António Costa apresentou esta quinta-feira, no final da reunião do Conselho de Ministros, várias medidas que serão aplicadas em todo o país a partir de 15 de setembro, de forma a conter a pandemia de Covid-19. O primeiro-ministro fez uma apresentação em que recorreu a um powerpoint com vários gráficos que iam acompanhando o que dizia. Ainda antes das medidas, dedicou um capítulo a “critérios”, no qual apresentou vários gráficos. Um deles mostrava Portugal em quinto lugar no número de testes por milhão de habitantes entre 28 países da Europa (com mais de um milhão de habitantes). O gráfico é, no entanto, enganador, uma vez que coloca Portugal atrás de países como Itália, Noruega ou França, que, segundo a plataforma Our World in Data (Universidade de Oxford), apresentam números relativos a pessoas testadas e não a testes. Isto torna, desde logo, a comparação falaciosa.
Essa diferença de registo oficial não está, porém, expressa no gráfico, que tem como título “Testes por milhão de habitantes, 8 setembro 2020”. E enquanto o gráfico passava, António Costa dizia de forma clara a frase:
Portugal continua a ser um dos primeiros países com maior número de testes por um milhão de habitantes, só sendo ultrapassado pela Dinamarca, pelo Reino Unido, pelo Chipre e pela Lituânia.
Isso seria verdade se todos os valores apresentados, país a país, dissessem respeito ao mesmo: número de testes feitos. Até porque os números, em si, estão corretos: com ligeiras divergências, é possível verificar por bancos de dados fidedignos e que se baseiam em fontes oficiais que, a 8 de setembro, Portugal tinha reportado, de facto, 214.585 testes por cada milhão de habitantes, estando, por isso, à frente de Itália, que reportou o número 156.510, da Noruega (153.071), de França (130.166) ou mesmo da Polónia (76.969) ou da Croácia (49.054). Problema: estes cinco países fazem a contabilização a pessoas testadas e não a testes realizados ou a amostras testadas (forma como a conta é feita em Portugal).
Em Portugal, habitualmente, cada pessoa infetada faz, pelo menos, dois testes — um para confirmar a infeção e outro para confirmar a recuperação. Na maior parte das situações, porém, fará mais do que isso. E há os casos extremos, ainda que raros, de pessoas que são testadas várias vezes até chegar a um resultado negativo. A isso é preciso somar os casos de alguns profissionais que são testados sistematicamente, com ou sem suspeitas.
É justo supor que o mesmo acontece nos outros países — o que significa que cada pessoa testada pode corresponder a vários testes ou amostras testadas. Se, em média, e por hipótese, cada pessoa testada em Itália, que aparece em nono lugar, fizer dois testes, o número apresentado no gráfico disparariam para cerca de 313 mil — diretamente para o segundo lugar e três lugares acima de Portugal.
Um cenário semelhante poderia ser transposto para os outros países que usam o mesmo método — de contar pessoas testadas e não cada teste realizado. Aliás, o facto de não se poder saber com rigor quantos testes, afinal, são feitos em cada um (e no total do país) torna pouco precisa qualquer comparação que seja feita.
Essa dificuldade é, de resto, assumida e sublinhada por uma das plataformas que agregam e comparam os dados relacionados com o novo coronavírus, e que faz o alerta várias vezes: os vários países têm formas diferentes de contar os seus testes. “Alguns países reportam o número de pessoas testadas, enquanto outros reportam o número de testes (que pode ser mais alto se a mesma pessoa for testada mais que uma vez)”, lê-se no site do Our World In Data, uma plataforma criada por investigadores da Universidade de Oxford.
Mais: alguns países referem-se a “amostras testadas”, “uma forma pouco clara” e não permite saber “a que é que o número de testes se refere exatamente”. É esse o caso de Portugal. No site, os números nacionais aparecem com a indicação “número de amostras processadas”.
O caso português tem até uma explicação mais específica. O Our World in Data explica que, até 29 de abril, apresentava o “número de pessoas testadas” em Portugal, através “da soma dos casos confirmados e não confirmados divulgados diariamente pelo Ministério da Saúde”. Nessa altura, porém, foi alertado “por um assessor técnico do gabinete do secretário de Estado” para o facto de aqueles números não incluírem as várias pessoas “que são testadas, mas nunca entram no sistema de vigilância (porque não correspondem aos critérios e têm testes negativos)”. E, assim, a plataforma decidiu passar a apresentar as amostras testadas, que o mesmo assessor do Ministério da Saúde confirmou que “incluem todos os laboratórios públicos, privados e da academia”.
Conclusão
Apesar de não referir a fonte, o gráfico apresentado por António Costa sobre a capacidade de testagem do país tem dados corretos sobre os testes por milhão de habitantes, mas compara números de países com metodologias diferentes nesta contagem. Portugal aparece à frente de cinco países que têm números necessariamente mais altos que os apresentados, uma vez que os dados que seguem se referem a pessoas testadas e não a testes realizados. Se a metodologia em cinco dos países que aparecem no gráfico (Itália, Noruega, França, Polónia e Croácia) fosse a mesma que em Portugal (amostras testadas), estes estariam muito acima no ranking e, provavelmente, pelo menos três deles estariam acima de Portugal numa estimativa equilibrada de contar uma média de dois testes por pessoa testada. Mas mesmo que esses países não estejam à frente de Portugal, só o facto de comparar realidades diferentes torna a informação enganadora.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é: