Está a circular nas redes sociais a imagem de um suposto artigo publicado pelo Observador em que são atribuídas as seguintes declarações ao ministro da Educação: “Não podemos exigir resultados altos num país cada vez mais africanizado.” As supostas declarações teriam sido feitas no contexto da divulgação dos resultados do último estudo PISA, em que são avaliadas as competências dos alunos portugueses — e dos alunos de um largo conjunto de outros países — nas áreas de leitura, matemática e ciências.
Esses resultados foram divulgados na manhã da última terça-feira, dia 5 de dezembro, e mostravam um declínio dos resultados em Portugal, que de resto estão em linha com a média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Poucas horas depois da publicação do artigo “Portugal já não é o caso de “sucesso” e cai em todos os domínios, em linha com a OCDE. O PISA explicado em 13 gráficos”, em que eram explorados os resultados dos alunos em Portugal no mais recente estudo do PISA, o Observador publicou um segundo artigo, em que o ministro da Educação partilha a sua análise sobre os dados divulgados no PISA sobre o contexto nacional.
Esse segundo artigo foi usado, manipulado e está agora a ser difundido nas redes sociais contribuindo para a desinformação sobre este tema. Mas já vamos a essa manipulação.
Com o título “’Este é o PISA da pandemia.’ Ministro diz que ‘ninguém sabe explicar’ a queda global e que é preciso perceber o que se passa com os alunos”, o artigo publicado aborda as declarações de João Costa ao Observador, em que o ministro confessa não ter sido surpreendido com os resultados e justifica parte dos dados com a pandemia provocada pela Covid-19. “Este é o PISA da pandemia e, portanto, ninguém tinha expectativa de que houvesse melhorias de resultados, todos estávamos à espera de que houvesse uma queda. Foi isso que aconteceu de forma transversal, com exceção em alguns países orientais”, começou por dizer o ministro.
Na verdade, João Costa dizia que a pandemia justificava apenas em parte a descida dos alunos em Portugal face ao último estudo do PISA. “Ao ler o relatório, fui ver se havia alguns fatores interpretativos e acho muito importante que se inicie esta discussão a nível global. Neste momento, o que eu leio do relatório é que ninguém sabe” apontar explicações para a quebra generalizada ao nível da OCDE (com algumas exceções).
Sem ter uma resposta óbvia e clara para justificar os resultados, João Costa referia, ainda assim, as “desigualdades socioeconómicas” identificadas no estudo “como preditor das diferenças” entre alunos dentro das escolas. E, finalmente, notava ainda outro dado do estudo especificamente sobre alunos estrangeiros nas escolas do país: “O valor passou de 7% para 11% entre estes dois PISA [2018 e 2022] — e entre esses encontramos muitos low achievers, com uma diferença de 43 pontos face aos colegas não estrangeiros. Além disso, também vemos que há uma diferença interessante entre a primeira e a segunda geração de imigrantes”, referia João Costa.
É aqui que chegamos à manipulação de que o artigo original do Observador foi alvo. Em nenhuma parte do artigo publicado são citadas declarações como as que são atribuídas ao ministro da Educação nas versões digitalmente adulteradas do texto. Por uma razão simples: essas palavras nunca foram proferidas.
Aquilo que João Costa disse, efetivamente, a propósito desse tema — e que está citado no artigo do Observador — foi que tinha pedido à Direção-Geral de Educação “um guia de práticas e um roteiro de acolhimento para os alunos estrangeiros, exatamente neste sentido [de um melhor acolhimento e integração nas escolas]. Esta é uma realidade que não vai mudar e que vai aumentar. Felizmente, somos um país que acolhe e vamos ter cada vez mais alunos estrangeiros.”
Todas as intervenções de João Costa a este propósito foram no sentido de defender um reforço do apoio aos alunos e nunca no sentido de uma discriminação dos alunos estrangeiros a estudar em Portugal. “Eu quero que seja possível dar esse apoio. A maior imersão na aprendizagem na língua e uma entrada mais faseada no currículo parecem-me ser instrumentos fundamentais para dar resposta, mas a avaliação que fizemos é que ainda há uma baixa apropriação deste despacho [que João Costa publicou ainda enquanto secretário de Estado da Educação] e, por isso, o objetivo é apoiar as escolas com este roteiro. Não precisamos de um diploma novo, precisamos de boas práticas”, concluiu o ministro.
Mas há outro dado, mais técnico, que permite desconstruir a publicação falaciosa. Na versão que está a correr nas redes sociais, o suposto entradão do artigo do Observador — ou seja, aquele corpo de texto que surge logo por baixo do título — refere o seguinte: “João Costa – que já esperava a queda dos resultados – aconselha a que as expectativas em relação aos alunos filhos dos ‘novos portugueses’ se tornem cada vez mais baixas, ‘tal e qual como se espera nas sociedades falhadas nos seus países de origem.’ ‘Não pode haver milagres com o tipo de população que estamos a importar”, observa o Ministro da Educação.’”
Ora, até desse ponto de vista técnico, este texto seria uma impossibilidade. O entradão dos artigos do Observador pode ter, no máximo, 200 caracteres. A versão adulterada do artigo tem muitos mais: 355 caracteres. Nunca uma versão completa desse campo do artigo — que, sublinhe-se, nunca foi publicada pelo Observador — poderia ter sido introduzida.
Conclusão
Está a correr nas redes sociais uma versão adulterada de um artigo do Observador sobre a reação do ministro da Educação aos resultados do PISA divulgados esta semana. São atribuídas a João Costa declarações que o ministro nunca proferiu e que, por essa mesma razão, nunca poderia ter constado de um artigo sobre este tema. O artigo original foi manipulado digitalmente.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
ERRADO
No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:
FALSO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.
NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.