O debate entre Rui Tavares e Inês Sousa Real foi, novamente, motivo para a deputada única pelo PAN confrontar um partido com assento parlamentar pelo que diz ser o voto contra à sua proposta de alteração da Constituição que visava consagrar na Lei Fundamental a proteção animal.

No confronto com o deputado do Livre Inês Sousa Real foi um pouco mais longe do que o que tinha feito quando fez o mesmo reparo a Montenegro.

Fact Check. Sousa Real diz que PSD votou contra revisão extraordinária da Constituição para incluir proteção animal. Tem razão?

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E, por isso, transcrevemos o diálogo:

Inês Sousa Real (ISR) – Lamento que o Livre não nos tenha acompanhado na revisão extraordinária da Constituição. (….) Quando apresentámos a primeira vez em outubro o Livre não nos acompanhou. (…) O Livre não esteve ao lado do PAN. Não compreendemos como uma força como o Livre não nos acompanha nesta matéria por duas vezes, porque na segunda vez votou contra.
Rui Tavares (LT) – O Livre é a favor e declarou já publicamente, até digo o dia, 24 junho 2022, e em várias ocasiões, quando recebemos a maior petição nacional de criminalização de maus tratos aos animais, o Livre apoia…
ISR – Perdemos uma oportunidade.
RT – [o Livre apoio] … os projetos de revisão constitucional que vários partidos apresentaram de consagrar essa proteção animal na Constituição. Qual é a diferença da assunção de poderes extraordinários? Numa Assembleia que já estava em processo de dissolução e que íamos para eleições e em que a revisão ordinária…
ISR – Em outubro não íamos para eleições.
RT – … em que a revisão ordinária já iria caducar, dizer que a Assembleia assume poderes extraordinários de revisão constitucional para depois para fazer revisão só PS e PSD com dois terços poderiam efetivamente rever a Constituição significa abrir a porta a que estes partidos, grandes partidos, pudessem com outros temas que achassem igualmente muito importantes mudarem as regras do jogo imediatamente antes das eleições.
(…)
ISR – Apresentámos a primeira vez em outubro ainda não tinha havido dissolução da Assembleia da República. Efetivamente queremos proteger os animais. Foi uma oportunidade perdida.

Rui Tavares opôs-se em outubro à proposta de revisão constitucional de Inês Sousa Real que consagrava a proteção animal? Não diretamente. Inês Sousa Real entregou, a 4 de outubro, um projeto de resolução pedindo que:

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º e do n.º 2 do artigo 284.º da Constituição da República Portuguesa, assumir, de imediato, poderes de revisão extraordinária da Constituição tendo em vista a consagração constitucional da proteção dos animais e inserir as competências de apreciação deste processo nas fases da generalidade e da especialidade no âmbito do mandato da Comissão Eventual de Revisão Constitucional, constituída pela Deliberação 9-PL/2022.”

Ora, a proposta do PAN, num primeiro momento, visava incluir a consagração da proteção animal na Constituição mas no âmbito do processo de revisão ordinária que estava em curso. Essa pretensão foi chumbada pelo Presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, que não admitiu a iniciativa por considerar inconstitucional, já que enxertava um processo de revisão em curso. No recurso para Plenário da decisão de Augusto Santos Silva, em outubro, o PAN ficou sozinho no voto favorável à admissão do projeto. PS, PSD, IL e PCP votaram contra e Chega, BE e Livre abstiveram-se.

O que significa que o Livre não votou, nesta fase, contra. O mesmo não se passou no que veio a seguir. Não satisfeita com a posição de Santos Silva e do Plenário, e depois de ter um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais parlamentares, indicando que seria possível avançar num pedido de revisão extraordinária da Constituição, mesmo existindo a revisão ordinária em discussão, Inês Sousa Real avançou com novo projeto de resolução:

“A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º e do n.º 2 do artigo 284.º da Constituição da República Portuguesa, assumir, de imediato, poderes de revisão extraordinária da Constituição tendo em vista a consagração constitucional da proteção dos animais.”

Entrou no Parlamento a 19 de outubro de 2023, baixando à comissão especializada a 25 de outubro. Só que a 7 de novembro caí a bomba: António Costa anuncia que vai pedir a demissão e o Presidente da República anuncia, dias depois, que vai dissolver a Assembleia da República, mas espera que o Orçamento do Estado para 2024 seja aprovado.

A proposta do PAN acaba por ser votada a 13 de dezembro. E aí já o Livre votou contra, ao lado do PS, PSD e PCP. Chega e Bloco estiveram ao lado do “sim” do PAN e a IL absteve-se.

Rui Tavares já tinha justificado ao Observador o voto contra com o facto de o PAN querer que a Assembleia da República “assumisse poderes extraordinários de revisão constitucional já após a demissão do Governo e num momento em que já estávamos em crise política”. E, tal como também disse esta quinta-feira no debate com Inês Sousa Real, o deputado do Livre considera que se aprovasse estaria a dar um livre passe ao PS e ao PSD, que juntos perfazem dois terços do Parlamento, para mudaram a Constituição a dias das eleições.

Conclusão

Ou seja, em outubro o Livre absteve-se no recurso de Inês Sousa Real à decisão de Santos Silva de não admissão do seu projeto de resolução a pedir que o tema fosse acelerado no âmbito da revisão constitucional ordinária. Isto em outubro. Nesse momento, o que foi a votos foi a admissão da proposta, contrariando a recusa do presidente da Assembleia da República. Ou seja, a afirmação de Inês Sousa Real acaba por estar descontextualizada em relação ao Livre, até porque Rui Tavares, nessa ocasião, em outubro, absteve-se. Votou contra, sim, em dezembro quando a Assembleia já sabia que ia ser dissolvida. Assim, as declarações de Inês Sousa Real são enganadoras.

Enganador

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