates está planejando causar uma pandemia de varíola dos macacos ao liberar uma versão criada em laboratório da arma biológica e, em seguida, lançar uma vacina para o vírus que é ainda mais mortal que a doença.”

A publicação diz ainda que esta informação tem origem num “denunciante da Fundação Bill e Melinda Gates”, que já “alertou o mundo que Gates está semeando o vírus da varíola dos macacos nas principais cidades por meio de trilhas químicas”.

“Agora, o denunciante está avisando que a ‘plandemia’ de Mpox é apenas a fase um do plano mestre”, afirma o texto. “A fase dois envolve as vacinas que estão atualmente em desenvolvimento e contêm antígenos do HIV, as proteínas produzidas pelo HIV que desencadeiam uma resposta imune no corpo e levam à AIDS plena.”

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A publicação acompanha, depois, um vídeo de quase 11 minutos em que Sean Adl-Tabatabai, o “editor” do conhecido site de teorias da conspiração “The People’s Voice”, disseca esta teoria ao pormenor, dando detalhes do suposto “denunciante” da Fundação Bill e Melinda Gates e até dos planos concretos com os quais o fundador da Microsoft pretende dominar o mundo.

Trata-se, contudo, de uma publicação falsa: não só se soma às centenas de teorias de conspiração que associam Bill Gates a planos para dominar o mundo através de doenças e vacinas, como tem origem numa página onde proliferam as notícias falsas.

Vamos por partes.

Em primeiro lugar, a tese desta teoria da conspiração não é sequer nova. A ideia por trás desta publicação é a de que Bill Gates pretende dominar o mundo, implementando um projeto globalista de controlo populacional que passa por matar milhões de pessoas, reduzindo a população do planeta e controlando os próprios corpos das pessoas.

O fenómeno de associar Bill Gates a este tipo de teses conspiracionistas é um dos fenómenos clássicos das fake-news. A AFP chama a Gates o “papão” das teorias da conspiração, tal é a quantidade de versões deste tipo de teses: por exemplo, a de que foi ele quem criou a Covid-19 para poder diminuir a população do planeta, para implementar um governo global, para implementar microchips nos cidadãos ou para lucrar com a venda de vacinas. É só escolher. Em várias ocasiões, o próprio Gates já falou do facto de ser alvo de tantas teorias da conspiração, reagindo com humor à bizarria da maioria das teses que o envolvem.

Em segundo lugar, a vacina contra a Mpox (o nome dado pela OMS à popularmente conhecida “varíola dos macacos”) parece apenas ter substituído a vacina contra a Covid-19 na maioria das teorias da conspiração que circulam agora na internet: ao longo dos últimos anos, várias alegações de que a vacina contra a Covid-19 continha o vírus da sida foram desmontadas pelos meios de comunicação social.

Com a Covid-19 cada vez mais no passado e um novo surto de Mpox a marcar a atualidade, as alegações sobre a relação entre vacinas e o VIH passaram para esta nova doença. Aliás, o Le Monde escreveu recentemente sobre este assunto, explorando como a nova epidemia de Mpox se está a revelar um paraíso para os teóricos da conspiração, permitindo uma espécie de reedição das teorias obsessivas que circularam na internet durante a pandemia de Covid-19 — incluindo a associação entre vacinas e o VIH, usada para tentar demover as pessoas de se vacinarem, impedindo-as de serem sujeitas ao tal hipotético plano globalista de uma elite poderosa liderada por Bill Gates.

A esse propósito, vale a pena recordar Robert Gallo, virologista norte-americano que foi um dos investigadores responsáveis pela descoberta do vírus da sida. “É óbvio que nem a vacina contra a Covid-19 nem qualquer outra vacina causa sida”, declarou em 2021 à imprensa brasileira na sequência de uma alegação semelhante proferida por Jair Bolsonaro.

De qualquer modo, para que se dissipem quaisquer dúvidas, basta consultar informação oficial sobre os ingredientes da vacina contra a Mpox para perceber que — evidentemente — o vírus da sida não faz parte da composição da vacina.

Esta parece, de resto, ser uma versão modificada de uma outra teoria da conspiração que o Observador desmontou recentemente, e que alegava que a vacina contra a Mpox ativava a própria doença, obrigando desse modo, num argumentário circular, a aumentar o número de vacinados.

Por fim, importa assinalar a origem desta teoria da conspiração: o site The People’s Voice, uma das páginas mais prolíficas na disseminação de teorias da conspiração a nível global. É uma das páginas que, em todo o mundo, é mais escrutinada pelos meios de comunicação social que se dedicam ao fact-checking, tendo já sido alvo de múltiplos fact-checks do Observador, mas as suas publicações continuam a circular amplamente nas redes sociais.

Conclusão

Não é verdade que a vacina contra a Mpox contenha o vírus da sida. Esta é apenas mais uma variação da já clássica teoria da conspiração que associa Bill Gates a um plano global para dizimar a população do planeta através da disseminação de doenças e de vacinas — múltiplas vezes desmentida. Basta consultar a informação oficial sobre a vacina para perceber quais são os seus verdadeiros ingredientes. Ao mesmo tempo, é fácil identificar a fonte desta teoria da conspiração: a página “The People’s Voice”, responsável pela disseminação de centenas de publicações falsas em todo o mundo.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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