Joe Biden já garantiu o número suficiente de votos (273)  no Colégio Eleitoral para  ser considerado como o 46º Presidente dos Estados Unidos da América no passado dia 7 de novembro, ainda que Donald Trump continue sem conceder a derrota e ainda não existam resultados finais oficiais. Entre muitas acusações de fraude eleitoral, pedidos de recontagem de votos e providências cautelares, o ainda presidente norte-americano, juntamente com alguns dos seus apoiantes  republicanos, continua a tentar reverter o resultado que não lhe permitiu renovar o mandato. E ainda que existam estados que estão a fechar as suas votações, a desinformação continua a ser espalhada, sem sustentar as acusações que apregoa.

Nesse contexto surgiu uma publicação de Facebook que mimetiza outras notícias falsas que estão a ser espalhadas do outro lado do Atlântico: “Biden foi o mais votado da história. O primeiro eleitor nasceu em 1823. Outros em 1900. Alguns votaram mesmo já mortos. Outros votaram mais de uma vez. E tudo pelo correio. Como o correio deles funciona. Fiquei impressionado”. Atingiu as 128 partilhas. Trata-se, no entanto, de uma publicação sem qualquer fundamento e contexto, tornando-a  falsa.

Post viral diz que Biden teve votos de pessoas mortos.

Ao contrário de outras publicações semelhantes, que utilizam vídeos para espalhar a alegação de fraude eleitoral, este post, escrito em português, não faz mais do que escrever um texto sem apresentar factos ou evidências que o defenda.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Depois, vários órgãos de comunicação social e agências de fact-check norte-americanas têm verificado a informação de que o candidato democrata terá tido votos de pessoas que já morreram. Por exemplo, o FactCheck.Org, pegou nessa acusação, feita por vários apoiantes de Trump, ainda que sem apresentarem qualquer evidência, no Estado da Pensilvânia, vencido por Joe Biden.

Segundo aquela agência, que ouviu especialistas na matéria, este fenómeno é ocasional, sendo que muitas das vezes pode ocorrer porque o viúvo/a votou pelo seu cônjuge falecido, por exemplo. Pode também dar-se o caso de alguém, de forma fraudulenta, votar em nome de outro, quer seja republicano ou democrata. No entanto, esse número não é suficiente para alterar o resultado final.“De vez em quando surge alguém que vota em nome de outro que já morreu. Uma mão cheia de votos num mar de milhões. Não é bom, mas não muda os resultados. Maior parte das vezes as acusações caem”, comentou Justin Levitt, professor de Direito na Escola de Direito em Loyola e especialista em fraude eleitoral.

Ou seja, para que o resultado fosse alterado, os votos ilegais teriam de ser maiores do que os votos que separam os dois candidatos. E aí, sim, seria “situação de fraude extrema”, como afirmou Richard Hansen. O professor de ciência política e Direito da Universidade da Califórnia explica que “a pessoa que fizesse a acusação teria de mostrar, no mínimo, mais votos ilegais do que a margem entre os dois candidatos. Seria um nível extremo de fraude”. Ainda que seja um cenário distante mas possível, não se comprovou até agora, logo não é possível nem credível fazer essa acusação. Pode também dar-se o caso da pessoa ter morrido entre entregar o seu voto por correspondência e o dia da eleição ou até existir uma confusão entre nomes semelhantes, como explicou Charles Stewart III, professor de ciência política do MIT ao FactCheck.org.

Todas as acusações feitas por parte dos apoiantes de Trump, como Rudy Giuliani, advogado pessoal do presidente dos EUA, ou do senador republicano reeleito Lindsay Graham, não foram sustentadas pelos próprios. Aquela agência de fact-checking contactou a equipa do líder republicano e o gabinete de Graham para perceber a base das suas acusações, mas sem sucesso.

A CNN também olhou para as várias acusações e não encontrou qualquer evidência que as comprovassem. A cadeia de televisão norte-americana pegou noutra lista — sem a origem identificada, mas utilizada para provar a tese de fraude — com dados de eleitores no Michigan e analisou 50 dos mais de 14 mil nomes presentes. Dos 50, 37 não votaram porque estavam mortos. Cinco dos 50 estavam vivos e votaram. Os últimos oito estão também vivos mas não votaram. Ainda que a CNN não tenha verificado todos os nomes, deu uma amostra convincente da falsidade propagada, já que a lista declarava que todos aqueles milhares de votos eram de pessoas mortas.

Por causa das votações no Michigan, também alguns vídeos alarmantes tornaram-se virais, sendo até partilhados por mais figuras republicanas, como Donald Trump Jr. ou o actor James Woods. Num deles, uma pessoa introduziu um nome, uma data de nascimento e um código de postal, dando o resultado de alguém com mais de 110 anos, com permissão para votar. O votante era William Bradley, que nasceu em 1902 mas que morreu em 1984 . Na verdade, a pessoa que o fez tratava-se do filho desse eleitor já falecido, como ficou provado depois de verificadas as informações públicas sobre o caso, como contou a CNN. Ou seja, foi um erro do sistema de voto e não uma fraude declarada. Sobre isso, o diretor de relações com os media do Secretário de Estado de Michigan, Tracy Wimmer, é taxativo: “No cenário de votantes vivos se enganarem, por exemplo, na data de nascimento, fazendo parecer que morreram, esses votos não são elegíveis”, comentou, citado pela CNN.

Tal como o post original alega, teriam sido validados os votos de  pessoas nascidas em 1900. Essa data — mais concretamente o dia 1 de janeiro desse ano –, no caso de Michigan, é utilizada como base numérica temporária no sistema eletrónico de votações, para quem não se consiga deslocar fisicamente para votar (os chamados “absentee ballots”). A CNN relatou o exemplo de uma mulher de 75 anos, Donna Brydges, que estava registada como tendo nascido a 1901. Apesar de ter preenchido todos os parâmetros necessários para votar – deu a sua carta de condução, devolveu o seu voto por correio devidamente selado como manda a lei -, o sistema deu automaticamente outra data de nascimento. No entanto, o conselho que inspeciona as eleições naquele estado, constituído quer por republicanos quer por democratas, acabou por validar o seu voto.

Por outro lado, o gabinete que Wimmer representa afirmou que é praticamente impossível votar por uma pessoa morta, tendo até esclarecido essa posição na sua página oficial. “No evento improvável de alguém vivo, com a sua identidade verificada, acabar por morrer antes de receber o seu boletim de voto, sendo depois utilizado por outra pessoa, a sua assinatura será rejeitada”, explicou Wimmer. A CNN chega até a dar o exemplo de um jovem de 20 anos em Wisconsin, que votou por correspondência mas acabou por morrer de cancro antes das eleições. Segundo a lei daquela região, o seu voto não contou. Por isso, convém reforçar que a taxa de votos ilegais é extremamente rara, como denotam várias organizações independentes como o Brennan Center for Justice à CNN. “O consenso feito com pesquisa e investigação credíveis, permite-nos dizer que a taxa de voto ilegal é extremamente rara, e a incidência de determinados tipos de fraude é virtualmente inexistente”, explicou o instituto.

O PolitiFact, do The Poynter Institute, também verificou a informação propagada, considerando-a como falsa. O site explica que nesta lista estão muito votantes que nem fazem parte do Wayne County (Michigan), sendo que muitos também nunca receberam ou pediram um boletim de voto. Afirma ainda que surgiram acusações deste género noutros locais: Nevada, Detroit, Virginia e Wisconsin. Nenhuma se comprovou como sendo verdadeira. Outro jornais como o USA Today ou Business Today, desmentiram publicações como a descrita no início. Este último, tal como outros jornais locais, relata até casos de pessoas que preencheram um boletim de voto com o nome de alguém que morreu e que acabaram por ser apanhadas.

Conclusão

Não é verdade que Joe Biden tenha recebido votos de pessoas mortas em diferentes Estados das eleições norte-americanas. Esta informação falsa tem sido amplamente disseminada por apoiantes de Donald Trump que, por sua vez,  acabou por ser desmentida por diversos órgãos de comunicação social norte-americana. Primeiro, porque são feitas sem nenhuma evidência, depois porque os casos relatados na imprensa acabaram por não ser considerados como verdadeiros. Pode dar-se o caso de existirem pessoas que utilizam o nome de quem já morreu no momento da votação, mas esses votos não são validados, como garantiu o gabinete oficial do estado de Michigan.  Outros erros durante ou após o ato eleitoral podem ser encontrados e identificados pelo sistema eletrónico como: boletins de voto com nomes semelhantes ou iguais (sendo familiares), datas de nascimento ou moradas erradas.  No entanto, ainda que essa possa ser uma situação ocasional, não tem peso suficiente para alterar os resultados finais. A contagem de votos não está ainda encerrada em alguns estados, mas, para já, não existe nenhuma fraude identificada neste longo e complexo processo eleitoral.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

IFCN Badge