Pouquíssimos dias após a apresentação de Carlos Moedas como candidato à Câmara Municipal de Lisboa, em nome do PSD, começou a circular no WhatsApp um vídeo que acusa o antigo secretário de Estado-adjunto de Pedro Passos Coelho de ter protagonizado um dossier (entretanto revertido) do último governo PSD/CDS: a privatização de duas empresas de transportes fulcrais na cidade de Lisboa. “Por ele, a Carris e o Metro estariam hoje nas mãos dos privados, teríamos menos 100 autocarros a circular e continuaríamos a ter arrastadeiras com 20 anos nas ruas de Lisboa”, ouve-se em voz-off num vídeo de cerca de dois minutos em que se pretende denunciar ‘a outra face’ de Moedas.

A questão é simples e direta: Carlos Moedas foi, como se alega no vídeo, “um dos responsáveis” pela tentativa de privatização daquelas duas empresas de transporte de passageiros da capital?

[Veja aqui o vídeo que foi posto a circular nas últimas horas e que aponta a Carlos Moedas o protagonista na privatização de empresas de transportes públicos]

O próprio vídeo deixa uma pista relevante para a análise deste argumento. Nomeadamente quando recorda que foi “em 2015, a uma semana de abandonarem o poder”, que PSD e CDS “decidiram entregar” as duas empresas aos mexicanos da Avanza. Tomado à letra, este calendário carece de rigor absoluto — mas a ideia está bastante próxima da realidade.

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Na verdade, o contrato entre o Estado português e a empresa vencedora do concurso para a subconcessão das duas empresas foi assinado a 23 de setembro de 2015; e as eleições legislativas aconteceram a 4 de outubro, apenas uma semana e meia mais tarde. A coligação Portugal À Frente (PSD/CDS) chegou a vencer as legislativas, mas a chamada “geringonça” (um acordo que juntou o PS ao PCP, ao Bloco de Esquerda e aos Verdes) detinha a maioria dos lugares na Assembleia da República, o que permitiu a António Costa formar governo. Esse dado é relevante neste contexto porque, logo em janeiro de 2016, o Conselho de Ministros do novo governo aprovou uma resolução que pôs em marcha a reversão da subconcessão das empresas de transportes de Lisboa (e do Porto).

Mas, e quanto à ideia central do vídeo: o ex-comissário europeu pode ser apontado como “um dos responsáveis” pela operação desencadeada pelo governo de Pedro Passos Coelho? Mais uma vez, o calendário ajuda a clarificar esta ideia. O contrato de subconcessão, já aqui vimos, foi assinado a 23 de setembro de 2015. Nesse momento, Carlos Moedas estava há sensivelmente um ano (dez meses e meio, em rigor) em Bruxelas, depois de ter sido indicado por Passos Coelho como comissário europeu na Comissão Juncker.

Logo, dizer que o ex-comissário (e ex-secretário de Estado de Passos Coelho) foi “um dos responsáveis” pela tentativa de subconcessão das empresas não corresponde à verdade.

Há, no entanto, que considerar ainda outro dado. É verdade que Moedas integrou o XIX Governo Constitucional e que fez parte do Executivo durante a maior parte do seu período de vigência. E que, além disso, era considerado o braço-direito do primeiro-ministro, facto que o colocou em destaque nas relações entre o governo português e os responsáveis da troika que acompanhavam os progressos do programa de assistência financeira do FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia em Portugal.

Mas isso não significa que o secretário de Estado Carlos Moedas fosse, também, protagonista no programa de privatizações realizado durante o programa de assistência. Aliás, a esse respeito, foi sempre outra a figura que assumiu o palco quando o assunto juntava os conceitos ‘privatizar’ e ‘transportes públicos’: Sérgio Silva Monteiro, ex-secretário de Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações eram o rosto sempre presente.

Maratona. Dois meses, seis empresas entregues a privados

Foi ele quem, enquanto membro das equipas das Finanças e da Economia, anunciou, em junho de 2015, que havia cinco candidatos à subconcessão da Carris e da Metro de Lisboa. Foi também ele quem, logo a seguir, explicou os valores previstos para o negócio com a Avanza — vencedora do concurso — quando foi conhecido o resultado da consulta ao mercado. E voltou a ser ele quem, já em setembro desse ano, anunciou a data para a assinatura dos contratos, em cima das eleições legislativas.

Durante este processo, Carlos Moedas já nem sequer fazia parte do Governo. Aliás, em fevereiro de 2015, quando o governo aprovou a concessão do Metro e da Carris, Moedas já tinha iniciado funções como comissário europeu para a Investigação, Ciência e Inovação há três meses.

Conclusão

O argumento não corresponde à verdade Carlos Moedas não foi “um dos responsáveis” pela tentativa de privatização de duas empresas centrais no transporte de passageiros em Lisboa, a Carris e o Metro.

Esse processo teve lugar já depois de o ex-secretário de Estado-adjunto de Pedro Passos Coelho assumir funções em Bruxelas, como comissário da equipa de Jean-Claude Juncker, em novembro de 2014. E, além do calendário, é fácil constatar qur foi sempre outro elemento do governo PSD/CDS, Sérgio Silva Monteiro, a dar a cara pelos processos de privatização de empresas de transporte.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

De acordo com a classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

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