A indústria da moda e do têxtil é considerada uma das mais poluentes do mundo, quer pelos recursos naturais que explora, quer pelo impacto ambiental que têm todas as fases do processo, desde produção, fabrico, transporte, ate à utilização. Por essa razão, há uma cada vez maior sensibilização para este tema, em particular nas redes sociais, com conceitos como “economia circular” a ganharem um novo revelo e a dividirem opiniões. É neste contexto que se tornou viral uma publicação que alega que o Fórum Económico Mundial (FEM) quer abolir a moda até 2030.
O post cita uma suposta notícia da página Tribuna Nacional, para dizer que o FEM já declarou que, até ao final da década, a moda se vai tornar “completamente obsoleta”, que todos os humanos vão ser “veganos, gostem ou não” e, ainda, que vão ser obrigados a usar “uniforme”. Numa destas publicações, o autor deixa, com ironia, um aviso para quem o estiver a ler: “Aceitem o globalismo e em 6 anos serão todos escravos submissos.”
Moda e sustentabilidade. Poderá Portugal ajudar a evitar a catástrofe do século XXI?
No artigo em questão é referido um relatório publicado em 2019, com o título “O Futuro do Consumo Urbano num mundo de 1.5ºC”, alegadamente financiado pelo Fundo presidido pelo alemão Klaus Schwab. De acordo com a Tribuna Nacional, o documento “estabelece metas extremas para governos de todo o mundo reduzirem as emissões de gases de efeitos estufa”, cumprindo assim as “ambições do Acordo de Paris de 2015”. Entre as recomendações está, por exemplo, a ideia de que, a curto prazo, os humanos devem ficar limitados a “comprar três peças de roupa por ano” e “proibidos de comprar ou consumir carne”. Mas será que o Fundo Económico Mundial está diretamente ligado a estas metas?
Uma simples pesquisa no motor de busca Google pelo relatório — em inglês, “The Future of Urban Consumption in a 1.5ºC World” — permite-nos concluir que se trata de um trabalho desenvolvido pela Universidade de Leeds, no Reino Unido, pela empresa de desenvolvimento sustentável Arup e pelo projeto de networking de cidades “C40”. Este último, corresponde a uma rede que reúne grandes cidades do mundo comprometidas com a luta contra as mudanças climáticas e que têm como objetivo reduzir as emissões de gases de efeito estufa. No estudo, os autores escrevem que o mesmo tem como objetivo avaliar o “impacto do consumo urbano sobre o clima” e explorar “o tipo de mudanças necessárias” para reduzir as emissões nas C40, apontando seis áreas de intervenção prioritárias onde se podem mudar hábitos de consumo: alimentação, vestuário e têxteis, construção, veículos, aviação e, ainda, eletrónica.
É na página 82 do relatório que encontramos as medidas que o FEM quer, alegadamente, implementar. Numa tabela em inglês, divida em duas colunas diferentes, são apontados objetivos a atingir até 2030 com duas perspetivas distintas: uma “progressiva”, outra “ambiciosa”. Na lista da meta “ambiciosa” pode ler-se a sugestão referida neste post, a de “reduzir o número de peças de roupa e têxteis” até ao limite de “três novas peças de roupa por pessoa ou por ano”. Na mesma página, as metas são descritas como “intervenções que podem reduzir as emissões baseadas no consumo de roupas e têxteis nas cidades C40”.
Não há, ainda assim, qualquer referência ao facto de os humanos serem obrigados a usar “uniforme” como parte das recomendações, tal como alega o post. Ao ler o relatório, podemos concluir que o mesmo não sugere abolir a moda, limitando-se a enumerar propostas que podem contribuir para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Não são, também, medidas globais, mas sim direcionadas à lista de quase uma centena de cidades que compõem a rede C40.
Mesmo estando perante meras recomendações, o patrocínio do Fórum Económico Mundial poderia dar um impulso importante na promoção destas medidas. No entanto, olhando com atenção para o estudo da Universidade de Leeds, não encontramos qualquer referência ao FEM — uma organização não governamental internacional com sede em Genebra, na Suíça, e que reúne os principais líderes empresariais, políticos e intelectuais com o propósito de, de acordo com o próprio FEM, discutir os problemas que afetam o mundo e encontrar soluções, influenciando “agendas industriais, regionais e globais”. A influência global do FEM é inegável, sendo prova disso a reunião anual que junta em Davos centenas de empresários, políticos, líderes religiosos e académicos.
Questionado pelo Observador, o chefe do departamento de comunicação do FEM, Yann Zopf, rejeita as acusações e garante que a instituição “nunca pediu a abolição da moda” ou “planeou um uniforme global”. Acrescenta, numa resposta por e-mail, que se trata de “alegações falsas que querem desacreditar o importante trabalho que está a ser feito pelo Fórum”. Revela ainda que o relatório referido — intitulado “The Future of Urban Consumption in a 1.5°C World” — “não foi produzido ou financiado pelo Fórum Económico Mundial”.
Fact Check. Oxford vai erradicar o consumo de carne e laticínios e o uso de carros particulares?
Importa referir que tanto o FEM como o relatório que serve de base a este post já foram várias vezes alvo de desinformação (por exemplo, aqui e aqui). Para além disso, a Tribuna Nacional — um site brasileiro conhecido por difundir desinformação — já foi desmentida previamente (aqui). A alegação feita nesta publicação já foi, igualmente, desmentida por vários fact checkers internacionais, como AFP, Associated Press ou Reuters.
Conclusão
O Fórum Económico Mundial não anunciou a abolição da moda até 2030, nem a criação de um uniforme universal. As publicações que se tornaram virais citam um estudo publicado em 2019, que inclui sugestões para combater as mudanças climáticas, nomeadamente no campo da redução do consumo de vestuário. No entanto, o documento não tem qualquer ligação à instituição liderada por Klaus Schwab.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
ERRADO
No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:
FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.
NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.