A presidente da Comissão Europeia defendeu, esta terça-feira, que “Portugal já é líder digital em muitas áreas”. Na Fundação Champalimaud, durante uma visita a Lisboa onde aproveitou para apresentar o plano europeu de recuperação e resiliência, na resposta à pandemia da Covid-19, Ursula von der Leyen deu o exemplo da Web Summit para sublinhar a ideia de que “Lisboa continua a ser a capital espiritual do setor tecnológico”. E foi mais longe:
Portugal já é líder digital em muitas áreas e está a recuperar rapidamente noutras”, disse Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia
O Observador contactou a assessoria de imprensa da Comissão Europeia em Portugal para perceber a que áreas se referia Von der Leyen quando disse que Portugal era “líder digital”, e que critérios eram considerados para determinar essa posição de liderança. Mas nos índices e rankings enumerados, é destacada a evolução do país em vários parâmetros da integração e acesso a serviços online — só que não existe qualquer referência a uma posição de liderança.
Um dos indicadores apontados pela Comissão Europeia é o Índice de Digitalidade da Economia e da Sociedade (IDES) de 2020. Nesse documento, em que são avaliados os mais recentes “progressos digitais” dos vários Estados-membros, “Portugal ocupa o 19.º lugar” entre os 28 países avaliados.
Destacam-se os “progressos na dimensão do capital humano” e o “bom desempenho” nos serviços públicos digitais, “sendo um dos países da UE com melhores resultados neste domínio, apesar de ter descido um lugar comparativamente com a classificação do ano anterior”. Mas também é sublinhado que “o país continua a registar um mau desempenho, de acordo com os padrões europeus, em matéria de capital humano e de utilização de serviços de Internet”. No ponto sobre a conectividade, “Portugal desceu um lugar” face ao ano anterior, ainda que garanta uma “pontuação global acima da média”. O documento refere ainda que, no parâmetro da “tecnologia digital nas empresas”, o país cai cinco lugares (para a 16.ª posição).
Traduzindo por números: num universo de 28 países, Portugal é o 12.º país com melhor “conectividade” (a posição mais favorável de todas as que são avaliadas no IDES), está em 13.º lugar ao nível dos “serviços públicos digitais” (uma posição abaixo da de 2019), é 16.º na “integração de tecnologias digitais” (numa queda de cinco posições) e 21.º no parâmetro do “capital humano” (dois lugares abaixo da última classificação).
Em suma, nenhum dos pontos avaliados no âmbito do IDES coloca Portugal numa posição de “líder digital”.
O gabinete da representação da Comissão Europeia em Lisboa, na resposta que enviou ao Observador, refere-se também ao facto de o país ser o ponto de origem de “empresas digitais líderes em nichos sofisticados, com startups de elevado sucesso em sectores digitais complexos, com forte ligação à ciência”. E dá os exemplos da Feedzai, na área do combate à fraude através da Inteligência Artificial, e da Veniam, com paternidade assumida por dois professores das universidades do Porto e de Aveiro. Mais uma vez, esses casos de sucesso não transformam o pais em “líder digital”.
A Comissão refere-se, no mesmo esclarecimento, ao ranking da União Europeia sobre os Programas de Simplificação Administrativa, numa comparação entre 2006 e a realidade atual. Em específico, são mencionadas as categorias de “Disponibilidade de Serviços Online” e de “Sofisticação dos Serviços Online”. Os resultados alcançados nestas duas áreas são, de facto, mais favoráveis do que a avaliação do IDES 2020. No primeiro caso, o país passou do 10.º para o 3.º lugar, atrás da Áustria e de Malta; no segundo caso, deu-se um salto do 11.º para o 4.º lugar, apenas com Malta, Eslovénia e Áustria à sua frente.
O gabinete da Comissão Europeia ainda cita um estudo de abril deste ano, da consultora IDATE para o Fibre To The Home Council Europe, onde se conclui que Portugal é o país com maior percentagem de cobertura de fibra ótica em zonas rurais (com 53% das casas cobertas, à frente de Espanha, com 42%, e da Suécia, com 38%). Este ponto — a cobertura de fibra ótica nas zonas rurais — é o único em que o país surge como o mais bem classificado.
Por outro lado, o Ranking da Competitividade Digital Mundial 2020 do Institute for Management Development (IMD, e que voltou a contar com a colaboração da Porto Business School) coloca Portugal na 37.ª posição, entre os 63 países considerados. Apesar de revelar melhorias nas áreas de “Conhecimento” (com um 33.º lugar) e de Tecnologia (na 38.ª posição), a fraca prestação em parâmetros como a “Preparação para o Futuro” (41.º lugar) contribuíram para a perda de competitividade nacional na área digital. No contexto europeu, e de acordo com o ranking do IMD, há apenas oito países com classificação mais baixa que Portugal.
Conclusão
Ursula von der Leyen afirmou, em Lisboa, que “Portugal já é líder digital em muitas áreas”. Os últimos governos têm dedicado uma atenção particular à questão da transição digital, mas nenhum ranking ou índice colocam o país nesse patamar de liderança. Há dados que indicam uma boa prestação em parâmetros parciais (como concluem o IDES ou o ranking do suíço IMD), mas há um longo caminho a percorrer até que Portugal se possa assumir como “líder digital”.
Segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:
ERRADO
No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:
ERRADO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.
NOTA: este artigo foi produzido no âmbito de uma parceria de fact-checking entre o Observador e a TVI