Uma publicação realizada num grupo de Facebook afirma que a proteína S das vacinas contra a Covid-19 viajam desde o local da injeção — no músculo deltóide, localizado na região superior do braço — e causa danos em vários órgãos. A publicação diz respeito a um artigo publicado no site Lew Rockwell e serve-se de uma citação atribuída ao imunologista Byram Bridle, especializado na resposta do organismo à infeção por vírus: “Cometemos um grande erro. Não nos apercebemos até agora”.
O artigo em causa afirma que a proteína S alegadamente injetada no braço não fica apenas no local onde a vacina foi administrada, mas migra para outras partes do organismos. De acordo com o cientista em causa, ao analisarem os casos de problemas cardiovasculares, de coagulação sanguínea e hemorragias associadas à Covid-19, os investigadores descobriram que “a proteína S por si só é quase inteiramente responsável pelos danos para o sistema cardiovascular se entrar em circulação”.
O argumento é que, como a proteína S é “uma toxina e um agente patogénico”, a vacinação das pessoas equivale a “inoculá-las com uma toxina”: “Já sabemos há muito tempo que a proteína S é uma proteína patogénica”, prosseguiu o canadiano Byram Bridle, que é também professor associado da Universidade de Guelph: “É uma toxina. Pode causar danos ao nosso corpo se entrar em circulação”. Segundo o artigo, entre os órgãos que podem ser afetados estão “o baço e as glândulas, incluindo os ovários e as glândulas adrenais”, chegando depois à corrente sanguínea e causando “dano sistemático”.
As declarações de Byram Bridle, prestadas a um podcast transmitido a partir do Canadá, baseiam-se num estudo que, de acordo com a publicação em causa, demonstram o percurso da proteína S do coronavírus ao longo da corrente sanguínea depois de ter sido injetada através da vacina. Segundo o imunologista, a proteína acumula-se nos tecidos, incluindo no fígado, na medula óssea e bos ovários “em concentrações bastante altas”. Byram Bridle também alega que o relatório desta investigação foi obtido por portas travessas porque “foi a primeira vez que os cientistas foram privados de ter acesso a ver para onde as vacinas de mRNA vão após a vacinação”. A responsabilidade, aponta, é da agência reguladora japonesa.
Mas nada disto é verdade e as declarações de Byram Bridle, que sustentam o artigo publicado no Facebook, são baseadas numa série de interpretações erradas sobre o assunto. A primeira confusão é, aliás, acerca da composição da vacina, que não tem como ingrediente a própria proteína S, mas sim o pedaço de informação genética que as células vão ler para produzir a dita molécula. Quando o organismo deteta as proteínas S e se apercebe de que ela não pertence ao corpo humano, o sistema imunitário desenvolve uma resposta contra ela e aprende a combatê-la em caso de novo ataque. É o que Byram Bridle chega a explicar na entrevista no podcast, contrariando a ideia inicial de que “temos usado a proteína S nas nossas vacinas”.
Também não é verdade que o estudo mencionado pelo imunologista tenha sido escondido da comunidade científica: pelo contrário, ele foi produzido pela Pfizer e disponibilizado no site da entidade reguladora dos medicamentos japonesa. E ao contrário do que Byram Bridle alega, o relatório não descreve o percurso da proteína S pelo organismo humano, mas sim das partículas lipídicas que transportam o ARN mensageiro referente à proteína S do coronavírus nas vacinas como a da Pfizer/BioNTech e Moderna. O estudo provava que todos os componentes da vacina eram eliminados no organismo por via fecal.
Mais importante, é falso que a proteína S produzida pelo organismo após a vacinação tenha capacidade para causar doenças do foro cardiovascular. Esta suposição de Byram Bridle resulta, uma vez mais, de uma má interpretação de estudos como este, publicado na revista científica The Lancet, que associa a infeção pelo SARS-Cov-2 a lesões nas células endoteliais (as que compõem as paredes dos vasos capilares sanguíneos), detetadas no cérebro e nos pulmões de algumas vítimas mortais da Covid-19. A teoria diz que, como estas células são ricas em recetores ACE2 (aqueles a que a proteína S se liga para o conteúdo viral entrar nas células), podem ser alvos fáceis do SARS-CoV-2 — só que nem sobre isso há certezas porque todos estes estudos são preliminares, baseados num número muito limitado de participantes e com uma série de lacunas metodológicas. Ainda assim, nenhum dos estudos diz que a proteína S produzida através das instruções das vacinas provoca esses danos — até porque, como elas não são compostas pela totalidade da informação genética do coronavírus, não podem causar qualquer infeção.
Byram Bridle refere-se também a uma investigação do Instituto Salk que revelou que, após a infeção por um pseudovírus (partícula semelhante a um vírus, mas que não contém a totalidade da sua informação genética) composto pelo ARN mensageiro da proteína S, os hamsters que serviram de cobaias ficaram com danos nos vasos capilares dos pulmões. Acontece que o mecanismo descrito nesta investigação mimetiza uma infeção pelo próprio vírus, não a resposta imunitária desenvolvida pela vacina. Mais: o estudo até sugere que “o anticorpo gerado pela vacinação e/ou o anticorpo exógeno contra a proteína S [transferido por meio de uma transfusão sanguínea, por exemplo] não só protege o hospedeiro da infecciosidade do SARS-CoV-2, mas também inibe a lesão endotelial provocada pela proteína S”. O argumento do imunologista cai, portanto, por terra.
De resto, também é falso que a proteína S produzida após a vacinação entra em circulação de forma generalizada pelo organismo humano. A maior parte continua mesmo no local da injeção e apenas uma pequena percentagem entra na corrente sanguínea e chega ao fígado, onde é destruído pelas enzimas deste órgão, como a Agência Europeia do Medicamento explicou. No entanto, a quantidade destas moléculas que chega realmente a este órgão é tão pequena que não simboliza qualquer perigo para a saúde humana e, além disso, não se liga aos recetores das células para causar uma infeção: “Os estudos não-clínicos realizados com as três vacinas contra a Covid-19 não identificaram quaisquer problemas de segurança relacionados com a distribuição pelos tecidos”.
Conclusão
As afirmações que afirmam que as proteínas S produzida após a administração da vacina funcionam do mesmo modo que as moléculas presentes na superfície do SARS-CoV-2, provocando danos cardiovasculares, não têm qualquer fundamento científico, até porque ambas funcionam de modo diferente. Também é falso que as proteínas S produzidas após a vacinação se espalhem pelo organismo humano: a esmagadora maioria continua concentrada nas células do músculo deltóide e a pequena percentagem que entra na corrente sanguínea chega ao fígado em concentrações demasiado pequenas para causar danos.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
ERRADO
No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:
FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.