Tem circulado nas redes sociais uma citação atribuída a Marcelo Rebelo de Sousa, supostamente proferida em 2016, em que Marcelo, recém-eleito para Belém, defendia que “um Presidente da República nunca se deve recandidatar a um segundo mandato”. De acordo com a publicação, Marcelo terá defendido que uma recandidatura a Belém “só demonstra a ausência de sentido democrático dessa pessoa”.

As palavras, na formulação que é atribuída ao agora Presidente da República, nunca foram proferidas por Marcelo Rebelo de Sousa. Mas houve um momento em que o ex-comentador abordou o tema, na TVI. Foi a 26 de janeiro de 2014 — quando ainda nem sequer era candidato a Belém — e parte da ideia que lhe é agora imputada ressaltava dessa intervenção. Nesse domingo, aquilo que Marcelo defendeu, de facto, foi a ideia de que “dez anos, para um Presidente, é demais”. As declarações surgiram a propósito de uma análise aos oito anos de mandato presidencial de Cavaco Silva. Na altura, a tese do então comentador da TVI foi destacada numa nota publicada no site da TVI24.

Agora, a versão adulterada das palavras de Marcelo foi difundida num grupo de Apoio a André Ventura, deputado à Assembleia da República, líder do Chega e candidato presidencial. Nessa publicação, as datas das declarações são também alteradas, ao ponto de se imputar uma declaração como tendo sido feita num momento em que Marcelo Rebelo de Sousa já poderia ter tomado posse como Presidente da República (o que aconteceu a 9 de março de 2016). A publicação já foi partilhada 235 vezes.

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Ora, a publicação viral atribui as seguintes palavras a Marcelo Rebelo de Sousa:

Um Presidente da República nunca se deve recandidatar a um segundo mandato. Isso só demonstra a ausência de sentido democrático dessa pessoa.”

Mas estas declarações nunca foram proferidas desta forma. O que Marcelo disse, em janeiro de 2014, foi o seguinte:

Dez anos, para um Presidente, é demais. Não é por acaso que França reduziu [o tempo de mandato]: deixou de haver dois mandatos para passar a haver um mandato mais longo. A experiência mostra, olhando para isto, que dez anos é uma eternidade“.

Questionado por Judite Sousa sobre que modelo propunha para a presidência da República, o comentador respondeu:

“Defendo um mandato de seis ou sete anos, mas um só mandato, sem possibilidade de reeleição. Porque, em ’76, quando eu votei a Constituição, era outro mundo. Dez anos em ’76 equivale a quase 25 anos hoje. Hoje, é uma eternidade”.

E prosseguiu, avançando para um campo a que acabaria por pertencer mais um ano e meio depois (Marcelo anuncia publicamente a sua candidatura a Belém a 9 de outubro de 2015). A opinião que manifestou, na TVI, em janeiro de 2014, foi a seguinte:

Aliás, deixo essa sugestão para os futuros candidatos presidenciais. Que proponham aos partidos, porque têm de ser eles a rever a Constituição, que reduzam um futuro mandato apenas a um e não dois — mais longo, seis anos, sete anos. E, no caso de isso não acontecer, assumam o compromisso de serem [Presidentes da República] só por um mandato”.

Depois, ainda reiterou: “Mais do que cinco anos, está provado, a meu ver, é mau. E até a reeleição é má, no sentido de estar sujeito a uma candidatura para reeleição”, terminou Marcelo Rebelo de Sousa.

Confrontando as duas afirmações — aquela que faz, de facto, no seu espaço de comentário e aquela que, agora, lhe é imputada — é possível encontrar uma ideia comum: Marcelo defendia o princípio de que dez anos em Belém era demasiado tempo. Na solução ideal, um Presidente da República deveria exercer um mandato único que não deveria estender-se para lá dos sete anos. Isso exigiria, porém, uma revisão constitucional. Na alínea 1 do seu artigo 128.º, a Constituição da República Portuguesa determina que “o mandato do Presidente da República tem a duração de cinco anos e termina com a posse do novo Presidente eleito”.

Desde que assumiu o cargo, Marcelo não voltou a proferir um comentário semelhante sobre a duração do mandato presidencial nem teceu considerações sobre a forma como considera (ou considerava, pelo menos) excessivo um período de dez anos naquelas funções. Até ao momento, também ainda não desfez o tabu sobre se pondera avançar para uma recandidatura à presidência da República, apesar dos apoios públicos que tem vindo a recolher e do “empurrão” do próprio primeiro-ministro, à porta da Europa, em maio deste ano.

Conclusão

É verdade que Marcelo Rebelo de Sousa defendeu que um Presidente da República não se deve recandidatar a um segundo mandato e que uma revisão constitucional devia permitir um único mandato de “seis ou sete anos”. Na opinião do então professor catedrático, em 2014, os dez anos que um Presidente permanece num cargo se for reeleito é tempo “demais”.

A mensagem foi transmitida quando Marcelo era comentador político no Jornal das 8 da TVI, aquando de uma análise à presidência de Cavaco Silva. Mas, analisadas fora deste contexto, parte das declarações que surgem na publicação viral em análise são falsas e outra parte surge desprovida de contexto: Marcelo disse que um mandato de “mais do que cinco anos é mau”, mas não disse que a recandidatura “demonstra a ausência de sentido democrático dessa pessoa”. O que o atual Presidente defendeu há seis anos é que o cargo seja ocupado apenas por um mandato, mas de maior duração.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ENGANADOR

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

PARCIALMENTE FALSO: as alegações dos conteúdos são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou está incompleta.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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